Parece ser um facto notório que a politização geral da população portuguesa em Abril de 1974 era relativamente baixa. Ou seja, logo após o golpe de 25 de Abril não havia informação suficiente sobre determinadas noções políticas, mormente sobre os partidos comunista e socialista.
A prova está na publicação, logo em Junho de 1974 de um livro que sintetizava em modo simples as noções dos "4 ismos", comunismo, fascismo, capitalismo e socialismo, a par de milhentas publicações sobre o comunismo esquerdista e os seus autores mais célebres. Tais livros de divulgação eram pura e simplesmente proibidos pela Censura e Exame Prévio e por isso saltaram para as "bancas" nos meses a seguir a 25 de Abril de 1974, como pãezinhos quentes a sair do forno das ideias feitas.
A politização iniciada com essa onda de publicações, quase todas de esquerda comunista conduziu eventualmente à formação de uma nova "moda" nas ideias da época e ajudou a consolidar a tendência para a institucionalização de uma esquerda cultural na sociedade portuguesa, particularmente nos media.
A ausência de liberdade de consulta de publicações do género, antes de 25 de Abril de 1974, ao contrário do que acontecia nos países da Europa, ajudou à formação e desinformação acelerada que se verificou.
Ao pesquisar notícias sobre alguns temas importantes dos acontecimentos que envolveram países comunistas na década de 50 e 60 do séc. XX, deparam-se pelo menos três ocasiões em que as notícias em Portugal deveriam acompanhar o que se passou noutros países europeus e nos EUA.
A primeira ocorreu em finais de 1956, com a invasão da Hungria pela URSS. O facto constituiu escândalo mundial e foi noticiado em Portugal, embora de feição muito cuidadosa, como se depreende de uma notícia que apareceu então numa revista francesa ( à míngua de recortes de imprensa nacional da época...): em Fátima, 200.000 peregrinos rezaram pela Hungria...o que deixa a previsão de que o acontecimento foi amplamente divulgado e comentado. Como? Era isso que importava saber, mas não tenho fontes.
Ainda durante o ano de 1956 ocorreu outro facto de relevância magna na URSS: Krutchev denunciou em discurso "secreto", perante altos dignitários do Partido Comunista as malfeitorias de Estaline, particularmente um odiento culto de personalidade.
O assunto mereceu atenção destacada na imprensa internacional e os seus desenvolvimentos, com a chamada desestalinização do regime e o "degelo krutcheviano" deram ao seu autor a menção de "homem do ano" na revista americana Time, de Janeiro de 1958.
E por cá? Será que se discutiu o assunto como sucedeu nos demais países europeus, em que Estaline foi devidamente cilindrado pelo comunismo politicamente correcto?
À míngua de recortes e informação, fico a duvidar e se notícias houve, discussão aberta e pública não houve de certeza.
Em 1968, porém, sucedeu outro acontecimento de relevo: a invasão da Checoslováquia pelos tanques russos do Pacto de Varsóvia, ou seja pela URSS.
O facto foi amplamente divulgado na nossa imprensa, como mostram estas primeiras páginas do Diário de Lisboa, de 23 e 25 de Agosto de 1968, sacadas do sítio de uma Fundação paga por todos nós.
Contudo não me parece que tenha havido informação como esta, e com este tipo de títulos, veiculada pela revista italiana Panorama, em Agosto de 1968:
Portanto, houve informação, ao contrário do que suspeitava, ampla e sem reservas. O que faltou, porém, foram os comentários, as análises e a ponderação do que o então PCP clandestino tinha a dizer sobre o assunto. Sabemos agora: apoiou a invasão, em ambas as ocasiões, bem como se demarcou da desestalinização.
Isso foi debatido na sociedade portuguesa antes de 25 de Abril de 1974? Não foi. Nunca foi porque o PCP era partido inexistente no léxico político partidário que era possível publicar.
