A grande produção de discos de rock nos sessenta e setenta, por vezes aos milhões de exemplares, não obstou a que esgotassem edições atrás de edições de alguns dos mais significativos e populares, apesar de reedições regulares de alguns, em vinil.
Nos anos oitenta havia já falta de muitos discos editados nas décadas anteriores, alguns deles tidos como referência de qualidade da música popular.
Se as edições originais tinham esgotado e não havia mercado de usados como hoje existe, as reedições padeciam de um problema sério: a degradação de qualidade na prensagem tirada de matrizes refeitas tornava-se óbvia tal como a prensagem proveniente de países que não os de origem dos artefactos.
As prensagens de discos de vinil realizadas décadas depois do primeiro lançamento, mesmo a partir de cópias dos "masters" originais, bem como outros factores relacionados com a qualidade das cópias e a perícia de quem as produziu para relançamento dos discos, tornaram os primeiros discos originais uma referência para o futuro, estimulando um mercado de usados que se expandiu desde os anos dois mil até hoje, em plataformas digitais como o ebay e o Discogs. Nessas plataformas, quem bem entender pode colocar os seus exemplares à venda, referenciando-os às respectivas matrizes e datas de lançamento e suscitando desse modo um mercado que se equilibra através do jogo normal da oferta e da procura.
Foi assim que pude refazer ao longo dos últimos vinte anos uma discografia de todos os discos que me interessaram no passado e que não comprei na época em que saíram, nos anos sessenta e setenta, particularmente.
Ao mesmo tempo foram sendo reeditados discos, em formato digital cd ou sacd e blu ray, além dos mais hdcd ou Shm-cd, desde finais dos anos oitenta que supriram quase totalmente as necessidades de audição de tais obras esgotadas, algumas delas por nunca terem sido reeditadas. A facilidade de produção de tais suportes digitais tornaram-nos ubíquos e imprescindíveis nalguns casos de raridade dos discos em vinil.
Por outro lado, a tecnologia informática permitiu desde há alguns anos o acesso online e imediato a quase todas as obras musicais disponíveis, incluindo as mais obscuras, o que torna quase despicienda a existência de produção de cd´s, com resolução sonora por vezes inferior à transmitida via internet.
Neil Young foi pioneiro em tal fenómeno ao colocar a integralidade da sua produção musical disponível online, com resolução elevada e muito superior ao cd ( na maioria dos casos em formato PCM de 24 bits e 192 kHz).
No Youtube assiste-se actualmente a reproduções de discos de vinil, muitas vezes acompanhados por imagens ou mesmo concertos, gravados digitalmente em resolução mais elevada que o cd e com sonoridade semelhante ao som do vinil.
Não obstante, actualmente e de há uns anos a esta parte assiste-se a outro fenómeno relacionado e centrado em reedições dos discos originais, de vinil, com cuidado melhorado na apresentação e na própria prensagem dos exemplares, incluindo rematrizações ou mesmo remisturas da música contida nas fitas magnéticas originais.
É sobre estas reedições, boa parte delas com exigências audiófilas de substancial qualidade sonora e com aprimorada apresentação em embalagens cuidadas que as tornam ainda mais apetecíveis para quem mesmo já possuindo os originais gosta de ter algo novo, nem que seja a embalagem.
Não se poderá dizer que seja um negócio florescente como foi o dos discos nos anos setenta, com milhões de exemplares produzidos por exigências de consumo.
Um disco como Thriller de Michael Jackson, tido como o mais vendido da história da música popular e lançado há 40 anos atrás, teve cerca de 30 milhões de exemplares vendidos um ano depois do lançamento e actualmente contabilizado em cerca de 70 milhões de vendas.
Apesar das suas mais de 600 versões, foi recentemente reeditado pelas editoras que detêm os respetivos direitos e foi também alvo de reedição mais exótica e apelativa pela editora Mobile Fidelity, rematrizado e numa caixinha com edição limitada a 40 mil exemplares, o que é uma ninharia relativa aos milhões vendidos.
Fatalmente estas reedições suscitam comparações com as versões originais ou mesmo mais antigas um pouco, como reedições dos 25 anos e outras.
Sabendo que não são todas de qualidade idêntica e que tal varia em função do cuidado posto na produção dos novos exemplares, com a utilização das fitas originais e a reprodução de processos semelhantes aos originais, incluindo particular cuidado na rematrização ou remistura das músicas gravadas originalmente, a recensão crítica de tais reedições suscita comentários e apreciações de especialistas e amadores da música gravada em vinil.
Mesmo a quem não adquira tais reedições e possa comparar com outras mais antigas, com a internet e o youtube torna-se possível, instantaneamente, comparar as diversas versões e tirar conclusões, potencialmente objectivas acerca da qualidade de tais reedições.
