segunda-feira, março 28, 2016

O código zip: como é que isto foi possível?

Um dos motivos porque escrevo neste blog, em público, é o de saber a razão profunda de terem existido tantos comunistas que lutaram contra o regime de Salazar enquanto propunham e acreditavam num regime cuja natureza era infinitamente mais perversa para a população do que jamais o de Salazar o fora. Censura no regime de Salazar e Caetano? Os regimes de Leste tinham disso em decuplicado. Repressão policial e política, da PIDE? Os regimes de Leste tinham isso em centuplicado, com assassínios necessários e gulags convenientes durante décadas. Ausência de liberdades individuais? Os regimes de Leste tinham disso em permanência e refinamento inimagináveis. Ausência de desenvolvimento económico? Os regimes de Leste caíram talvez por causa disso...

Em suma: qualquer um dos defeitos graves apontados ao regime anterior a 25 de Abril de 1974 tinha o respectivo contraponto, de uma  evidência gritante, nos regimes de Leste que os comunistas de cá pretendiam imitar, propagandeavam clandestinamente e por isso eram presos, julgados e condenados perante a legalidade vigente.

Por isso mesmo uma interrogação se agiganta: porquê?!

Em 1969, já em plena Primavera marcelista, o regime apresentava uma abertura aos tempos novos que não era apenas de fachada.

A expansão da televisão, no final dos anos sessenta do séc. XX tinha conferido uma visibilidade a certos fenómenos que iriam condicionar o futuro do país. Em 1960 haveria cerca de 30 mil aparelhos de tv no país, mas dez anos depois já seriam quase 400 mil.

Em 24 de Maio de 1969 a tv apresentou um programa orientado por Raul Solnado, Fialho Gouveia e Carlos Cruz, chamado Zip Zip, gravado num teatro com público anódino e que aparecia e entrava até lotar a sala.

Em 18 de Julho de 1969 o programa era um sucesso retumbante e tinha a participação de vários músicos e artistas "progressistas", leia-se comunistas.

A Flama dessa semana trazia um artigo desenvolvido sobre o mesmo, com duas páginas em que aparecia um certo José Jorge Letria, na qualidade de segundanista de Direito, cantor e compositor de baladas e antigo colaborador do Diário de Lisboa que dizia assim:


Esse mesmíssimo número dessa revista de grande divulgação e que então pertencia ao Patriarcado, publicou quatro páginas de um artigo da revista italiana Epoca, sobre o...comunismo na URSS.


Aquele José Jorge Letria, então um jovem de 18 anos já era suficientemente adulto e esclarecido para ler o artigo da Epoca e será difícil acreditar que não o viu, então.

Porém, em 2013 explicava no livro E tudo era possível, esse tempo...


E nem a viagem a esses países, anos depois, desfez a ilusão ou esclareceu melhor a utopia. Anos depois, uma boa parte destas pessoas integraram o PS ou votam no PS, e continuam de "esquerda"...


Como é que isto foi possível? Não sabiam? Continuam sem saber? São como os alemães em relação ao nazismo, em permanente estado de negação, por causa da ideia "völkisch"?

É um mistério dos grandes porque só se entende pela ideia de que pode haver razões que a razão desconhece.

Por outro lado, aquele programa de tv na "primavera marcelista" incluía nomes de artistas exclusivamente de uma esquerda que era comunista e socialista e assim continuou a ser depois de 25 de Abril de 1974.

Basta ver o elenco dos que gravaram o disco Zip Zip, em Setembro de 1969 para perceber claramente tal fenómeno:



José Barata Moura, J.C. Ary dos Santos, Padre Fanhais, pelo menos. Os demais, compagnons de route que fizeram la route ensemble.
Em 1969 a elite cultural era de esquerda comunista apesar de o regime ser anti-comunista por princípio declarado sempre pelo presidente do Conselho de então, Marcelo Caetano.
A mensagem cultural comunista era veiculada por aqueles artistas sem qualquer rebuço a não ser a escolha das palavras certas para iludir a Censura de então.
Tal artifício era improvável nos países comunistas de então que não permitiam a mínima abertura política ou ideológica ae quem se atrevia a afrontar o sistema, mesmo em tom crítico moderado. Tais personagens eram afastadas, presas, eliminadas, no limite. O hospital psiquiátrico era uma paragem para a impossível reeducação dos transviados que naturalmente só podiam ser doidos ao contrariarem o ideário comunista da perfeição utópica.
Por cá, presas seriam se se atrevessem à propaganda das ideias comunistas em modo proibido por lei. Eram "subversivos". E com toda a razão, mas não em gulags ou com penas indeterminadas para além de certo tempo. A legalidade vigente não se comparava em crueldade ou rigor à dos países de Leste e essas pessoas sabiam ou deviam sabê-lo muito bem. Mas não ligavam a tal coisa o que se revela estranho e incompreensível.

Marcello Caetano explicava oportunamente o que era o comunismo e o que significava tal eventualidade para a liberdade das pessoas num livro de propaganda do regime, editado pelo Governo de então e que recolhia o pensamento essencial e os tópicos da acção governativa.
Em Junho de 1972 explicava em discurso publicado nesse livro - Governo de Marcello Caetano, quarto ano de actividade- tais noções:







  Aparentemente ninguém ligava a isto e aqueles que tentavam fazer a Revolução, nos grupelhos de extrema-esquerda, com gente que agora se pronuncia nas tv´s como democratas de sempre, ainda menos ligavam.

Neste ambiente mediático  e cultural, dominado por uma elite de esquerda, a mudança política era uma questão de tempo e Marcello Caetano não teve o tempo suficiente para a fazer- e queria fazer- porque a guerra no Ultramar o impediu e ao mesmo tempo o precipitou.
O que é que Marcello Caetando dizia desta guerra? Era muito claro no discurso que não era o da esquerda, de modo algum. A linguagem é a que conheço e reconheço para falar no problema e deveria ser lembrada aos esquecidos e ensinada aos que nunca a conheceram:


E como era encarado este problema no tempo de Salazar? Aparentemente, do mesmo modo, ou seja, resistir até morrer em declaração pública para inglês ver. No entanto, segundo o relato de um insuspeito Kaulza de Arraiga, no livro de Jaime Nogueira Pinto, Salazar visto pelos seus próximos, de 1993 e agora reeditado ( Bertrand Editora) cuja leitura aconselho vivamente, o assunto não era assim tão linear:





E qual era a solução da Direita portuguesa para esse problema? Maior integração com o Ultramar e uma emigração maciça de colonos brancos para povoar as terras africanas.

Alguém acredita que esta solução daria bons resultados? Para quem acredita basta ver o que aconteceu na África do Sul...e Portugal apesar de não ter boers não seria diferente, no contexto dos "ventos da História".



 É nesta intersecção que se cruza o código Zip. É esta a nossa essência como Nação: o que aconteceu nos últimos 50 anos deveria ser melhor estudado e a Esquerda portuguesa não devia ser a mestre-escola, como tem sido de há 40 anos a esta parte.
É uma péssima professora...

Questuber! Mais um escândalo!