domingo, outubro 26, 2014

A ideologia matrix de uma esquerda utópica nacional

No Público de hoje e na Tabu ( Sol) de ontem aparecem três perfis de personagens simbólicos desta democracia.

A primeira é Maria Antónia Palla, mãe de António Costa que ultimamente tem multiplicado entrevistas a propósito da publicação de um livro que intitulou pomposamente Viver pela liberdade. Uma liberdade antonomásica, por suposto, uma vez que é a liberdade jacobina.
Ontem foi o i a entrevistar e a recensear o livro ( Ana Sá Lopes, imagine-se...) e hoje é o Público  a entrevistar, pois claro. Uma entrevista longa com um título jacobino por excelência: ! Não tinha, como não tenho ainda hoje, respeito pelas hiearquias".

Esta Palla evidentemente só é entrevistada profusamente por toda esta troupe mediática de esquerda por ser mãe do almejado primeiro-ministro que lhes irá supostamente curar as maleitas deste "neoliberalismo" empobrecedor.


A entrevista do Público revela o que é semiologicamente evidente: somos dominados mediaticamente de há mais de quarenta anos a esta parte, - porque isto já vem de alguns anos antes do 25 de Abril de 1974, - por esta esquerda difusa que se alia sempre objectivamente à ideologia da aversão genérica aos ricos e à "hieraquia", focando particularmente um sistema que agora se chama "mercados" e que dantes tinha o nome, para essas pessoas, de "capitalismo". O jacobinismo puro é a essência desta esquerda mediática. Daí a profunda aversão ao Salazarismo/Caetanismo e a aceitação desse regime como sendo "fascista", adoptando a designação comunista,  corrente,  sem qualquer prurido ideológico.

Como é que esta ideologia difusa que não é comunista mas muitas vezes se apresenta como cripto-comunista,  aceita complacentemente uma ideologia e um partido profundamente anti-democrático e profundamente repressivo de liberdades? É o mistério deste meio século, para mim.

Por isso mesmo tento descorticar indícios semióticos dessa inclinação à esquerda que me permita entender como é que naufragamos colectivamente nessa aventura utópica, sem destino à vista.



Lendo o que a referida Palla diz, percebemos que essencialmente se pretende feminista, por reacção a uma suposta sociedade repressiva de direitos para as mulheres. Abortista convicta, fez disso bandeira e escreveu agora o livro de justificação de uma coisa tão pessoal que devia ser resguardada no íntimo de quem não quer ser julgado publicamente.
A certa altura da recensão no i, afirmando a amizade que manteve com Maria José Nogueira Pinto, interrogava-se porque é que a mesma seria de direita e ela de esquerda quando eram tão parecidas e tão próximas em algumas coisas...
E parece-me que é neste interstício de personalidades que se deve procurar a essência do mito. Porque é que a tal Maria José Nogueira Pinto seria de direita? Há razões objectivas e concretas para tal, se afinal as afinidades electivas eram mais que a proximidade de pontos de vista e passavam até pela leitura primordial de livros de autores de esquerda?
Que é afinal a Esquerda não comunista?  Quanto a mim, é a jacobina. A contestatária de uma tradição católica ou de uma tradição de costumes que vinham de um passado em que a autoridade e a hierarquia social eram respeitadas. Maioritariamente ateísta, contesta essencialmente uma autoridade difusa porque a não detém. Logo que a possua, adquire-lhe os piores vícios e perverte-lhe a essência, justificando-o em inúmeras contradições.  É essa a diferenciação? Pode bem ser.  M.A. Palla é de esquerda por isso, parece-me. É simplesmente um fenómeno psicológico sem razões explicativas porque foge ao domínio racional.

Outro representante desta ideologia difusa, matrix do espaço mediático e até maioritariamente político que vivemos nos dias de hoje é Joaquim Letria, irmão de José Jorge Letria, o comunista  arrepenido que escreveu um livro sobre o dealbar do 25 de Abril no ambiente mediático, militar e político da época, intitulado "E tudo era  possível".

Joaqum Letria apareceu ontem na revista Tabu., do Sol, em entrevista extensa. Também foi comunista mas por pouco tempo. Diz que ninguém lhe ligou durante 17 anos, mas antes tinha sido personagem fundamental no panorama mediático nacional pós-25 de Abril. É evidentemente de esquerda e a justificação é na mesma irracional.

Diz que estudou no Passos Manuel e no Colégio Moderno e nessa altura já tinha percebido que "queria ser jornalista".Escreveu um conto para o Diário de Lisboa que foi seleccionado para publicação e meteu uma cunha à filha do director, sua colega de escola, para ir "para lá". E foi.


Conta depois que "entrei no PCP com 16 anos". 16 anos? Portanto, entrou para o PCP no início da década de 60 do século que passou. O que se sabia do PCP nessa época? Que era estalinista puro e duro quando Krutschev denunciou tal  coisa meia dúzia de anos antes, com proclamação pública de extenso rol de crimes contra a humanidade, como hoje se diria. Salazar ao pé disso era um anjo de coro e dos mais recatados. Letria, como jornalista não sabia disso? Não se informou? Não comparou mentalmente o regime de Salazar com o soviético que almejava sendo militante do PCP?
Então que razões se encontram para essa filiação comunista e esse esquerdismo militante que nunca mais abandonou? Lá está: não há razões, a não ser psicológicas, com a particularidade de Letria, Joaquim não dar indícios evidentes de jacobinismo militante.

