Durante os anos noventa o mercado dos discos comportou o vinil e o cd que aparecera e ameaçara tornar-se hegemónico, relegando o vinil para o rol das preciosidades históricas. Nem todos se deixaram enlevar pelo canto destas sereias digitais que convenceram mesmo um Frank Zappa da vantagem ilusória em regravar toda a obra no novo formato, ainda nos anos oitenta, passando a publicar em cd o que antes tinha sido lançado em vinil, nas etiquetas originais da Verve, Bizarre ou Discreet .
Tal como a de muitos outros artistas, as obras de Zappa tinham já aparecido em cd, no final da década anterior, numa boa parte na etiqueta Rykodisc, o que continuou nos anos noventa, mesmo após a morte do compositor. Tornou-se uma confusão a distinção entre as versões analógicas e digitais, como aqui se dá conta.
O cd tornou-se ubíquo e predominante. À medida que surgiam as reedições em cd dos velhos discos, em catadupa, muitos deles com acrescentos de temas inéditos e quase sempre com a indicação de melhorias sonoras derivadas do "digital remastered", muitos consumidores começaram a coleccionar os discos de novo, ouvindo em digital o que já conheciam do analógico lp e procurando o nirvana sonoro, agora em modo digital e prometido pelas aparelhagens sofisticadas das marcas conceituadas, como a Sony e a Philips originais e as marcas concorrentes, japonesas ou esotéricas.
O marketing dos discos, com apresentações sofisticadas em caixas com colecções discográficas de grupos famosos ou edições especiais de discos que tinham sido grandes sucessos no tempo do vinil, tornaram o cd o rei incontestado da música popular. E não só porque as reedições da música clássica e das gravações famosas de antanho, tornaram o cd ainda mais prático e fundamental para o conhecimento de tais obras, fossem óperas ou sinfonias dos músicos antigos ou dos maestros que as interpretaram.
O aparecimento de revistas dedicadas ao cd foi outro passo importante na divulgação, mais do que tinha sucedido antes com os lp´s em vinil.
Esta edição da CD Review de Janeiro de 1989 é o exemplo do que veio a seguir a esses anos: uma evolução da espécie!
Com os cd´s tornou-se mais fácil ouvir música, de todo o género e feitio e com a disponibilidade de quase todos os discos, em reedições de discografias completas, antigas e de todo o tempo. E tudo mais barato, ainda por cima.
Nesta altura, nos anos noventa houve muita gente que deixou de ouvir os lp´s ou se desfez das suas coleções, trocando-as pelos cd´s da moda.
Há especialistas que ainda apostam na qualidade técnica do cd para reproduzir sons e preferem tal media ao vinil, como José Victor Henriques, no seu HIFIClube, talvez o maior especialista nacional destes assuntos e que continua a jurar pela excelência do som digital, principalmente na versão em sacd, assegurando que nem gira-discos lp tem...
E também eu, no período funesto em que o cd reinou incontestavelmente über alles, me deixei levar- ó precipitação! ó ilusão fascinante de uma maravilha quimérica!- e deixei conquistar pela beleza discreta das caixinhas de discos plastificados e brilhantes que prometiam o som perfeito, para sempre!
As caixinhas, para além dos discos traziam belíssimos livretos ilustrados com fotos nunca vistas, nem sequer nas revistas da especialidade. Era tudo uma novidade nas coisas antigas. Começou com a caixinha dos The Byrds, um repositório de inéditos e gravações antigas que era uma preciosidade para quem não tinha ainda ouvido os originais.
Pouco tempo depois, em 1993, a empresa inventou outro processo de melhorar as reedições em cd: recobrir o plástico do disco com uma camada dourada em vez do alumínio corrente. E deu-lhe o nome de Ultradisc II, referido no seu catálogo desse ano, já com várias páginas e que vinha por vezes como encarte nas revistas da especialidade:
Em relação a estas tentações devo confessar o meu pecado: em várias ocasiões caí. Começou logo com o cd especial dos Pink Floyd, o tal Dark Side of the Moon, cuja promessa na contracapa era esta:
Depois recaí com os discos de Cat Stevens, os do início dos anos setenta, famosos na sua época e esquecidos tantos anos depois.
Os discos dos Steely Dan, apesar de já os ter em vinil, em reedições de segunda ordem espanhola, também fizeram parte desses pecados originais. Tal como os Queen, Moody Blues, Supertramp, Elton John, enfim até me envergonho de acreditar na qualidade superior desses discos banhados numa mistela dourada que afiançava aumento de qualidade em relação à banalidade do alumínio, só por isso.
Mais grave ainda: deixei-me convencer que a colecção de discos em cd de Frank Zappa, da Rykodisc era o supra-sumo da reprodução sonora da sua obra original. Estes aqui mostrados, em 1992. E comprei-os quase todos...para me desiludir anos depois, voltando ao velho e seguro vinil de antanho, da Verve, da Bizarre, da Discreet e da Barking Pumpkin. Esses é que sim, sei-o agora...
