domingo, fevereiro 17, 2019

A discussão ideológica interminável no L´Express de 1976

Durante o PREC de 1974-75 e até à Constituição ser aprovada com uma promessa de sermos um país a caminho do socialismo e da sociedade sem classes, explicitamente proclamado no texto fundamental, não tínhamos informação democrática, em Portugal.

Quase todos os jornais eram de esquerda.  Os jornais de direita, mesmo em publicação residual e sem grande tiragem, como O Diabo saído no início de 1976 ou A Rua, praticamente da mesma altura não acompanharam o fulgor do PREC até Novembro de 1975.

A informação em Portugal nesses dois anos foi totalmente dominada pela esquerda, uma boa parte comunista.

Para se saber o que se passava verdadeiramente em Portugal era necessário ler a informação estrangeira porque os jornais nacionais, mesmo os mais moderados como o Expresso não davam a perspectiva exacta dos acontecimentos.

Uma das fontes essenciais para esse conhecimento era a revista francesa L´Express que desde a primeira semana do 25 de Abril de 1974 acompanhou os acontecimentos que se desenrolavam perante todos, mas que eram apenas compreendidos por alguns.

Na semana de 6  de Maio de 1974, escassos dias depois do golpe em Portugal, a revista trazia estas quatro páginas plenas de lucidez e rapidez analítica.


Impressionante como prognosticaram o que viria a suceder dali a meses: a França de 1936 ( Front Populaire, com os comunistas e socialistas); Chile de Allende ( Pinochet) ou Perú dos capitães .
E um retrato do dia 25 de Abril 1974: mistura de Libertação de Paris com o Maio de 68.

Foi por isso que a revista, liberal, se tornou importante: nenhuma outra percebeu tão bem o que se passava em Portugal. A Le Nouvel Observateur, de Jean Daniel, socialista, era vesga, nesse aspecto. E por isso constituía a bíblia semanal de Mário Soares...




Em 12 de Janeiro de 1976 a revista publicou um número em que consagrava muitas páginas ao livro de um autor francês que sabia melhor o que se passava em termos de perspectiva global.

O livro chamava-se La Tentation Totalitaire e o autor era Jean-François Revel.

Vale a pena publicar as páginas todas que  a revista então publicou e por cá foram divulgadas mas não impediram o Parlamento português de aprovar uma Constituição com propósitos marxistas, até hoje.

A discussão ideológica de então não está assim tão ultrapassada, com o tempo.






O Expresso de 15 de Abril de 1976 deu relevo a este livro de Jean-François Revel. Hélas!, depois de terem sido encerrados os trabalhos na AR para aprovação do texto da Constituição: os seus deputados deram os trabalhos por concluídos em 2 de Abril de 1976, data da sua aprovação, tendo a Constituição entrado em vigor a 25 de Abril de 1976.




Imagem do caderno especial nos 15 anos do jornal, em 1988.

A leitura e reflexão sobre o livro não foi a tempo...mas os deputados do PSD que aprovaram o texto sabiam disto tudo. E nada fizeram.   Numa citação de um dos números que aí coloquei vem a seguinte frase atribuída a Antoine Loisel, jurisconsulto francês do séc. XVI: qui peut et n´empêche, pèche

Em Fevereiro de 1975, um ano antes,  o mesmo Jean-François Revel tinha já descoberto toda a tramóia que se preparava no PREC e sugeria uma medida urgente: a ajuda da Europa a Portugal. A capa e o artigo não escondiam nada do que se passava realmente em Portugal mas ninguém por cá o assumia claramente. Muito menos o Expresso...apesar de ser um dos poucos jornais que tentavam remar contra a maré comunista.  Mas nunca eram claros na denúncia e estava lá Marcelo Rebelo de Sousa. Era sempre uma coisa intelectualizada e cheia de notícias tácticas sobre o desenrolar da Revolução. Nunca era claro ou explícito. 

O L´Express, pelo contrário era claríssimo. Foi no número de 10 de Fevereiro de 1975 que trazia esta capa, com a referida citação de Loisel: 



E não se diga que um Mário Soares não ligava a isto. No livro Mário Soares- Democratização e Descolonização que integra várias entrevistas de Mário Soares nessa época, aparece uma ao mesmo L´Express, uma semana depois daquele artigo de J-FR.  e em resposta a este. 

É ler porque é esclarecedor da ambiguidade: 



Acima na entrevista refere-se que Mário Soares tinha dado uma outra entrevista em 1972 à mesma L´Express, no caso inserida numa série que me fazia comprar a revista de vez em quando, com entrevistas longas e intituladas L´Express va plus loin avec...que aliás foram reunidas em livro ainda nos anos setenta. Tive esse livro que me desapareceu entretanto, mas hei-de procurar um nos alfarrabistas.



A entrevista de 1972 foi publicada depois, em 1975 no 2º Volume dos Escritos do Exílio, de Mário Soares. 

É esta:









Por aqui se vê como Mário Soares, antes do 25 de Abril de 1974 estava completamente enfeudado ao marxismo: "eu sou contra o capitalismo. Penso que é necessário destruí-lo". Ipsis verbis. 

Foi essa uma das razões e motivos do PREC: o PCP tomou a dianteira porque era o produto genuíno, não a imitação foleira que Mário Soares queria fazer...

Sem comentários:

Megaprocessos...quem os quer?