Deixo aqui um problema elencado e que comentarei, se Deus quiser, daqui a uns dias quando sair a decisão da Relação...
Tudo começou numa sexta-feira numa sala de audiências de um tribunal penal de primeira instância. Um casal desavindo, já separado e com filhos, encontra-se em tribunal para julgamento do ex-marido, por violência doméstica exercida sobre a ex-mulher.
O caso é idêntico a tantos outros que pelo país fora são julgados e cujo crime até aqui há uns anos era entendido como menor e desvalorizado penalmente.
O crime de violência doméstica é seguramente um dos que mais trabalho dá aos magistrados do MºPº em Portugal, actualmente. Curiosamente, desde que se começou a dar importância maior aos casos, têm aumentado os crimes de homicídio entre cônjuges, mesmo separados e frequentemente seguidos de suicídio do autor.
O fenómeno merece estudo porque é complexo e pode ser como os fenómenos da economia: paradoxais. Por uma razão: tanto uns como outros lidam com a natureza humana e se há alguém que não a entende são os jacobinos das ideias importadas, como há um ror deles em Portugal, a legislar.
Assim o que parece protecção individual pode redundar em agressão garantida, contra a vontade de quem pretendeu o efeito contrário.
O caso só foi notícia porque se tratava de pessoas com destaque mediático. A mulher como apresentadora de televisão e o marido, antigo político de partido, com notoriedade assegurada nessas lides e eventualmente por causa de truculência já demonstrada noutras ocasiões. No meio, dois filhos pequenos que possivelmente não queriam ver os pais nestas andanças.
Portanto tudo começou com notícias que apareceram nos jornais dando conta da primeira sessão do julgamento. O Público não perdeu pitada logo que chegou aos ouvidos da redacção, pela voz de uma associação de...mulheres juristas (?!), presidida por uma desembargadora e que lavraram publicamente um protesto contra a juíza do caso concreto que teria um comportamento na sala de audiências pelas mesmas julgado inadmissível. Como tomaram conhecimento do assunto? Foram à sala de audiências? Tiveram acesso à gravação da sessão? Não esclareceram, mas teme-se o pior. Por outro lado, a dita associação nem foi questionada a propósito da interferência, na pendência de um julgamento, no próprio processo, com um sentido inequívoco de pressionar uma juiz de direito, titular do poder judicial naquele caso concreto, sobre o sentido da direcção da audiência, do que se pode esperar da mesma, etc etc.
A dita associação, de "mulheres juristas" ( parece que não há associações de homens juristas...) entendeu por bem, com a ratificação de uma presidente que é juiz de direito, interferir directamente no decurso de um julgamento penal questionando directamente a legitimidade da juiz titular do processo e do poder soberano inerente, em se dirigir à ofendida em determinados modos que a dita associação entende inadmissível. Ninguém questionou esta atitude da dita associação nem tão pouco a razão que a move ou sequer a razoabilidade das críticas. Antes aceitaram como boas as mesmas críticas e acrescentaram um ponto ao conto narrado. Um jornal até mencionou que a juiza em causa tinha simpatias pelos combatentes do regime nazi, porque expusera tal eventualidade nas "redes sociais".
Logo na Segunda-Feira, dia 16 de Fevereiro, o Público replicou a indignação, sob a forma de notícia, como é típico desse jornalismo de causas. A notícia é construída para dar a ideia de que a juiz não era boazinha da cabeça...e que estaria preparadinha para absolver o culpado já transitado em julgado, no decisão entendida daquelas figuras críticas.
O mesmíssimo Público que tantas provas tem dado desta isenção jornalística deu mais uma no dia 21 de Fevereiro sob a pluma capciosa de uma cronista de costumes. Lendo, parece bem. Mas não é porque a ideia-base continua lá: desautorizar o poder judicial do caso concreto. Entrar na discussão do assunto que se passou na audiência sem ter lá estado e copiando de outros sítios aquilo que porventura ocorreu, adoptando opiniões alheias de duvidosa objectividade. O jornalismo croniqueiro do costume.
Claro que perante este cenário que foi representado em todos os media, por essa altura, era inevitável que outro tipo de jornalismo interviesse.
Uns a favor de uma:
Outros de outro:
Porém, todos a questionar o modo como a juiza se dirigiu à ofendida, insinuando e afirmando abertamente suspeitas de parcialidade que originaram pedidos de recusa e por fim o pedido de escusa da própria juíza.
O que pode fazer um juiz num caso destes em que o assunto é tornado público e comentado pelos pares e por tutti quanti, geralmente em modo depreciativo e quando não aparece ninguém a defender o essencial que é a independência do poder judicial, notoriamente posta em causa? Pouco mais tem a fazer do que aquilo que a juiza fez: pedir a escusa de intervenção, dando a contra-gosto razão a quem a questionou do modo indicado e prestando-se a um protagonismo prejudicial.
Está apresentado o modo de tentar afastar um juiz que não pareça conveniente: provocá-lo com supostas indignações e descontextualizar afirmações colocando-as nos media com a expressão de indignação de idiotas úteis.
A revista Sábado da passada Quinta-Feira, 25 de Fevereiro, foi mais além e procurou fazer um retrato mais aprimorado da juiza, aumentando a carga de protagonismo desnecessário ao caso.
Comecei por escrever que comentaria daqui a uns dias, mas afinal já comentei. Não resisti...