O PCP passou sempre à margem destas polémicas internacionais e com relevo para a História porque não foi visto nem achado nesses casos.
No entanto, os jornais noticiavam os assuntos. Até se noticiava que Sartre condenara a invasão.
Que conclusões se podem tirar destes factos? Uma delas é a de que a população portuguesa não estava suficientemente informada em Abril de 1974, sobre o que era verdadeiramente o PCP.
E outra: nos anos a seguir, tirando os intelectuais, certos intelectuais, continuou na mesma ou pior, uma vez que se omitiram informações e esclarecimentos, ao longo dos anos que poderiam ter desfeito o mito do comunismo português, de Cunhal e do PCP em particular.
É certo que houve discussão como o provam estes recortes de O Jornal de 2.12.1977 e.1978, mas o assunto ficou entre académicos e nunca passou para as primeiras páginas que espelhassem o esclarecimento cabal. Aliás, o culto de personalidade que a imprensa nacional, após o 25 de Abril dedicou a Álvaro Cunhal é prova disso mesmo.
O que se passou durante o ano de 1974, em que Soljenitsine foi figura mundial menos por cá, em Portugal, é revelador disso mesmo também.
37 comentários:
Toda a bibliografia comuna que emergiu a seguir a Abril,onde era impressa? Foi já impressa no pós-Abril, ou já tinha sido impressa pela novosti ou outra do género?
Acho que foi impressa depois, com apoio da tal Novosti e outras.
O Avante era impresso desde os anos 30
E nos anos 70 todos os teóricos (e práticos ehehe) marxistas eram editados cá.
Tudo traduzido. Em editoras nacionais, como D. Quixote, Presença, Centelha e sei lá mais o quê.
Publicava-se tudo.
E, na volta, a caricatura é mesmo esta.
O marxismo leninismo-estalinismo-maoismo era todo publicado em português.
Lia quem queria porque também era de acesso fácil nas livrarias, mesmo quando depois os livros eram retirados.
Pelo menos a partir de 70 era assim. Montes de editoras a publicarem tudo o que era teórico revolucionário. Livros e textos.
Fora os jornais e as revistas.
Mas, oficialmente, tudo isto era proibido e não havia crítica nem debate por causa da farsa
eehehhehe
"não havia crítica nem debate por causa da farsa".
Pois começo a compreender que afinal a verdadeira censura era essa: a proibição de se falar publicamente no assunto, mesmo em modo escrito.
Tal e qual como na Igreja Católica em que os pecados são privados e não se devem discutir publicamente.
Exacto. É isso mesmo.
E isso criou aura.
O Diário de Lisboa noticiou e comentou a invasão da Hungria
http://casacomum.org/cc/visualizador?pasta=06527.065.15104#!2
Também já dei com vigílias em mais lados, sem ser em Fátima
no in´cio da década de 50 alguém fugiu na Fac Ciências em Coimbra e abandonou uns 20 exemplares do Avante
foi a única vez que li aquela TRAMPA
neste momento leio
'Memoirs of Nikita Khrushev
edited by Sergei Khrushev ,
vol I Commissar [1918-1945]
Brown University, Providence (2005)'
UMA DELÍCIA
José, veja o minuto 13.10
https://www.youtube.com/watch?v=tED3Y09BtnU
Já vi. Eleições com Salazar a votar, num filme feito pela Nato, em 1956.
Não há modo destes filmes passarem em qualquer programa de tv. Seria de tal modo incorrecto que quem o fizesse estava tramado, como disse o Dacosta.
Pois era.
":O)
Não tenho à mão o volumes das Conversas de Caetano com Alçada Baptista(Moraes)mas espero não as distorcer ao recordar a opinião de Marcello acerca da discussão pública do marxismo.Dizia ele que era assunto para especialistas,só.
Queira rectificar se for o caso.De resto concordo em absoluto com a sua opinião neste postal.
jose j.
Foi esse o erro de Marcello e de Salazar, noutro contexto: julgar que o assunto era coisa para entendidos e que não se justificava a divulgação popular do que interessava saber e que noutros países era divulgado.
Para o PCP foi sopa no mel...
José, o seu argumento é convincente. Porém, não esqueça que só se equacionaria a quem contasse com uma transição para a democracia parlamentar. Ou seja, só faria sentido permitir a livre divulgação e discussão dessas ideias partindo do princípio que elas seriam, a determinado ponto, livres de ser divulgadas e discutidas e sujeitas a votação.
Porque sejamos francos: ninguém perde nada se não souber o que é essa trampa.
Salazar não estava pelos ajustes de voltar ao parlamentarismo; aliás, isso seria a própria contradição de tudo quanto fez e para o qual trabalhou. Portanto não faria sentido governar como prelúdio ao regime que tinha acabado de ser derrotado. O comunismo era encarado como uma coisa passageira, uma grave ameaça à civilização decerto, mas que haveria de ser derrotada. Como de costume, não se enganava (geralmente falando; pois para mim não é claro se o comunismo foi derrotado ou simplesmente descartado; o que é certo é que passou).
Caetano não sei. Se realmente via como inevitável (viam-se muitas coisas como inevitáveis naquela altura, e quando assim é, é difícil evitá-las) o regresso ao parlamentarismo então, se calhar, devia ter pensado nisso.
Estive a pensar como é que tantas editoras pagavam a tradutores e arriscavam editar livros que daí a pouco eram proibidos e apreendidos.
Nunca me tinha lembrado destes detalhes.
E a explicação não é à major Alvega. Mas também já nem digo nada quanto a financiamentos.
É estranho. No caso do Tempo e o Modo tenho agora a certeza que o MRPP o sacou aos comunas para ficarem com o dinheiro da bolsa.
A Maria José Morgado é que poderia esclarecer, mas há muito nevoeiro que ainda perdura dessa época.
Concordo com o Muja.
Há coisas onde não pode existir meio-termo.
Na volta foi este meio termo que o tramou.
Os salazaristas não iam deixar e mesmo ele nem sei bem o que queria em relação ao Ultramar ou à dita democracia.
A coisa foi-se minando.
O que coloca outra questão- a que ponto estava mesmo mais minada a sociedade do que aquilo que parecia.
Lisboa, Porto e Coimbra- a nível estudantil estavam.
Os comunas que saem debaixo das pedras logo no dia a seguir, não sei.
Continuo sem perceber bem esse fenómeno.
Mas também não sei se seria coisa assim tão rara um comuna. O José tem mais uma imagem da "província" eehhehe
Aqui em Lisboa estas publicações proibidas mas editadas fizeram o seu efeito. Não no povão mas em quem depois mobiliza o povão com promessas e revanches.
Já pensei nisso.
Verdade que nunca tinha pensado nisto até àquela conversa com o Dragão.
Hoje tenho a certeza absoluta que sim.
Eles apanharam todas as bolsas e financiamentos dessa forma. e tudo em coisas que nem eram ilegais.
Era o tal truque dos grupelhos e seitas terem as extensões legais onde se divulgava e fazia tudo.
O resto era clandestino mas a clandestinidade também tinha de ser sustentada.
Estupidamente nunca pensei nisto e nunca perguntei de caras a quem sei que tem de saber.
Essas traduções e esses livros que aliás nunca vi antes de 25/4/74 destinavam-se a sectores "intelectuais" que eram tolerados porque se calhar o regime entendia que eram relativamente inócuos para fazer a Revolução, apesar das ARAS e LUARES.
Enganaram-se bem, no meu entender. O melhor teria sido abrir a discussão não só a esses intelectuais- que a faziam em grupo fechado- mas ao povo em geral e de modo mais inteligente.
Como em Itália se fazia.
Repare-se que os próprios militares se diziam ingénuos e nada politizados.
