A discussão acerca da "delação premiada" à moda do Brasil retomou fulgor nos últimos dias por causa da intervenção dos juízes nas conferências perto do casino do Estoril.
A utilidade da discussão é inquestionável e a oportunidade da mesma idem. Ontem, na Antena Um o moderador da Antena Aberta pegou no tema e ouviu algumas pessoas.
Logo no início, o advogado Germano Marques da Silva, penalista ligado ao PS ( autor de reformas penais em 1998 por conta do governo de Guterres) é contra a aprovação do instituto. Razões? Formais, substancialmente. Atenta contra princípios do processo penal esquecendo que um dos mais importantes é o da verdade material e o argumento básico que usa e que lhe incomoda a consciência jurídica é este: "pagar a alguém para denunciar um comparsa..."
Não é disso que se trata no caso da colaboração vantajosa em processo penal, mas Germano Marques da Silva sabe que nunca poderá apresentar a verdadeira razão da oposição: a defesa e o interesse particular, como advogado, em apoiar processualmente mafiosos da política caseira que se locupletam impunemente e durante anos com fatias grosas do erário público que escondem em offshores em nome de outrém. Sobre esse problema, o povo que se amanhe, com as crises económicas e a austeridade porque o processo penal é sagrado e não deve permitir que se facilite a descoberta desses criminosos que o advogado defende sempre.
Outros que se opôem vigorosamente ao instituto são os antifassistas de longa data. Na Antena Aberta foi ouvida uma tal Maria Rosário Gama e o deputado António Filipe. Coincidem num ponto: a inquisição e o fascismo serviam-se de delatores para punir culpados e inocentes e como se sabe os opositores a Salazar eram todos, mas mesmo todos inocentes o o fassismo é que era o ogre. O argumento é esse e nunca saem dali, desse beco.
Também foi ouvido um tal Pereira da Silva que foi, disse-o, coordenador do Sindicato do MºPº, portanto magistrado, nos idos de 1974 e que replicou o mantra do perigo da "bufaria que remete para os tempos da PIDE", pautando-se pelo mesmo nível de raciocínio daqueles dois antifassistas de antanho e que este presumivelmente acompanha com cartão ou simpatia política ou até partidária activa e de sempre. É preciso que se diga que o Sindicato do MºPº até há alguns anos foi sempre um albergue de comunistas encartados pelo Partido, sem qualquer vergonha ou pudor porque assim se afirmavam claramente. Salazaristas ou caetanistas é que nunca poderiam ter sido que isso era a pior referência possível. Agora, comunistas, tal como dizia o da Bimbo, "com muita honra". Nunca leram o livro negro do comunismo e se ouviram falar foi por acaso e logo desvalorizado como propaganda do fascismo esse ogre que se identificava com Salazar que os mandava para o Tarrafal que acabou nos anos cinquenta mas continua a existir na mente perturbada de muitos.
Ora o que este antigo coodenador do Sindicato do MºPº veio dizer ( agora advogado, em causas como a do violador de Telheiras e ainda amigo do antigo PGR Pinto Monteiro que também deve estar contra estas medidas que chateiam muito outros seus amigos como Proença de Carvalho) , para além desse atavismo, tem muito interesse: disse que actualmente a investigação criminal importante se socorre de escutas telefónicas e agora quer a delação premiada para complementar o método preferido pelas polícias e MºPº: sentados à secretária e sem mais. Está enganado quando generaliza, mas enfim, os anos pensam sempre e apesar de tudo fica o alerta que deve ser tomado em conta porque é muito interessante e verdadeiro em parte e a denúncia pública de que o paradigma da investigação criminal está alterado merece atenção e análise por quem souber ( muito poucos, mesmo muito poucos e não creio que os jornalistas estejam entre eles). Como única justificação para se opor à medida, para além do atavismo político de comunista ressabiado com o fassismo, apresenta um sofisma: seria um oportunismo perigosíssimo e gerador de falsas pistas de investigação. Pois...realmente, a Itália mafiosa foi assim. E os riscos das confissões dos arguidos, do depoimento de testemunhas, do reconhecimento presencial etc etc não gerarão iguais riscos? A investigação criminal nunca se fará sem riscos e por isso é que se torna necessário todos os cuidados. Mas deitar fora o menino com a água do banho, com justificações antifassistas é que me parece de pouco valor argumentativo.
De resto, este antecessor do actual presidente do Sindicato do MºPº critica este por admitir como boa a solução da "bufaria que remete para os tempos da PIDE". A. Ventinhas, também ouvido no programa, referiu mesmo o caso da Itália e do primeiro arrependido, Tommaso Buscetta que ajudou o juiz Falcone a identificar a origem e o berço da Mafia, colocando os nomes aos boys no que até então era um mito que alguns até diziam nem existir como realidade social estruturada. O que não me parece é que os comunistas italianos que aliás não alinhavam pela cartilha do PCP, a tal se tenham oposto como estes agora o fazem com os argumentos de há 50 anos, por causa da "bufaria".
O último comentador da Antena Aberta disse aliás o óbvio: "para grandes males, grandes remédios" e os males estão identificados e à vista: a sangria que a corrupção provoca a todo uma povo e Nação e cuja investigação se torna impossível sem recurso a meios que evitem a impotência prática de quem investiga por dever funcional e constitucional.
Os pruridos de alguns revelam afinal que têm gatos escondidos nos bestuntos, com grossos rabos de fora...
Sobre o nome a dar a esta rosa que alguns querem murchar fica o do título: colaboração vantajosa em processo penal.
Sobre a hipocrisia dos deputados do PS e do PCP, Eduardo Dâmaso, no Correio da Manhã de hoje: