sábado, maio 03, 2014

A meia censura prévia que foi um dos pretextos do 25 de Abril de 1974

A propósito do filme O Couraçado de Potemkine, do russo Eisenstein, estreado no dia 2 de Maio de 1974 e alvo de censura do regime anterior, durante décadas, torna-se curioso notar que em 1971 uma revista de grande difusão, a Vida Mundial,  publicou um artigo extenso, quase um ensaio, sobre a obra cinematográfica daquele cineasta, a propósito da exibição comercial do seu último filme, Ivan o Terrível de 1945 e que não foi alvo de censura, por cá ( na pátria do cineasta, a segunda parte do filme foi julgada "anti-histórica" pelo Partido e por isso censurada).
 
  
O artigo da Vida Mundial ( de que se publica parte) torna-se tanto mais interessante quanto se nota a meia censura do regime. Por um lado, permite a publicação de 14 páginas sobre a obra do russo. Por outro, não se diz no artigo, claramente, que O Couraçado tinha sido proibido pela Censura, ficando pelas entrelinhas que  "a forma, aparentemente dispersa e fragmentada, de um tal trabalho, é explicada pelo nosso insuficiente conhecimento de Eisenstein e da sua obra (teórica e prática)" , com uma grafia itálica do adjectivo insuficiente quase explícita para quem soubesse ler.

Esta ambivalência do regime era estúpida, no meu entender,  porque não proibia toda e qualquer referência ao cineasta ou à sua obra, incluindo o Couraçado de Potemkine, cuja trama narrativa é explicada e comparada com Ivan o Terrível e por outro proibe a exibição pública do filme por motivos óbvios: é um panfleto comunista  e como tal, veto político. Mas, segundo consta, não o proibia de ser exibido publicamente em cinema ambulante, por exemplo.
Ainda por cima nota-se que os autores do artigo, Borges Palma e João Assis-Gomes, leram o que era importante na altura para se perceber a obra do cineasta, designadamente os  Cahiers du Cinema, bíblia dos nossos cineastas de então e viveiro de esquerdismo militante.
Por aqui se explica também por que razão a "intelligentsia" nacional, em 25 de Abril de 1974 estava perfeitamente politizada no esquerdismo e tomou logo parte do PREC.
Se o "povo" em geral tivesse a possibilidade de escolha e discussão destas matérias, com total liberdade de escolha das fontes, equacionando os problemas ideológicos do modo como por exemplo em França se fazia, com liberdade de expressão e publicação, talvez o esquerdismo em Portugal não tivesse atingido o ambiente de pandemia que existia em 25 de Abril de 1974 e o ambiente político fosse mais equilibrado, com uma discussão entendida e aceite sobre a natureza do comunismo e o socialismo marxista que o PS ainda exibia como matriz ( e abandonou logo a seguir...).
 Como tal não existiu, o fruto proibido tornou-se  fenómeno natural, o mais desejado por essa faixa de intelectuais dos jornais.
Assim, a esquerda e a sua vertente de doentes infantis do comunismo tomaram conta do espaço público e mediático e assistimos depois do 25 de Abril de 1974 à mais tremenda e eficaz  lavagem ao cérebreo colectivo que ainda perdura, o que não aconteceu noutros países da Europa.

O Exame Prévio, como censura, tornou em vítimas gente que não o era tanto assim, como o Francisquinho do Expresso que declarou há uns tempos que se não fosse o 25 de Abril o jornal tinha fechado, por causa dos cortes censórios. Declaração despudorada e infeliz, pois os tais "cortes" fatais que até estão publicitados em livro de José Pedro Castanheira ( "O que a censura cortou")  mostram que nada do que foi cortado era tão relevante que o devesse ter sido. E se tivesse sido publicado o jornal acabaria na mesma porque era simplesmente...mal feito.
Actualmente, continua na aurea mediocritas de sempre mas é a referência dos semanários, o que mostra bem a evolução intelectual de um povo que tem agora a "geração mais bem preparada de sempre" e que ao mesmo tempo lê jornais sem grande categoria intelectual, dirigidos, no caso,  por uma dupla cretinóide que se deixou enrolar por um artur baptista da silva e sobreviveu....

É este sem dúvida e a meu ver um dos maiores erros de Marcello Caetano que em 1973 nas conversas que manteve com António Alçada Baptista, em livro publicado pela Moraes ( Conversas com Marcello Caetano), dizia que patati, patata, a liberdade coisa e tal e até que " gostaria de viver numa sociedade livre onde o respeito pela pessoa e pela liberade dos outros fosse uma preocupação constante de cada cidadão e é isso, como governante, o que também desejaria", mas depois justifica o Exame Prévio: " Em teoria nada mais desejável do que pretender que a informação seja ´verdadeira e objectiva`. Mas o que é informação ´verdadeira e objectiva`? Os acontecimentos são muitos para o tamanho das páginas dos jornais e, consequentemente, terão que ser seleccionados conforme o que se considera mais importante".

