Um dos aspectos mais interessantes do livro de U.Eco O Nome da Rosa é a dissertação, ao longo da narrativa, sobre o papel das seitas religiosas heréticas aparecidas em Itália e no Sul da França do século XIV. Uma delas, a dos dolcinitas, suscita mesmo uma conversa entre protagonistas da história contada no livro.
Os dolcinitas heréticos rebelavam-se contra o poder do Papa em nome da pureza religiosa e por isso foram perseguidos e aniquilados pela mesma Igreja de Roma, numa Inquisição impiedosa, em função de crimes cometidos em nome dessa mesma pureza religiosa.
Em Portugal a seita comunista participa de uma nova religião que combate uma mais antiga, tendo como Livro os escritos marxistas. Esta seita fundada há pouco mais de cem anos divide o mundo em classes e afirma-se defensora da classe dos oprimidos, alvo permanente da exploração pela dos possidentes.
Em Portugal tal seita configura fundamentalmente um Partido que tem os seus sumos-sacerdotes e devotos fiéis que comungam assiduamente no graal da crença utópica da sociedade sem classes que há-de um dia governar o mundo.
Em nome desse ideal fantástico cometeram as maiores barbaridades à Humanidade nestes últimos cem anos, semelhantes à que outros perpetraram em nome de princípios ideológicos igualmente totalitários que que defendiam igualmente uma socialização dos bens a que acrescentaram a liquidação de algumas raças perdidas para tal desiderato.
Há cerca de 25 anos a evidência dos erros e crimes daquela seita comunista tornou-se lugar-comum na Europa e no mundo em geral, menos em Portugal.
O fenómeno não tem suscitado reparos de maior da intelectualidade vigente e suspeito que a última razão dessa condescendência reside na circunstância de a mesma ter sido parte integrante da seita numa época de crenças fervorosas nesse graal. Os que sobraram adaptaram-se e suavizaram o discurso em ao mesmo tempo abandonarem os ideais.
Por isso mesmo poderemos ainda hoje ler nos jornais relatos e depoimentos desses sumo-sacerdotes de uma ideologia morta mas ainda nefasta que permanece conservada no formol de publicações e discursos de panfleto para a liturgia do culto.
Ontem o jornal i publicou duas páginas de uma efeméride que juntou membros proeminentes da seita. "Alguns deles colaboram com o jornal desde 74". Nem admira porque o discurso não mudou uma vírgula, em quarenta anos de mudanças no mundo.
Segundo se anuncia a efeméride da catástrofe de Chernobyl, ocorrida em 26 de Abril de 1986 foi agora lembrada em livro por uma das então residentes na Ucrânia, a jornalista Svetlana Alexievitch que já publicou recentemente "O Fim do Homem soviético" e até ganhou o Nobel.
O PCP de então, acerca da catástrofe, terá alinhado imediata e patrioticamente pelo discurso oficial de Moscovo:
Nessa altura, estudavam na Ucrânia e Bielorrússia algumas dezenas de estudantes portugueses. Tendo em conta a gravidade da situação, Aníbal Cavaco Silva, então primeiro-ministro, dispõe-se a apoiar a retirada dos estudantes e familiares da Ucrânia. O Partido Comunista Português enviou instruções internas para que os estudantes recusassem a proposta para não contribuir para a “campanha difamatória” contra a URSS.
O Avante de então deve ter contado a História...e alguns dos seus redactores são os mesmos de hoje.
O que se torna estranho é esta afeição a um símbolo de uma tragédia da Humanidade que foi o comunismo e a sua seita de hereges espalhados em partidos.
Esta condescendência permanente perante o Horror totalitário que não é concedida ao nazismo, regime que comunga do mesmíssimo pendor sanguinário.
Isto é que se torna estranho e permite que um pequeno estaline chamado Domingos Abrantes, arribado ao país nos primeiros dias após o 25 de Abril de 1974, depois de ter fugido à prisão por actividades subversivas e terroristas, tenha o desplante de dizer sem contraditório ou aviso a leitores incautos, alarvidades deste género:
Essencialmente o antifassismo era e ainda é, isto:
Esta foto da época mostra a chegada chegada ao país da brigada principal do "antifassismo" primitivo, ao
aeroporto da Portela, três dias depois de 25 de Abril de 1974. O
"antifassista" originário, de dentes ralos, aparece atrás do chefe e
acompanhado da mulher, vindo das trevas exteriores onde se acoitou para
fugir ao fassismo.
Agora insulta António Barreto, chamando-lhe
"abencerragem" com o maior desplante da desmemória de gulags, terror
estalinista, ditadura, totalitarismo, censura, polícia política e
perseguição às liberdades fundamentais que acolitou nos países de Leste e
acusou o fassismo de praticar de igual modo. O desplante, despudor e
obscenidade é de tal ordem que o pequeno estaline devia estar remetido a
um silêncio tão cavernoso como as ideias que professa. Mas não: há
sempre quem esteja pronto a dar-lhe altifalante e guarida mediática,
como se estes homenzinhos do terror tivessem alma a declarar.
Em 1976 a revista francesa L´Express publicou um artigo extenso com transcrição de passagens de um livro de Jean-François Revel acerca da ameaça totalitária comunista. E vendia 1 milhão de exemplares. Lembro-me de ver nos quiosques a revista e comprei este exemplar.
Por cá era impossível ler em qualquer jornal ou revista artigos como este, em 1976, no qual se denunciava a duplicidade da linguagem, o terror comunista, o estalinismo como prática corrente mesmo depois da morte de Estaline e da suposta "desestalinização" de Krutschev, o qual aliás, enviou tropas para os países satélites depois de denunciar o sistema estalinista.
O articulista cita Tolstoi no Guerra e Paz para elucidar que "com a aproximação do perigo há sempre duas vozes que falam com força igual na alma humana. Uma, muito razoavelmente, diz ao homem para olhar friamente a natureza do perigo e recensear os meios de defesa. Outra, ainda mais eloquente, sugere-lhe que é demasiado penoso e deprimente deixar-se obcecar com esse perigo e que o curso das coisas ultrapassa a vontade individual, havendo uma espécie de fatalidade no destino e que os meios de escapar não estão ao alcance da mão humana. Por isso é melhor viver a vida e deixar andar. "
Por cá, como se escreveu nenhum órgão de informação deu conta dos verdadeiros perigos do comunismo internacionalista do qual o PCP era um dos arautos mais proeminentes da causa.
No Expresso o melhor que se fazia, em Março de 1975 era dar voz resumida ao mesmo Revel que esteve por cá.
O jornal Tempo, um dos poucos que resistia ao PREC era assim tratado...em 1975:
E havia outro: a Rua, jornal pró-salazarista que não tinha medo de o ser.Obviamente era fassista. Em 17 de Setembro de 1976 O Jornal noticiava que a publicação tinha sido "processada por apologia do fascismo". Tal e qual...
Se isto não é elucidativo do tempo que passarmos e do que vivemos...porque nessa época não havia debates sobre o assunto. O mais longe que se ia era apenas na tímida abordagem da tendência eurocomunista, prontamente sacudida por aqueles sumo-sacerdotes, zeladores da ortodoxia da seita.
Eduardo Prado Coelho, em 28 de Abril de 1978 ainda falava em euro-comunismo...mas ninguém ouvia nada.
É tempo por isso de colocar aqueles Domingos Abrantes no sítio de onde nunca deveriam ter saído: do museu dos horrores do comunismo internacionalista. Denunciar os crimes contra a Humanidade e esfregar-lhes com os factos nas ventas.