sexta-feira, novembro 16, 2018

Jornalismo de mercado

CM de hoje:


O aparecimento há cerca de cinco anos, do canal de tv do Correio da Manhã teve um efeito de choque no panorama audiovisual nacional. Segundo a Wiki o dia 23 de Junho de 2018 foi o de maior audiência da estação. Nesse dia votou-se em Alvalade e Bruno de Carvalho ficou de fora do clube.

Quando o canal de tv do CM começou,  apareceu pela primeira vez em horário de noite, "prime time" como dizem os americanos que começaram há muitos anos estas coisas, reportagens em directo sobre "crimes", de preferência com sangue, raptos, sequestros, emoção em directo provocada pelos repórteres no local que olhavam e reportavam para os dramas ou tragédias em formato tablóide, ou seja, com dimensão de realidade recortada, redutora e manejável.
Contar em directo o ambiente de um homicídio acabado de cometer ou um sequestro ou um incêncio de grandes ou pequenas proporções ou qualquer calamidade natural ou ainda qualquer assunto erigido em escândalo por efeito da própria engrenagem mediática tornou-se o dia a dia da estação que nisso acompanha o jornal.

Há quem assegure como o fazem os jornalistas da casa, maxime, Eduardo Dâmaso que isso é jornalismo e do melhor que há. Não é. É apenas jornalismo de mercado. É um jornalismo que procura fontes de rendimento e as encontrou na exploração do voyeurismo mais chão, da avidez de olhar o mal dos outros ou de espreitar a desgraça alheia.
Sempre que há um acidente numa auto-estrada nota-se isso à légua, literalmente. As bichas que se fazem imediatamente do lado contrário ao do acidente decorrem da curiosidade mórbida em ver o que se passou, em adivinhar corpos desfeitos, cenas dantescas ou mera destruição de material compósito.
Quem vira a cara para o lado em casos destes? Quem se afasta com pressa para não presenciar o horror previsível? Pouca gente. A curiosidade natural é humana mas a cultura deveria servir para nos moderarmos nessa apetência. Quem a explora não pratica um acto culturalmente válido, antes pelo contrário, procura incentivar o que pior há nas pessoas. E isso tem efeitos nas mesmas pessoas. Este jornalismo é um acto em prol da barbárie, por muito que custe dizer isto. Saber ou ver que há animais mortos é uma coisa; outra, esventrá-los, dissecá-los e mostrar o espectáculo a quem deseja emoções desse calibre.

Sabendo isto da experiência feita, a CMTV apostou nesse cavalo velho, testado noutros hipódromos  e pô-lo a render na corrida ao pódio das audiências. E ganhou. Até hoje. De tal modo que a TVI lhe seguiu os passos, replicou o modelo e compete agora na amostragem dos fragmentos do horror quotidiano.

É isto informação? Juram que sim, mas aposto que Eduardo Dâmaso sabe muito bem que não. E nem verá tais reportagens e notícias, tal como um Pedro Tadeu que no defunto 24H dizia que não leria os que editava no jornal. E precisamente pelos mesmos motivos.

Que interesse devia ter para a generalidade das pessoas o sinistro caso dos homicídios relatados com pormenor policial, noites a fio, com a ajuda de comentadores do ramo judicial e académico ( o professor Rui Pereira e diversos ex-agentes das polícias)?  Este recrutamento inteligente teve pelo menos o condão de limitar estragos ao rigor dos conceitos processuais ou aos modos de actuação profissional, mas deixa muito a desejar sobre os motivos de tal colaboração que legitimamente tem a ver com dinheiro.
Que interesse geral devia ter isto? Zero ou muito reduzido. Como há 50 anos, no tempo da Censura tinha. E nisso era virtuosa, essa censura. O perigo advinha de se estender demasiado a outros assuntos, mas isso é outra conversa. Essa censura, porém, deveria existir ainda hoje, não institucionalizada mas na mente de quem dirige esses media e na ética ou moral que deveriam ter e evidentemente não têm, porque como dizia uma das cultoras do estilo ( na vertente reality show) a ética não dá de comer.

Então se assim é e tenho a certeza que sim, porquê este estenderete de jornalismo sensacionalista que apenas busca o rendimento em audiências, receitas publicitárias e dinheiro em caixa?

É o mercado mediático a funcionar. Quem o desprezar tenderá a ficar para trás em audiências, números de "rating", receitas e futuro de vida.

Não sei que merda de sociedade este género de media prepara porque também é disso que se trata: de condicionar a mente de quem vê, lê e ouve. Sem objectivo de manipulação mas seguramente com resultados negativos na mentalidade geral.

Uma prova concreta? O que se passou com o "ataque" a Alcochete, as prisões preventivas, a alusão ao "terrorismo", as medidas de espectáculo que um certo MºPº propôs ( sempre o mesmo, configurado por uma Cândida Vilar, obviamente condicionada por todo este aparato mediático. Deve ver muita tv e ler caras e vips a eito...) e tudo o que irá suceder a seguir.
Outra prova concreta: que interessa à generalidade das pessoas o que uma tal Rosa Grilo fez ou deixou de fazer a um marido que traía? Que acrescento de utilidade informativa traz passar horas e horas e horas, com a colaboração prestimosa daqueles comentadores profissionalizados ( Rui Pereira, Carlos Anjos e outros) a dissecar os pormenores que uma investigação criminal desenvolve e mostrar em evidente violação de segredos de justiça o que deveria ficar restrito aos tribunais, eventuais assistentes e arguidos? O que ganha a comunidade em saber essas coisas escabrosas da vida íntima daquelas pessoas? Enfim, não encontro explicação a não ser uma: dinheiro que a Cofina quer ganhar. Imoral, portanto e no mínimo porque o voyeurismo assim televisionado não deveria legitimar tais ganhos.

O espectáculo continua, minha gente. Entrem...entrem e deliciem-se!  Quem ganha? Nós, os empresários da coisa.


Infelizmente é isto que vejo neste tipo de informação em que pouco de positivo se aproveita e o que poderia aproveitar-se esgotaria uns minutos de notícia, sem imagens sequer...

Daí que a tv pública também entre no jogo deste mercado, para mim sujo a valer:



De resto, a par deste tipo de informação surgiu outra perversão do mesmo género: a mediocridade e o entretimento imbecil e estridente alcandorados a produtos de luxo.



É disto que se orgulha um Eduardo Dâmaso que critica um pobre advogado que mais não fez do que manifestar publicamente a sua indignação por este tipo de jornalismo?

Sem comentários:

Megaprocessos...quem os quer?