Aqui fica a explicação do Exame Prévio que Marcello Caetano gostaria de ver abolido, mas em 1974, "ainda não"...
Essencialmente a razão radicava na guerra no Ultramar. Percebe-se que em tempo de guerra haja censura e todos os países a fazem. Recentemente fizeram-na os EUA e a própria Inglaterra, nos anos oitenta aquando da guerra das Malvinas, uma censura plena e em forma como aqui existia relativamente a esse ponto político.
O que não se percebe é que a pretexto desse motivo válido não pudesse ser exibido o tal Couraçado ou mostradas outras coisas menores, ou cortados textos anódinos, mesmo do Expresso, com medo do papão comunista que depois se serviu despudoradamente disso para gozar com o facto de "comerem criancinhas ao pequeno almoço", exagerando no sarcasmo para obter o efeito deletério desejado.
Esse erro, a meu ver, foi fatal ao regime e era desnecessário.


O que é que deu isto? Deu nisto...


20 comentários:

zazie disse...

É verdade.

E isso depois acentuou o esquerdismo que deixou de ser criticado por ter uma oposição com poder.

Eu também comprava todos os Cahiers du Cinema eheheh Foi mesmo a prenda que mderam por ter entrado para a faculdade.

Ia comprá-los à Barata, na Av. de Roma.

E é claro que esse esquerdismo mais erudito fazia-se acompanhar de aura estética. Se tudo isso fosse mais livre, a crítica também teria naturalmente aparecido.

Eu própria a fiz, quando muito mais tarde li os tais gurus da revolução em que assentavam as premissas.

josé disse...

Deixaram a crítica ao esquerdismo por conta dos pacóvios da Censura.

Lixaram-se.

zazie disse...

Eu penso que o Couraçado podia ser mostrado, tal como poderia ser mostrada a Leni Riefensthal.

A diferença é que o Eisenstein era um genial realizador e ela uma pesadona, por muita inovação técnica que tenha introduzido.

Mas nem é um filme militantemente popular. Duvido até que tivesse essa função na altura.

zazie disse...

Pode crer.

Isso e as universidades. Aquele medo, aquela mania do respeitinho e do não dizer nada porque sim. A falta de debate foi fatal.

A quantidade de idiotas que ainda hoje vivem de unicamente terem escrito ou dito o que era banal se não fosse proibido

zazie disse...

é por isso que ainda hoje me passo com quem defende a censura.

Isso e a tara das revoluções. Dos reviralhos, como "limpeza".

Essa gente não sabe do que fala e devia aprender com o exemplo que temos.

Floribundus disse...

além de não gostar de trabalhar e de fazer tudo no joelho
raros se esforçam por fazer mais bem feito

a generalidade dos habitantes do rectângulo caracteriza-se por
ignorância
estupidez
má fé

no início dos anos 40 cantavam na rádio
'mamã eu quero mamar'


zazie disse...

ahahaha

O acrescento está delicioso.

Anibal Duarte Corrécio disse...

«Assim, a esquerda e a sua vertente de doentes infantis do comunismo tomaram conta do espaço público e mediático e assistimos depois do 25 de Abril de 1974 à mais tremenda e eficaz lavagem ao cérebreo colectivo que ainda perdura, o que não aconteceu noutros países da Europa.»

Mais uma vez José, numa frase basilar.

Verdade igual a realidade.

Sem por,nem tirar.

Mais cedo ou mais tarde, este blogue há-de chegar a livro.

E a expectativa é que ainda vá mais longe.

Choldra lusitana disse...

Isto da censura tem muito que se lhe diga. Já aqui afirmei que vi a maioria dos filmes de Eisenstein no cine-clube da Beira,Moçambique e nos idos de 1973. E não venham dizer que Moçambique não era parte integrante de Portugal,conversa estafada e gasta. Havia muitas maneiras de contornar a censura "light" do regime. Mesmo revistas como o " Tempo e o Modo",fundada pelo Alçada Batista e o Benard da Costa ,conotada com os católicos progressistas,ou mesmo "A Seara Nova" acabaram tomadas pelos maoistas e trotskistas no final da década de 60 e continuaram a ser publicadas,mesmo com o lixo que nelas então se podia ler.
Com tanta censura propagandeada era de esperar que tantos textos excelentes tivessem visto a luz do dia após o 25. Foi o que se sabe: nulidades atrás de nulidades. Afinal tudo o que os protestantes censurados tinham na gaveta era uma mão cheia de nada.

Choldra lusitana disse...

Lembro-me de um autor muito em voga após o 25,o Bernardo Santareno,encenado por qualquer stalinavski indígena ,mesmo que não soubesse nada do ofício. Afinal era tudo anterior ao 25, o pós não vinha acrescentar nada à obra do autor. Fogo fátuo,como se esperava.