Numa coisa teve grande vantagem o aparecimento do cd: permitiu ouvir o que nunca ouvira antes, por terem desaparecido os discos de vinil originais e ainda não haver mercado de usados na internet, nos anos noventa.
Foi assim que pude ouvir muitos discos que até então só escutara no rádio ou ouvira de ler, nas revistas da especialidade.
As lojas foram aparecendo em centros comerciais, como no Centro Comercial Brasília, no Porto ou Carrefour de V.N.Gaia, logo no início dos anos noventa, com uma ampla oferta de cd´s de importação, mesmo americanos ( apareceram lá os cd´s com embalagem "longa" que era exclusiva das edições americanas) e autênticas novidades nas reedições de discos antigos.
Decade, de Neil Young, um disco de 1977 que em vinil era triplo e que só tinha visto em foto na Rock & Folk, a preto e branco, foi um dos que me encantaram ver pela primeira vez, porque era um disco mítico, para mim, na época. Tinha saído nos EUA,em 1988, na primeira reedição em cd, e era dos que se apresentavam em "long box" com dois cd´s que comprei nessa altura. Mais tarde arranjei o triplo lp, original depois de ter comprado uma reedição. Escusado será dizer que esta versão em vinil é superior na qualidade sonora ao cd mas quando comprei a "long box" julguei que era o supra-sumo.
Mais tarde o desenvolvimento tecnológico e até a excelência na reprodução sonora do novo media, porém, viria a ser questionada pontualmente por aqueles para quem o vinil continuava a ser o meio preferido de audição.
O aperfeiçoamento nas aparelhagens de reprodução e até mesmo o aparecimento de novos media, mais sofisticados que o cd mas funcionando na mesma base digital, como o dvd-audio e o sacd, surgidos no início dos anos 2000, ou mesmo o blu-ray pure audio, surgido uma década depois, não foi suficiente para convencer os aficionados do vinil que a era do mesmo tinha terminado, mesmo que o próprio cd tenha evoluído tecnologicamente para um aperfeiçoamento pontual, em edições especiais, geralmente japonesas e com acrónimos como SHM-cd, depois adaptado ao próprio sacd.
Não obstante, a oportunidade de reedições de certos discos em formatos digitais vem acompanhada de argumentos de venda por vezes imbatíveis, nas edições "remastered" por especialistas de tais técnicas que prometem som aperfeiçoado e modificado para "melhor", ou diferente na maioria dos casos e com apresentação do produto em caixinhas com artefactos ou junção de livretos com fotos ou temas inéditos e até concertos nunca vistos.
Raramente tais reedições cumprem tais promessas de som aperfeiçoado, de modo a fazer esquecer as gravações originais em vinil, mesmo nas reedições em sacd ou bluray.
A reedição há quase vinte anos de uma boa parte dos principais discos de Bob Dylan em versão sacd, compatível com a audição em cd, não fez esquecer as edições originais em vinil que se comparam muito bem com tais reedições aprimoradas na sonoridade digital.
A comparação do disco Harvest, de Neil Young, em versão DVD-Audio, publicada também há vinte anos, não afasta a qualidade intrínseca da versão em vinil original do LP Reprise MS 2032, com master da autoria de Lee Hulko na Sterling de 1972 e tal é aparente desde os primeiros compassos tocados a baixo e bateria, no tema Out on the weekend.
Por essas e outras, arrepiei caminho, felizmente e a tempo de repor a justiça sonora no seu devido lugar: no vinil, de época, de preferência original e quanto mais de origem melhor. E quanto mais dos primeiros a serem prensados ainda melhor.
A solução foi a de encontrar e recoleccionar o que faltava para ouvir em condições adequadas o que sempre gostei de ouvir, de há décadas a esta parte, em vinil. E foi fácil, porque há alguns anos, a ausência de entraves burocráticos e alfandegários dos países da produção original desses artefactos- Inglaterra e Estados Unidos- permitiu realizar tal sonho já satisfeito. Hoje seria mais difícil e certamente muitíssimo mais dispendioso.
Por uma razão prosaica: nos últimos anos apareceram muitas mais pessoas a pensar assim e os preços dos discos usados subiram em flecha, nalguns casos pontuais, de discos um pouco mais raros ou procurados.
Encontrar hoje em dia no mercado dos usados, na internet dos discogs ou ebay, o disco Dark Side of the Moon, dos Pink Floyd, publicado originalmente no Reino Unido, em 1973, pode valer centenas de euros ao interessado numa primeira edição em bom estado.
Por causa deste fenómeno, eventualmente, algumas editoras começaram a apostar nas reedições de luxo, em vinil, de discos antigos e famosos no seu tempo.
É neste contexto que apareceram de há uns anos a esta parte editoras apostadas em fazer reviver o vinil em todo o seu encanto analógico e com exclusão do digital, tido como espúrio e sem a magia do som original.
E foi por causa disso que neste Verão estourou um pequeno escândalo nos EUA por causa de uma destas editoras...aqui já mencionada: a Mobile Fidelity.
A história fica para a próxima.
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