quinta-feira, agosto 15, 2013

João Miguel Tavares e os tribunais

No Público de hoje, João Miguel Tavares responde ao artigo de Ricardo Sá Fernandes em modo de polémica de Verão. Veremos então, em primeiro lugar a crónica de hoje porque a de Domingo já está no postal anterior.

JMT comenta o artigo do advogado Ricardo Sá Fernandes ( aqui em causa própria, embora sendo de um cliente) resumindo a questão a um ponto essencial: a legitimidade de um tribunal em avaliar um acto de poder executivo, no caso o fecho da MAC.

Ora a este propósito já RSF tinha deixado claro que os actos do poder executivo podem ser escrutinados pelos tribunais por uma razão: estão subordinados ao princípio da legalidade. E o fiscal da legalidade é o poder judicial.
 Lá diz a CRP, no artigo  202ºº que nenhuma revisão constitucional ainda alterou que " na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados".

Este princípio que nem é apenas democrático porque o Estado Novo também entendia a função jurisdicional como  aquela que "consiste em declarar o alcance da lei na sua aplicação aos casos concretos, julgar as questões sobre situações jurídicas duvidosas ou controversas" ( do manual OPAN, para o 3º ciclo dos liceus, até ao fim do Estado Novo, em 1974).

Portanto, aceitemos como válido e indiscutível o seguinte: os tribunais, em Portugal, têm legitimidadae para analisar e decidir questões controversas como, no caso concreto, o fecho da MAC. Isso porque tal deriva de um acto normativo e os actos normativos, como os define a actual CRP, na parte III, no artº 112º são as leis e decretos-leis, incluindo-se os regulamentos que as explicitam melhor, como ensinava o professor Queiró, em Coimbra.

O fecho da MAC obedeceu a princípios de legalidade e que no entender do advogado da parte interessada ( politicamente) não foram respeitados. E em consonância com tal entendimento sindicou tal acto junto de um tribunal. no caso administrativo, por meio de providência cautelar porque a lei actual ( dantes não era assim) também o permite. Tal significa, como explica RSF, na crónica no Público que os princípios de admissiblidade de uma providência cautelar foram respeitados e o tribunal a quo a aceitou. Portanto, tudo está bem quando acaba assim. Ou seja, por enquanto, uma vez que a providência cautelar é isso mesmo: provisória e à espera de uma acção que diga o direito definitivamente. E nesta acção, evidentemente que os problemas legais podem novamente colocar-se e conduzirem o tribunal a declarar a ilegalidade do acto legislativo, por violação cuja sindicãncia a CRP atribui ais tribunais.
Haverá nisto alguma intromisssão ilegítima e indevida do poder judicial no poder legislativo ou executivo? Não me parece, se a decisão se mantiver nesses parâmetros. Já se viu que a decisão sobre a providência cautelar não serve para aferir tal coisa, devido ao carácter limitado da mesma. Porém, o efeito mediático surge porque tais providências ( em que RSF tem sido exímio-é dele a providência relativa ao túnel das Amoreiras, salvo o erro)  têm sido usadas como arma de arremesso político. Sim, parece que tal se verifica. E daí? Os tribunais têm culpa disso e deverão declararar casuisticamente que esta ou aquela providência têm esse cariz? Não me parece tolerável nem aceitável.
Tergiversar desse núcleo fundamental de razões para as acessórias considerações, dislatadas pela juiz do processo também será irrelevante ( como o serão no caso sindicado pelo tribunal de trabalho em que o trabalhador tinha sido despedido por trabalhar embriagado)..
Para finalizar: JMT cita em seu proveito argumentativo o velho comunista idiossincraticamente empedernido e arrependido em tempo serôdio e obsceno ( quando o muro ruía fragorosamente), Vital Moreira. O constitucionalista encartado,  mais uma vez  (é relapso nestas coisas) deixa de usar o bestunto académico e aplica a cartilha leninista, já com bedum,  aprendida na juventude.  Não reconhece legitimidade a um tribunal, mormente administrativo, para sindicar uma decisão que entende ser da exclusiva responsabilidade política do governo. Escreve algures que "numa democracia constitucional os juizes não governam nem se podem substituir aos governos".
Tal é verdade, assim escrito, mas  falacioso assim apresentado.
Os juízes não governam, de facto, nem têm que governar. Mas é seu dever, se a tal forem chamados por iniciativa processual, como foi o caso, a decidirem questões de legalidade estrita. Como aliás, sucedeu. Quem lhes permitiu tal coisa, aos juízes ( Vital não usa a palavra tribunais...) foi...o poder legislativo.

Vital Moreira, como de costume e tal já foi em devido tempo apontado por um seu colega académico e de reputação segura, ( José Manuel Correia Pinto), seu antigo correlegionário, limita perigosamente, em democracia, a possibilidade de sindicância dos actos de governo, pelos tribunais. Surge por isso em defesa do partido, perdão, governo, entidade que continua a entender como sendo a máxima para intervir e centralizar todas as decisões políticas virtualmente extensíveis a todos os sectores da vida em sociedade.
Passe a caricatura, Vital Moreira continua a ser leninista de coração e jacobino de acção. E como se sabe o coração tem razão que a razão desconhece.
Tal já foi dito pelo treinador Jorge Jesus numa tirara memorável, em televisão de horário nobre.

JMT faria bem em não recomendar tal personagem. O Vital, quero dizer. 

Aditamento:

A crítica de José Manuel Correia Pinto a Vital Moreira já tem barbas. Cinco anos, pelo menos e para além do conteúdo integral, tem isto de essencial:

 Em suma, o que por outras palavras eu quero dizer é que as pressões tendentes a limitar a actuação dos tribunais não são bem-vindas, principalmente naqueles domínios onde o tal princípio da separação de poderes, que o VM tanto invoca, mais justifica uma actuação livre dos órgãos encarregados de velar pelo respeito da legalidade democrática. Esta defesa ilimitada dos actos da Administração não augura nada de bom. É dela que sempre partem as grandes agressões aos direitos dos cidadãos. Se os tribunais se inibem de os defender, pressionados por um clima doutrinal ou político hostil, a democracia representativa fica reduzida a uma caricatura.
Este artigo do VM, em articulação com outros, nada felizes, sobre a liberdade dos jornalistas, a autonomia universitária, a cerceação da democracia participativa, dá uma visão distorcida e limitada do poder dos tribunais no controlo da legalidade democrática e pode ajudar a abrir a porta aos piores entendimentos ou aos maiores retrocessos nesta matéria. Por isso, é tempo de dizer basta!


Vital não se deu por achado, como nunca se dá.

Questuber! Mais um escândalo!