A defesa de Carlos Cruz pondera avançar com uma queixa contra a demora de cinco anos do julgamento do processo Casa Pia. Ontem, em mais uma das sessões no Campus de Justiça, em Lisboa, o advogado Ricardo Sá Fernandes manifestou-se contra mais um pedido de alterações dos factos pedidos pela acusação e aceites pelo colectivo de juízes. A juíza Ana Peres comunicou mais quatro alterações ao despacho de pronúncia.
O professor Boaventura do Observatório permanente destes fenómenos da justiça, já tinha dito antes o óbvio:
"quando os arguidos são pessoas com bom poder económico, têm bons advogados e podem questionar a investigação, arrolar testemunhas, pedir pareceres e suscitar incidentes, muitas vezes como manobras dilatórias, porque por vezes a morosidade interessa às partes”.
Para confirmar o parecer do professor Boaventura, cujas recomendações para alterações "cirúrgicas" ao CPP, a apresentar até ao final do ano por uma comissão ad hoc, não contemplam quaisquer medidas que visem pôr cobro àquilo que o mesmo considera serem "manobras dilatórias", poderia perguntar-se assim à vol d´oiseau, o seguinte:
Quantas testemunhas arrolou o advogado Sá Fernandes na qualidade de causídico e em nome do seu cliente, no processo? Perto de cem. 83, segundo se disse na altura. Se cada testemunha demorar a ouvir cerca de meia hora, por cada interveniente ( e cada advogado tem o direito de a inquirir, além dos magistrados) , bastará fazer as contas para se perceber quanto tempo demora a ouvir cerca de cem pessoas nessas circunstâncias que se repetem depois em relação a todos os outros. E o número de testemunhas peritos e declarantes vários, segundo se indicou já, ultrapassa porventura o milhar. Algumas levaram bem mais de duas horas a ouvir...
Quantos requerimentos avulsos, recursos interpostos e expedientes afins que dilatam o curso normal de um julgamento, já fez o advogado nesse processo? Quanto tempo se gasta com esses requerimentos em que todos os intervenientes ( advogados e magistrados) se pronunciam na hora?
Qual foi a medida da contribuição de Sá Fernandes, para que o processo tenha já cerca de 60 mil folhas ( quem as vai ler, como, quando e com que tempo e disposição?) e centenas de gravações de audio-video ( quem as vai ver e ouvir com toda a atenção que merecem e com que tempo e disposição?)
Quem levantou já incidentes de suspensão que suspendem efectivamente os julgamentos e diligências e se opôs, na altura do inquérito à tomada de declarações aos ofendidos, para memória futura? Como o fizeram, na prática?
Os recursos interpostos são às centenas e versam as mais variadas questões que darão trabalho a muitos juizes e magistrados do mp, na Relação e Supremo, durante vários anos. Quem os vai apreciar com toda a atenção que merecem? Como irão fazê-lo e em que tempo?
O processo aproxima-se das 500 sessões, para se julgarem factos relativos a meia dúzia de arguidos e que nem são factos assim tão extensos e complexos que necessitem de anos para se exporem.
Durante os cinco anos que já dura, fizeram-se várias alterações ao processo penal. Nenhuma delas contemplou um simples aspecto que fosse no sentido de evitar que processos destes se repitam. E vão repetir, se por acaso for apanhado peixe graúdo na Face Oculta. Ricardo Sá Fernandes já é advogado de José Penedos.
Fatalmente, lá virão os requerimentos variados, os recursos sem fim e que atrasarão o processo de modo a que ao fim de alguns anos, advogados como Sá Fernandes ainda tenham o topete de fazer queixa da "morosidade da justiça"...
Finalmente, qual o sentido de uma queixa apresentada ao órgão de gestão dos juizes ( o CSM), contra o colectivo que como órgão de poder soberano não pode ser sindicado nesse poder, pelo órgão administrativo CSM?
O mal destas coisas é que o povo em geral não percebe o sistema e muito menos as nuances que o afectam e natrualmente atribuem a "crise da justiça" aos magistrados. Nunca às leis e menos ainda aos advogados que as sabem ler a preceito.
Se o povo percebesse, advogados como Sá Fernandes, pensariam duas vezes antes destas de se afoitarem nestes anúncios.