Algumas reedições, particularmente as de anos mais recentes, tem-se revelado um sucesso inequívoco para quem ouve e pode comparar as variadas versões, incluindo as originais.
Um dos grupos mais emblemáticos de sempre da música rock- os Beatles- foram alvo de reedições constantes das suas obras, um pouco mais de uma dúzia, no total e alvo também das experiências tecnológicas que foram surgindo ao longo dos anos, particularmente quando surgiu o cd e posteriormente com a reedição, em 2014, de toda a obra gravada em mono, rematrizada do mesmo modo e em condições técnicas muito aperfeiçoadas relativamente a reedições anteriores.
Sendo quase consensual entender que as versões originais dos seus discos são as que soam melhor, particularmente as produzidas no país de origem, durante os anos sessenta e já em 1970, ao longo das décadas foram reeditados em vários formatos, incluindo o cd, logo no final dos anos oitenta. O reclame publicitário então feito era o de se tratar do nec plus ultra na reprodução sonora de tais discos, o que se revelou ser falso porque o som do vinil revela-se superior, numa diferença audível.
Em Junho de 1983 a revista americana Record anunciava as reedições a cargo da Mobile Fidelity, particularmente os Beatles com utilização exclusiva das fitas analógicas originais, para reprodução das 192 canções do grupo.
Terá sido esta a primeira vez que foi publicitada uma reedição completa da obra de um grupo, com uso de processos tradicionais, eventualmente analógicos, uma vez que o sistema de gravação e reprodução digital em 1983 estava no seu começo.
Porém, já existiam meios de gravação digital (
Sony PCM F1 digital recorder) e por isso as
especulações acerca da origem da gravação original continuaram ao longo dos anos.
Não obstante, tal reedição e algumas
posteriores não são consideradas obra-prima e foi mesmo
questionada a autenticidade da gravação integral a partir directamente das fitas originais, como o anúncio pressupõe.
Tal discussão acerca das reedições de discos em vinil voltou a assumir particular relevância com a intervenção da mesma editora- Mobile Fidelity- em meados de 2022, por causa precisamente da reedição do disco Thriller de Michael Jackson.
Foi um escândalo maior quando se descobriu que afinal a empresa utilizava desde praticamente 2011 um passo digital na conversão da fita analógica original para o "master" lacado que serve para prensar posteriormente o vinil através do processo analógico tradicional de criação de "mothers" e "fathers".
Tal passo digital, uma gravação da fita analógica em dsd, com resolução 256 compromete a afirmação de que o procedimento de reedição é totalmente analógico, como era o caso dos anúncios da empresa.
A história toda
está aqui e revela o embuste que durou muitos anos.
No negócio e produção industrial de discos de vinil existem hoje várias empresas, americanas, inglesas e alemãs, além de outras, como a Gz na Chéquia.
Não obstante, o máximo que uma reedição de um disco de vinil pode aspirar é a de ultrapassar em qualidade a versão original, alterando alguns parâmetros na prensagem do "master" original, por vezes com décadas em cima e usura natural do material de suporte, a fita magnética.
No início tudo reside no modo de produção da sonoridade do disco e no nome do produtor da mistura original.
Nos anos 50 o emblema mais notório foi do da Sun Records, de Sam Philips, no rock n roll. Como mostra a revista Hi-Fi News de Fevereiro de 2018:
Curiosamente não são as reedições de discos desta época que são alvo da procura de consumidores ou até editores. Por outro lado, originais como o single
Blue Suede Shoes, de Carl Perkins são
postos à venda por tuta e meia.
Mesmo o emblemático
disco de Elvis Presley, saído originalmente em 1956, não atinge preços muito elevados e não me recordo de nenhuma reedição com característica audiófila do mesmo. O disco dos Clash, de 1979 e que lhe copiou a capa
atinge preços quase semelhantes...
Nos anos sessenta os produtores podem sintetizar-se em dois nomes. Ambos produziram discos dos Beatles, com resultados diversos:
Nos anos setenta foram muitos os nomes com importância na produção do som dos discos originais.
Escolho dois. Um que representa o som que me agrada no country rock e outro que representa a inovação que aprecio num disco dos Queen ou dos Cars. O som típico dos setenta pode muito bem ser este produzido por Bill Szymcsyk ou por Roy Thomas Baker. Um som destinado aos rádios em FM.
Nos anos oitenta e seguintes há uma verdadeira revolução sonora e que pode muito bem ser simbolizada por este produtor que criou a sonoridade dos ABC ou do disco dos Yes de 1983, léguas afastado do que era nos anos setenta...
Algures em meados dos oitenta surgiu outra coisa que representou claramente um propósito declarado: a destruição da sonoridade tal como até aí surgia nos discos. Foi o hip-hop, a colagem em modo de música, a aproveitamento sonoro de experiências anteriores para as destruir. Música, isto? Talvez para quem goste, não para mim.