Choldra lusitana disse...

Como me lembro de ter lido num número especial ,aí pelo ano de 65,dedicado ao Jorge de Sena no "O Tempo e o Modo", o famoso poema "Em Creta com o Minotauro" e que acaba com a célebre palavra de Cambronne. Pois recitei-o numa aula de português do antigo 4 ano no liceu Salazar em Lourenço Marques. Foi uma risada geral,suponho que derivada mais do último verso do que do texto,incompreensível para adolescentes de 14 anos. Ou talvez não. A professora ,ao invés do que ora se diz,parabenizou-me e incentivou-me a continuar a ler autores como o Sena,que não era propriamente o Augusto Gil do regime.

Anibal Duarte Corrécio disse...

A "Seara Nova", "O Tempo e o Modo, "O Correio do Funchal", "O Jornal do Fundão"...

Se fassismo tivesse havido no "rectângulo" estas publicações nunca teriam visto a luz do dia ou, se por audácia tivessem,nunca saíriam do 1º número.


VAI DE EMBUTE foi a estratégia aplicada pelo PCP e os comunas maduros do MFA para 'armadilhar' o País para o resto da sua História e encalacrar governos futuros se o 25 de Novembro tivesse acontecido, conforme aconteceu.

Para varrer do mapa tudo o que tinha sido feito anteriormente e implantar no cérebro colectivo português a palavra mágica que resumiria tudo e que funcionasse como a etiqueta para o grande bode expiatório, o causador de todos os males.

Fassismo!

O PCP é a força mais retrógada que o País conheceu na sua História.

Só destruiu.

josé disse...

Os afonsos costas da democracia conseguiram o que o salafrário jacobino não alcançou: modificar a mentalidade geral do país.

Parece, no entanto que as coisas estão a mudar, lentamente.

Até o "inimputável simpatiquíssimo" disse no outro dia que precisávamos de um novo Salazar.

Tal e qual.

joserui disse...

José, esse fenómeno de "deixar" algo ao esquerdismo ainda hoje se manifesta… a direita é o que é… reduzida ao panfleto, folclore e tourada…
O BE por exemplo movimenta-se bem em certos meios, não por serem pessoas extraordinárias, mas porque o espaço está livre… os comunas fundaram a fraude os Verdes porque esse espaço existia (mais a conivência política e social)… a imprensa é toda deles, na cultura é de rigor ser de esquerda, etc. -- JRF

joserui disse...

Leni Riefensthal pesadona?… Estou tramado… Era excelente e trabalhou com mérito até ao fim da vida… não digo genial, mas pesadona não digo de certeza. -- JRF

zazie disse...

Mão pesada, pois. O mérito é uma coisa, a arte é outra.

Tudo aquilo é pleonástico, grandiloquente, patético.

Uma estopada. Não há comparação possível com o Eisenstein ou com outro genial, o Walter Ruttmann

zazie disse...

Isto só para falar dos experimentais ou vanguardistas, nos quais ela também se enquadra.

Saindo daí e ficando ainda nos alemães, bastava lembrar o Fritz Lang que nem aceitou o cargo que depois o Hitler deu a ela.

zazie disse...

Mas, dentro dos "totalistarismos", se quiser, ou na arte de propaganda, os melhores foram indiscutivelmente os russos.

Até o Enthusiasmm do Dziga Vertov, por muito cretina que seja a mensagem, é absolutamente delicioso.

Faz coreografia do operariado ehehehehe

Os chinocas bem tentaram mas fizeram pastiche.

Ela, tecnicamente foi excelente, mas depois exagerava tudo e misturava aquela música insuportável, para o caso de não se perceber que era clímax

ehehehehe

Floribundus disse...

no tempo da monarquia chamavam à AR o 'solar dos barrigas'

em breve será o 'dos barrigas de aluguer'

quando lhe chamarão
'solar das consciências de aluguer'

diverti-me no tempo do prec a emprestar um livro sobre o comunismo da editorial Aster
os calinos não perceberam a diferença de apreciação

áster são plantas de que se alimentam as borboletas mais bonitas

agora dirão
'não há censura' mas ela existe

a acção provoca sempre reacção

lusitânea disse...

A propaganda transformou os Portugueses em ovelhinhas mansinhas sempre a marchar para o matadouro
Os cientistas kulturais têm um método científico muito antifassista...que dá sempre para o prejuízo e para o socialismo internacionalista!Entregaram tudo o que tinha preto e não era nosso numa grande manobra à Lenine mas agora importam os ex-libertados às carradas a arranjaram Leis que os sentam na hora na mesa do orçamento.Tanta magnanimidade deu e vai dar o socialismo de miséria...do homem novo e mulato agora só cá dentro!

O Público activista e relapso