Porém, o papel de Joaquim Letria no panorama nacional é de muito relevo e não parece. Foi um dos fundadores de O Jornal, em Maio de 1975 e quem ler os números que sairam durante esse período rapidamente percebe que o jornal era de esquerda mas não alinhado no comunismo, antes do lado do MFA maçónico e democraticamente burguês. O do "grupo dos Nove" de Melo Antunes e similares.

Mas que não haja qualquer dúvida sobre quem Letria apoiava nessa altura. o PREC, ainda que mitigado, como o demonstra esta capa do jornal ( que tinha um jornalismo magnífico, desse ponto de vista) contra o então "contra-revolucionário" Alpoum Calvão, recentemente falecido e cujos obituários resumem bem o que foi o nosso panorama mediático dos últimos 40 anos, onde se nota a marca matrix dessa esquerda que sociologicamente não nos larga.

De resto, Letria diz no final da entrevista que "sinto-me cada vez mais empurrado para o PCP".  Os primeiros amores...pois claro e o tal fenómeno irracional a manifestar-se. Só não se compreende que tenha explicado o afastamento do PCP, ainda antes de 25 de Abril de 1974 porque " não concordava com o alinhamento do partido com a União Soviérica". Mas "respeitava muito o Cunhal", claro e que dá a dimensão dessa crença e dessa fé esquerdista que nunca passa.


Finalmente outro entrevistado hoje pelo Público é Nuno Crato, da geração com menos uma dúzia de anos que aqueles e cujo percurso ideológico é similar a muitos que moldaram o panorama mediático e são agora comentadores habituais de telejornais de uma Lourenço e afins.

Crato é outro ( a par de José Manuel Fernandes que foi seu colega de jornal na Voz do Povo, da UDP, com Henrique Monteiro e outros) que provavelmente não consegue explicar racionalmente porque acreditou no comunismo utópico numa altura em que tinha à disposição de leitura ( uma das actividades preferidas) informação mais que suficiente para se poder concluir que era uma loucura criminosa que iria tornar Portugal num sítio mal frequentado e de miséria colectiva. Crato, tal como outros não viram isso e tinham todos os meios para ver.
Por que não conseguiram ver claramente o que só muitos anos mais tarde vieram a reparar? Crato diz que "passei dos movimentos utópicos e, ao mesmo tempo de ambições totalitárias, para um movimento democrático moderno". Politicamente passou ( passaram), mas mentalmente, teriam mesmo passado?
É esse fenómeno que me interessa perceber ( e por isso comprei o livro de José Manuel Fernandes em que faz um relato autobiográfico desses tempos) porque não entendo mesmo como pessoas inteligentes conseguiram aceitar aquelas patranhas, sem pestanejar, metendo-se a fundo no processo revolucionário que visava alterar o status quo por meios violentos e depois, passados anos, mudam de agulha como se nada fosse. Não acredito nesta mudança psicológica porque suspeito que as razões inconfessáveis ou inescrutáveis para tal mudança não são possíveis de revelar ou descobrir.  São razões que a razão desconhece.



Por outro lado tudo isto me parece importante por um simples motivo: todas estas personagens do nosso passado próximo têm um ponto comum de entendimento: o Salazarismo / Caetanismo como sítio ideológico do mal quase absoluto de um "fascismo" inventado a preceiro.
Combateram esse regime como comunistas oiu simplesmente "do contra" e adoptaram  o léxico do combate como substituto ( caso dos extremistas de esquerda da segunda geração) . Ficou-lhes de tal modo impregnado no instinto irracional que não conseguem fazer qualquer "reset" no sentido de julgarem aceitável e útil a discussão sobre o regime de Salazar/Caetano que aliás se torna cada vez mais premente e necessária, por causa da nossa identidade e futuro.
 Tirando a caricatura é esse fenómeno que ainda hoje se sobrepõe no espaço mediático total e sem excepções, a não pontuais e quase irrelevantes ( O Diabo, por exemplo).

A escola que se formou com essas pessoas antigas e as que lhes sucederam no espaço mediático tem  moldado a sociedade portuguesa no sentido lato do esquerdismo  suave e que costuma dar vitórias ao PS porque o PCP, no poder,  assusta o povo.

Se António Costa ganhar as próximas eleições é por causa deste fenómeno, aliás único nos países da Europa ocidental, mesmo nos vizinhos mais próximos.

PS. os jornalistas mais representativos e mediaticamente poderosos, particularmente os da televisão, são mesmo todos de esquerda. É um facto indesmentível, parece-me e uma desgraça nacional. Uma tragédia grega, literalmente.
Interessante mesmo seria saber as razões e descobrir se serão ainda razões que a razão desconhece, como naqueles casos acima apontados.

Que espécie de maldição se abateu sobre Portugal no final dos anos sessenta do século XX?  Virá isto de França? Não me parece porque em França há movimentos ideológicos interessantes a despontar...



Questuber! Mais um escândalo!