A história que segue é triste por várias razões. A primeira porque exemplifica a velha história do poder político que em democracia tem dificuldade em lidar com a crítica de oposição, por vezes acerba. Depois porque as leis e os tribunais acabaram por dar razão ao poder político, sufragando a dores dos queixosos excelentíssimos, ofendidíssimos na honra, cortando cerce o direito a uma expressão de quem se sente atingido pelo abuso do mesmo poder político.
Em último lugar porque o Público tem uma crónica do advogado Francisco Teixeira da Mota que advoga em causa própria a propósito de um caso daquele género, ocorrido na Madeira em data que não indica e em circunstâncias cuja narrativa deixa muito a desejar.
Se ficarmos por esta leitura só percebemos que o Estado português, por causa do seu poder judicial, foi condenado mais uma vez e pela enésima, por violação de princípios da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, na vertente da liberdade de expressão na imprensa. O cronista conta dois casos, deste ano, o que denota a carência de formação jurídica do poder judicial acerca destes assuntos, mas interessa um deles, em particular:
Havia um jornal na Madeira, de oposição ao poder político local e que escrevia artigos vitriólicos contra os seus representantes. Num deles, terá alargado as tiradas críticas à actuação de um gestor público acerca de assuntos de interesse público, como seja a gestão do porto de mar local.
Para compreender o alcance da crónica é necessário pesquisar na Internet até se chegar aqui, ou seja à decisão de um tribunal português que foi agora criticada pelo TEDH por ter excedido a medida do seu poder judicial.
Em primeiro lugar tratava-se de uma acção cível, de partes em que o Autor demandava os Réus, a fim de obter indemnização por "danos não patrimoniais" derivados de ofensa do direito à honra, no montante de 250 mil euros e por factos ocorridos em 2006 e 2007, em escritos do jornal Garajau.
Na primeira instância a sentença de Julho de 2914, condenou os Réus ao pagamento de 30 mil euros, por tais factos ofensivos que aliás deu como provados.
Os Réus não se ficaram e apelaram para a Relação que em Maio de 2015 confirmou a condenação, podando a sentença, e diminuindo o valor da indemnização para metade.
Quais eram os assuntos que o tribunal superior teve que conhecer? O mesmo o diz: "impugnação da matéria de facto; conflito entre o direito à honra e consideração do A. e a liberdade de expressão e de informação, invocadas pelos RR.; alargamento da base instrutória; valor da indemnização fixada."
O tribunal da Relação, como se pode ler, escreveu qual era a matéria de facto em causa, o que ficara provado e não provado e a posição das partes e ainda o direito que estava em causa, apargando-se em considerações acerca daquele conflito o que mostra que perceberam bem o que estava em causa, citando mesmo o TEDH em situações anteriores e paralelas.
O exórdio das páginas e páginas do acórdão que demorou horas e horas a escrever desagua nestas poucas frases essenciais que podiam resumir tudo o que os desembargadores pensavam sobre o assunto:
"Contrariamente ao ajuizado pelo tribunal a quo, pensamos que as notícias publicadas acerca das razões do arquivamento do processo-crime e sobre a extração de certidões para ulteriores averiguações cabiam na função informativa atribuída à imprensa e continham-se no âmbito da faculdade de emissão de opiniões que cabe aos jornalistas. Também o noticiado quanto a uma eventual reapreciação do arquivamento desse processo assentava em movimentações imputadas ao dirigente regional de um partido político, publicitadas pelo semanário Sol, não se vendo porque razão os RR. se haveriam de coibir de as comentar, mesmo de forma que desagradaria ao A., atendendo a que se tratava de matéria com interesse geral para os leitores madeirenses e que já fora alvo de amplo debate na opinião pública madeirense. Também a linguagem sarcástica usada, que foi alvo de crítica pelo tribunal a quo, não funda pretensão indemnizatória, pois enquadra-se no estilo satírico que carateriza o “Garajau”, cujo pendor contundente, mesmo acintoso e desagradável, era conhecido dos seus leitores e se integra numa tradição antiga, de que “As Farpas” de Eça de Queirós e Ramalho Ortigão constituem exemplo maior, e que é uma linha de formulação de crítica social que merece proteção no âmbito da liberdade de expressão, como já se pronunciou o TEDH, supra citado.
Restam, assim, as imputações de utilização de contabilidade paralela, para fuga ao Fisco, e de financiamento ilegal de um partido político."
Ora em função disto, pimba! Confirmaram a condenação mas reduziram a indemnização a metade do que a primeira instância tinha decidido e reduzindo o faraminoso pedido de 250 mil euros a uma parcela ínfima de 15 mil euros.
E foi por causa disso que os Réus ( ou seja o cronista do Público enquanto advogado) recorreram para o TEDH que passados sete anos lhes deu razão! Sete anos! E ainda falam do Madoff...
Poderia isto servir para "malhar" no poder judicial que temos? Claro que poderia, por diversas razões algumas já elencadas.
A primeira é que isto é uma vergonha para a Justiça portuguesa condenada já vezes sem conta por estes motivos.
A segunda é que as decisões dos tribunais ( e basta ler o acórdão da Relação, neste caso cível) são assim mesmo: exórdios que desaguam em pequenas decisões tomadas afoitamente, por vezes. Horas e horas a escrever o que outros disseram para dizerem "o que pensam"...
Quanto ao cronista é lamentável que tenhamos que pesquisar na Net para entender o que quis dizer no contexto em que o disse. Pelo menos que pusesse as datas!
Para ler o ponto de vista dos visados e ver as fotos das ilustres representantes do poder judicial é só espreitar aqui...
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