A ofensiva mediática de Carlos Cruz continua, agora no DN, com uma entrevista de Ana Sousa Dias. Para além do problema de base e de sempre- a credibilidade do que diz- acrescenta-se agora um dado novo que complementa um antigo : uma afirmação que é pura e simplesmente uma ameaça, retirada da entrevista de duas páginas, sem contexto e por isso autorizada a interpretações dúbias. É este o jornalismo do DN...
Esta afirmação, aliás, complementa uma outra já com alguns anos em cima sobre a circunstância de o mesmo então se sentir como o boi que se atira ao rio para as piranhas se entreterem enquanto a manada passa, em paz e sossego. Por muitas interpretações que se possam emprestar à expressão, só uma releva no contexto. Aliás, como agora.
São estas pequenas coisas que retiram credibilidade ao que diz e este circo mediático nada ajuda na medida em que apenas subsiste uma voz: a do interessado, sem contraditório, sem interrogações lógicas. Numa palavra, sem pudor.
O que eu gostaria mesmo era de ouvir o embaixador Ritto se o mesmo se dispusesse a falar.
Por outro lado ponho aqui uma redacção muito bem feita de um catedrático ( sans blague) que escreveu assim, aqui, na altura em que o processo de desencadeou ( o blogue tem a data de 2010).
Coloco aqui porque os intervenientes de um programa inenarrável chamado "eixo do mal" continuam na mesma como há 10 anos atrás... nada aprenderam, nada esqueceram e nada querem mudar porque vivem daquilo, se calhar. É na SIC do senhor Balsemão.
Como não podia deixar de ser, Carlos Cruz continua a ter um papel
destacadíssimo na comunicação social, usando-a a seu bel-prazer, para
tentar alcançar na praça pública o que não logrou conseguir em tribunal.
Ainda esta noite, no programa “Prós e Contras”, Carlos Cruz - na opinião de Marinho uma das “vítimas amarradas há oito anos ao pelourinho da ignomínia” – voltou a dispor de todo o tempo para clamar a sua inocência.
Não
está em causa, evidentemente, que ele use um dos meios em que dizem ser
mestre, para tentar a sua absolvição. O que está em causa é a constante
mistificação que ele vem fazendo, de há oito anos a esta parte, do
ambiente que rodeia o processo em que ele está envolvido.
A memória
das pessoas é fraca, mas os factos aí estão para relembrar os mais
esquecidos. Pouco antes de ser preso, mas logo que teve conhecimento de
que estava sendo investigado e que, inclusive, se poderia saber que já
antes tinha havido, sobre o mesmo tema, um processo arquivado – que até
então não era do conhecimento público –, Carlos Cruz “visitou”, salvo
erro na mesma noite, as três televisões, na hora de maior audiência,
para em declarações emocionadas proclamar a sua inocência. Conseguiu até
esta coisa inédita de um Procurador Geral da República – de facto, a
nomeação para certos lugares deveria passar por exames
multidisciplinares muito apertados! – vir declarar publicamente que,
contrariamente aos rumores que corriam, a “Justiça nada tinha contra o Sr. Carlos Cruz”! Pouco tempo depois foi preso…
Uma
vez preso desencadeou-se na maior parte das televisões e em muitos
jornais uma campanha sem precedentes em defesa da sua inocência.
Conhecidas personalidades, algumas delas com grande impacto mediático,
outras “especialistas” em questões criminais, advogavam sem qualquer
hesitação a sua libertação e faziam juras de vida sobre o “erro judiciário”
em que se estava a incorrer. No clímax desta campanha, um seu
assistente de produção, em tom grandiloquente, declarou às televisões: “É uma ignomínia o que estão a fazer a este homem! Se o Carlos Cruz é pedófilo, eu também sou pedófilo!”. E não é que se veio a saber depois que ele andava lá muito perto…e não se soube mais porque fugiu!
Fazendo
coro com esta campanha, o seu advogado, que entretanto se juntou àquele
que inicialmente se encarregou da defesa, passou a actuar – pelo menos,
de acordo com os meus conhecimentos – não como um causídico, mas como
um verdadeiro “mandatário eleitoral”. Havia em curso uma
campanha, que, como a generalidade das campanhas, se tinha de ganhar na
comunicação social. E desde então até hoje sempre assim vem actuando.