Assim, as reedições mais significativas dos últimos anos foram surgindo com discos dos anos setenta. Aproveitando as efemérides das datas redondas dos 30, 40 ou 50 anos foram sendo reeditados em formato mais ou menos audiófilo, com particular cuidado alguns discos que merecem destaque.
O primeiro que me chamou a atenção foi o disco
Blonde on Blonde, de Bob Dylan, reeditado pela Mobile Fidelity em 2013 e que acabou por ser referenciado como um dos que sofreu o corte digital do dsd na sua versão mais sintética, tal como se
refere aqui:
1/2" / 30 IPS analog remix master to DSD 64 to analog console to lathe.Mesmo antes de saber o truque da reedição apresentada como analógica "mastered from the original master tapes", sempre gostei mais do disco ao lado, o original em mono, prensagem americana inicial. de 1966. Mais bruto e mais directo. Não será por a outra versão ter o passo digital ou ser em estéreo, mas sim porque soa melhor, mais genuíno e até com algum ruído que o outro não tem. Até a capa desse original é mais perfeita...
Outro disco reeditado, já no ano passado mas com referência a 2018 altura em que foi remisturado a partir da versão original de 1977 e usando tecnologia digital, é este, dos Pink Floyd, Animals.
O som do original nunca me pareceu mal gravado mas a nova versão é mais aprimorada e permite ouvir os instrumentos e vozes de modo mais aperfeiçoado e mais claro. Em caso de escolha hesitaria por causa do valor simbólico do original, mas reconheço a melhoria técnica introduzida na reedição.
A
produção original foi do grupo e a reedição foi já da responsabilidade de James Guthrie.
Todos do ano ano passado, comemorando cinquentenários, são estes:
O dos Jethro Tull, Thick as a brick, edição original de 1972 é um disco também reeditado com recurso a tecnologia digital, "cut" por Steven Wilson a partir de "masters" em ficheiros digitais a 96kHz.
O som? Uma agradável surpresa, mas tal como o dos Pink Floyd passava bem com o original, aqui na imagem à esquerda, com o papel mais tostado pelo tempo.
Depois, um dos melhores discos de 1972, Harvest de Neil Young. O disco foi agora reeditado, no final do ano 2022 e uma das versões vem numa caixa com a reedição do album em vinil e mais outro lp com um concerto em 1971 e ainda um single e dvd´s do concerto e sobre a feitura do disco que aliás justifica a aquisição.
Quanto ao som, não há dúvida para mim: o original, ms 2032, da Reprise em prensagem Sterling americana, é o melhor de todos e de sempre. Basta ouvir os primeiros compassos e o som do baixo e da bateria para a conclusão se tornar evidente.
Finalmente, a surpresa do ano:
O primeiro disco do grupo Steely Dan, Can´t buy a Thrill, lançado em 1972 e reeditado pela Analogue Productions não merece contestação porque esta reedição é efectivamente superior ao original, com rótulo preto da ABC Records, mas com uma nuance: desde que ouvido com o volume um pouco mais puxado que o original. Decibel por decibel a comparação não faz justiça à nova versão, mas desde que subido um pouco mais no botão de volume, a reedição em vinil a 45 rpm revela-se mais agradável ao ouvido, inequivocamente.
No carro, a sonoridade comparada é também melhor na nova reedição e que ao contrário das realizadas pela Mobile Fidelity respeitam todos os parâmetros analógicos.
A caixa era escusada mas enfim, o preço pode justificar o exagero...
Se as novas reedições da discografia do grupo forem de igual quilate, temos ouro a brilhar. E os Steely Dan sempre foram um dos grupos que prefiro ouvir. No caso são já dezenas as vezes que voltei a ouvir este disco. E não cansam...
A
produção sonora original ficou a dever-se a Gary Katz e mais alguns engenheiros, como Doug Sax. A reedição teve as mãos de Bernie Grundman que fez um excelente trabalho a melhorar o que parecia perfeito.
A propósito deste assunto da sonoridade dos discos e da sua evolução ao longo das décadas, desde os anos cinquenta, talvez valha a pena citar um entendido na matéria, chamado Bob Dylan que dizia assim em 2006, citado num livro de Greg Milner ( The story of recorded music, de 2009):
Portanto, desde meados dos anos oitenta que Dylan não ouvia um disco gravado em condições. E explica porquê.
Talvez seja essa a razão porque abandonei o interesse na música popular produzida desde essa altura. E nem o cd aparecido também nessa época me devolveu o interesse em retomar o gosto que a música dos sessenta e setenta me proporciona.
Aliás todas estas reedições "audiófilas" se referem a tal passado...
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