O Melo Antunes seria o único intelectual do grupo do MFA e lendo o que escreveu percebe-se que nem isso era. Era apenas um diletante curioso que não tirava ilações do que lia.
Assim, foram comidos com casca e tudo, pelo PCP e esquerdistas.
Logo, a apolitização militante dos militares teve um efeito devastador, como se percebe no período de 74 e 75.
Vasco Gonçalves passa do modelo de uma Itália para os do PCP num instantinho. Até o Costa Gomes, manhoso como poucos se alia a quem não devia se calhar por pensar que poderia dominar essa "corrente" ou "moda".
E depois há todos os outros que nada sabiam de política teórica e doutrinação ideológica e foram maria vai com as outras.
Otelo era um deles. Vasco Lourenço aprendeu os fundamentos na maçonaria e Vítor Alves na boquilha de fumador.
Tal como o dia 25/4/4 foi um espectáculo de borreganço geral, uma geraldina de levantamento de rancho, também o prec contou com estes pitorescos que só entre nós vicejam.
Se calhar é assim que devemos explicar a História e compreender os seus ventos que são as ideias de moda que se tornam profundas.
Em vez de conspiração temos a inspiração do acaso.
A intelectuais é como quem diz.
Eu fartei-me de ver e o meu irmão era um puto que nada tinha de intelectual e comprava isto tudo.
Bastou ter estudado no Colégio Moderno.
Influenciava muito mais do que se possa crer.
Porque depois tudo isto era acompanhado de uma estética cinematográfica e coisas no género.
E o facto de ser proibido faz com que nem seja desmontado e não existam críticas e até debates com base noutros teóricos que derrubassem isto tudo.
Eu lembro-me que antes do 25 de Abril não tive pachorra e apenas comecei a ler umas coisas do Engels e outras do Marx e do Feurbach e achei caca.
Mas depois do 25 de Abril li e deitei aquela treta toda abaixo em debates com antigos colegas.
Ninguém era capaz de nada. Nem de comentar, nem de contrapor nem de nada.
Os mais fanáticos cortaram relações comigo.
Foi um escândalo em minaitura. E até foi mais longe porque eu era miúda mas tinha o mesmo feitiozinho que tenho agora.
Toquei em profs e gente bem mais velha, que estavam enfiados em revistas e que vendiam aquela trampa toda como se fossem ceguinhos.
Quanto aos militares serem analfas, vai-me desculpar e espero que o Dragão não leia, mas essa é a natureza deles
":OP
A "inspiração do acaso"
AHAHAHAHAHAHAH
José
Tenho essa opinião há muito tempo,passou-me "pelo pêlo".
Outra coisa,pode fornecer-me o link para a outra "porta",a da Música?Há quanto tempo lá não vou.
Obrigado.
jose j.
Também eu lá não vou há meses...
lojadeesquina.blogspot.com
Muito obrigado.
jose j.
«Salazar não estava pelos ajustes de voltar ao parlamentarismo; aliás, isso seria a própria contradição de tudo quanto fez e para o qual trabalhou. Portanto não faria sentido governar como prelúdio ao regime que tinha acabado de ser derrotado. O comunismo era encarado como uma coisa passageira, uma grave ameaça à civilização decerto, mas que haveria de ser derrotada. Como de costume, não se enganava (geralmente falando; pois para mim não é claro se o comunismo foi derrotado ou simplesmente descartado; o que é certo é que passou). »
Penso que os partidos políticos e as ideologias irão morrer.
As sociedades começam a perceber a trampa que são as ideologias políticas nascidas no século XIX.
Não passam de constructos intelectuais desligados da realidade.
A verdade está na Tradição a acredito que para lá caminharemos.
As ideologias não morrem. Transformam-se; adaptam-se; fazem-se com tudo o que está à mão.
Até com religião, como acontece com o islamismo.
Ou com modas, como as fracturantes.
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