Depois,
queixou-se da morosidade do processo, das audiências sem fim e
esqueceu-se de acrescentar o número infindável de incidentes que
levantou, os recursos interlocutórios que interpôs e as centenas de
testemunhas que apresentou. Sobre isso nem uma palavra para que a culpa
da morosidade recaísse inteirinha sobre a vilipendiada Justiça!
Mas
também se esqueceu de referir por que razão os advogados de Carlos
Silvino foram sendo sucessivamente substituídos, Silvino que até Hugo
Marçal chegou a ter como advogado. Esqueceu-se de referir o que a irmã
de Silvino disse publicamente em várias televisões!
Simultaneamente, foi-se passando para a opinião pública a ideia de que os “rapazes” – é assim que Carlos cruz os trata, como ainda hoje se viu e ouviu na RTP – eram prostitutos profissionais, com muita “escola”, capazes de mentir por dinheiro ou vingança e dispostos a entrar nas mais odiosas cabalas.
Apertados, ontem como hoje, sentiam-se na obrigação de reconhecer que alguns dos “rapazes”
eram vítimas inocentes e que indiscutivelmente havia violações…mas
nenhuma delas tinha autoria ou, quando muito, eram genericamente
imputadas a Silvino desde então arvorado em “fornicador universal”.
Penosamente,
o julgamento foi-se fazendo com Carlos Cruz e o seu advogado sempre na
crista da onda, de uma onda que eles mediaticamente “surfavam” com a mestria que dizem ter, até que a sentença chegou, inevitável e condenatória.
Logo
no tribunal, o advogado de Carlos Cruz desafiou a juíza – Marinho
Pinto, que utiliza como bitola do comportamento humano sempre a acção
mais reprovável, nem como bastonário se indignou …porque já viu quem
tenha feito pior - e o condenado, um pouco mais tarde, “montou tenda” para através das televisões reclamar a falta de provas e de fundamentação e, logo a seguir, no seu site, para que o povo em geral tivesse acesso a algumas peças do processo, ao que ele supõe criteriosamente escolhidas.
Esta noite no já referido programa da RTP manteve o mesmo registo das intervenções anteriores - o registo da “monstruosidade jurídica”
por falta de provas – e tentou ainda fazer uma interpretação
deturpadora das declarações de uma das vítimas, logo abortada pela
pronta intervenção de um psiquiatra presente.
Como não conheço o
processo, não sei se, relativamente aos crimes por que Carlos cruz foi
condenado, apreciaria as provas e formaria a minha convicção no mesmo
sentido ou sentido diferente daquele a que o tribunal chegou. O que sei é
que Carlos Cruz dispôs de meios que até hoje nenhum arguido, em
qualquer outro processo, pôde usar para pôr a opinião pública do seu
lado. Se não conseguiu…demérito seu e do seu advogado.
E também sei
que num processo desta natureza, tendo em conta o tipo de crimes que
estavam a ser julgados, a prova, nomeadamente a que vai para além da
existência do facto, se faz – salvo situações excepcionais – mediante
recurso a testemunhos. E que a prova testemunhal é livremente apreciada
pelo tribunal: o juiz forma a sua convicção tendo em conta todos os
elementos juridicamente relevantes. E a melhor doutrina até entende que o
juiz (seja individual ou colectivo) do processo, salvaguardados os
princípios do Estado de direito, dispõe de um poder discricionário na
avaliação dos testemunhos, inalterável na sua concretização, pela
proximidade e especial situação em que se encontra perante os factos. A
título de exemplo: as imagens filmadas dos depoimentos prestados em
Elvas, que Carlos Cruz colocou no seu site, não têm
necessariamente o sentido que ele lhes pretende atribuir. Podem até
significar o contrário do que ele supõe dever ser a interpretação do
juiz. E também é bom que se diga que a concordância dos depoimentos pode
não ser suficiente para formar a convicção do julgador, assim como a
sua eventual divergência o não impede de a formar com base naquele que
considera mais credível. Pode haver erros: avaliações deficientes ou
interpretações erradas. O que não pode é haver condenação com dúvidas:
se o juiz tiver dúvidas, não condena; se não tiver, condena.
Isto são
coisas que – já não digo Marinho e Pinto, que é um caso perdido -
Daniel Oliveira nunca vai perceber, já que das suas intervenções parece
poder induzir-se que os actos de pedofilia apenas podem ser provados por
documento escrito (eventualmente autenticado em notário) ou através de
registos, de preferência cinematográficos ou televisivos, susceptíveis
de deixarem um rasto tão indelével como os do “Eixo do Mal”.