António Barreto escreve hoje uma crónica no Diário de Notícias que poucos com o seu estatuto podem escrever. Aliás, nenhuns porque não se vê ninguém a escrever tal coisa.
Essencialmente diz que o PCP tem merecido a condescendência permanente e o "resgate moral e político" que lhe fazem sempre os seus adversários, a começar pelos socialistas. E não merecem porque se assemelham aos fascistas e nazis e "devem ser colocados no mesmo pé".
Ninguém se atreve a dizer isto em Portugal e suspeito que tal condescendência se estende àqueles que não aceitam a democracia como modo de regime e preferem o autoritarismo sob qualquer capa ideológica, de preferência reaccionária...
Torna-se suspeita a ausência de crítica e de oposição ao comunismo e ideologia marxista da parte daqueles que defendem um salazarismo serôdio, por exemplo. É outras das condescendências.
António Barreto tem uma legitimidade intelectual e moral notável para escrever isto que escreveu por duas razões: foi comunista e tornou-se anti-comunista muito cedo, antes de 25 de Abril de 1974, quando "abriu os olhos" em Genebra, para o que se passou na Checoslováquia de 1968, por exemplo. Teve acesso à informação que descrevia o comunismo como um autêntico atentado permanente à liberdade individual e se regia pelo totalitarismo mais atroz, com gulags, polícia política indescritível e de terror permanente e controlo total da vida dos cidadãos.
O PCP defendeu e continua a defender tudo isso, adaptando-se porém ao tempo que passa à medida que perde terreno e assim tacticamente tem sempre actuado. O PCP é uma Mentira permanente mas ninguém tem a coragem de o dizer com a autoridade de António Barreto.
A notoriedade de António Barreto como anti-comunista convicto tem uma história que merece ser contada porque imbrica no nosso principal problema político e ideológico: a preponderância da esquerda comunista na definição da linguagem política corrente.
Uma das bandeiras ideológicas mais profundas do PCP e da esquerda comunista em geral assenta na ideia de Reforma Agrária, essencialmente na colectivização da propriedade fundiária e na sua exploração pelo Estado que a reparte pelos intervenientes associados em cooperativas ou outros modos de exploração.
A colectivização da terra é uma das ideias essenciais do comunismo e por isso morreram milhões na antiga URSS de Estaline.
Em Portugal, em 1975 as nacionalizações orientadas pela Esquerda, com comunistas e socialistas a mandar também seguiram esse roteiro e no Alentejo foram expropriadas de facto inúmeras propriedades rurais pertencentes aos "agrários" que aí produziam o que de melhor tínhamos na agricultura extensiva: olival para azeite, sobreiro para a cortiça, pecuária, searas, etc etc.
Em 1975 foi um ar que lhes deu a esses terrenos dos "grandes agrários" que foram escorraçados, obrigados a abandonar o que lhes pertencia e as suas terras tomadas de assalto pelo "povo" em armas. Há um documentário alemão chamado Torre Bela que mostra isso tudo e um dos que podem falar de cátedra sobre o assunto é um tal Camilo Mortágua, pai das duas bloquistas engraçadinhas que andam por aí a dizer disparates e a contribuir para mais uma bancarrota em perspectiva.
Em 1975 o PCP embandeirava em arco com a Reforma Agrária que visava o que de facto já sucedia: expropriar as terras, roubá-las no fim de contas, para as entregar ao "povo" reunido em cooperativas mesmo que o povo não quisesse ( daí os milhões de mortos na URSS).
Em 19 de Dezembro de 1975 o PCP achava tal conquista irreversível...
Porém, cerca de dois anos depois frustrava-se a tal irreversibilidade pela mão de António Barreto, então no governo de um PS rendido à evidência do perigo comunista que pretendia assaltar o poder com as tácticas do costume.
A. Barreto assinou uma lei celerada para os comunistas porque pretendeu pôr ordem na Reforma Agrária selvagem que os comunistas defendiam. Era uma simples Lei de Bases da Reforma Agrária. Portanto, uma lei de enquadramento de uma Reforma Agrária. Nem sequer era uma lei de reversão da nacionalização...mas para os comunistas era um crime ideológico sem perdão.
António Barreto foi crucificado por isso com manifestações histéricas do comunismo de sempre e que este artigo de 29.7.1977 demonstra.
Porque é que isto acontecia e o PCP continuava a ter este tempo de antena mediático e na opinião pública?
Por diversos factores e um deles é esquecido, mas não devia ser: o PS nunca se desvinculou completamente do PCP , como o prova o recente acordo de governo. Em finais de 1977, ao mesmo tempo que António Barreto tentava disciplinar a selvajaria das ocupações dos latifúndios de onde foram escorraçados os proprietários ( o tal Mortágua sabe como foi...) o mesmíssimo PS e o PCP tentaram um acordo como o de agora. Frustrou-se, é certo, mas a ideia não era estapafúrdia e não lhes era hostil, como às vezes se pretende fazer crer quando se passa a ideia sobre Mário Soares "lutador pela liberdade". o certo é que este mesmo Mário Soares esteve quase a fazer um acordo com o PCP...como o demonstra este artigo de 17 de Fevereiro de 1978.
E porquê então esta condescendência que dura há mais de 40 anos? É um mistério mas há pistas para descobrir:
No mesmo O Jornal de 12.11.1976 dava-se destaque a um
congresso do PCP em que se colocava a essência da mistificação: o PCP
como um partido como os outros...
Era assim que se definiam os termos e a linguagem e a menção ao "enigma com 55 anos" um exercício de retórica para endeusar ainda mais o líder Cunhal que continuava a fascinar pelo seu apego arreigado ao totalitarismo comunista, nunca devidamente denunciado em Portugal nessa altura.
Em 18 de Março de 1977 este mesmo O Jornal que é representativo da corrente ideológica do "socialismo democrático", portanto próximo do PS, dava páginas de entrevista a Álvaro Cunhal em que ele definia os termos de linguagem sobre as definições políticas de direita e esquerda em Portugal. São as mesmas de hoje, são falsas, enganadoras e míticas mas permanecem porque dão muito jeito ao PCP e principalmente ao PS manter essa Mentira.
É por isso muito natural que em 12 de Maio de 1978 o mesmo O Jornal tivesse uma capa como esta, ilustrada por outro comunista ortodoxo, desenhador de génio, João Abel Manta. o "fascismo" estava bem definido e a ilustração vale mil palavras...
A ideia perdura até hoje perante a complacência da maioria na qual se inclui agora o próprio presidente da República eleito que contemporiza com estas enormidades porque carece de tal efeito.