Pedro Arroja está decepcionado com o Chega porque estava à espera de propostas que modificassem o actual sistema de justiça e este novo partido de uma direita portuguesa não anda nem desanda com tal coisa.
Que propostas eram essas? Estas, "todas elas estruturantes de um sistema de justiça democrático" e que visavam "a separação entre os poderes político e judicial":
Algumas das propostas são absolutamente contraditórias com o alegado propósito de estruturar o sistema na vertente da separação dos poderes político e judiciais e atentam contra a independência e imparcialidade que pretende assegurar.
Assim, como é que Pedro Arroja tem a pretensão de defender tal coisa com um sistema em que o Ministério Público fique dependente e sob a tutela do ministro da justiça? Como é que não entende que tal proposta retira ipso facto independência ao exercício das atribuições do Ministério Público, precisamente porque coloca tal entidade sob a tutela, ou seja sob o mando directo do Governo e portanto do poder executivo?
Mais: ao acabar com a figura do juiz de instrução e da fase de instrução, como é que isso contribui para tal desiderato se o Ministério Público ficar sozinho no exercício dos poderes relacionados com a ampla atribuição de poderes no âmbito dos direitos, liberdades e garantias? Como é que é capaz de designar um juiz de instrução como "figura inquisitorial" e deixar o poder de determinar uma prisão preventiva ou o de autorizar buscas domiciliárias ou as escutas e intromissão na vida privada dos cidadãos, na dependência exclusiva do Ministério Público, sem controlo externo de outra entidade?
A resposta a estas questões, para mim, é simples: Pedro Arroja não sabe do que fala e fala de cor por lhe parecer que é assim, por esta ou aquela razão. Pedro Arroja não tem formação de jurista, mas de economista e como acontece muitas vezes, estas pessoas tendem a simplificar ideias que não se compadecem com tais compressões de entendimento.
Para além disso, sendo defensável que o Ministério Público esteja na dependência do poder executivo, como acontece na maioria dos países europeus, a verdade é que existe precisamente nesses países a figura do juiz de instrução que é exactamente a entidade que sendo independente, investiga criminalmente e por isso autoriza e determina os actos que contendem com os dito direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
Admitindo que Pedro Arroja também admite esta figura do juiz como investigador, sem sujeição a outra entidade de poder político, como configuraria tal sistema, diferenciando-o do que existe entre nós?
Para responder a isso é preciso saber que modelos existem, na Europa e não só e adoptar um deles, puro ou misturado, supondo que vai funcionar melhor do que o que temos. Pedro Arroja sabe? Duvido. Estou certo apenas que sabe que não gosta do nosso juiz de instrução que lhe parece um "inquisidor", um acusador e portanto "não é juiz nenhum".
Que ideia terá Pedro Arroja do que é um juiz? A do antigamente, pela certa. O que era então um juiz antigamente? Era uma entidade independente, muito mais que agora, com um Conselho Superior que os respeitava e não o inverso, como agora sucede. Era um entidade que julgava em matéria criminal, os factos que lhe eram trazidos pelo Ministério Público, então dependente do poder político.
Se era dependente do poder político, nunca poderá dizer que "democraticamente" é preferível que assim continue a ser, para sustentar que assim é que haverá verdadeira separação de poderes...
Dito isto, julgo perceber qual é o problema de Pedro Arroja com o sistema de justiça que temos: considera que "a democracia é um regime de regras, cujo respeito, em última instância, é imposto pelos juízes".
Sendo assim, como é que se pode assegurar que os juízes não abusam de tal poder? Concedendo-lhes independência, pressuposto fundamental para a separação de poderes? Não me parece porque o mesmo responde: responsabilizando os juízes pelas "más decisões" que determina como sendo aquelas que "são revertidas pelos tribunais superiores" e responsabilizando os magistrados do MºPº quando acusam pessoas inocentes".
Não diz como se determina esta "inocência", se é pela decisão de absolvição de um juiz que aliás pode ser uma má decisão, se for revertida por um tribunal superior; ou se é pelo entendimento da opinião pública, pela voz populi que todos sabermos ser a vox dei, conceito e entidade em que Pedro Arroja não acredita, segundo suponho.
Assim, temos uma salgalhada de conceitos, contraditórios entre si e de ineficácia assegurada para o que pretende como objectivo último: a democracia! Diz ele...
Deste modo, bem andou André Ventura em não lhe dar importância alguma, porque de facto não tem. Ponta por onde se lhe pegue.
Já agora e sem pretensão, em Novembro de 2003 comecei a escrever neste blog com estas ideias, precisamente sobre o Ministério Público e também sobre a independência dos poderes e a igualdade dos cidadãos perante a lei...
Na altura escrevi isto sobre o modelo de MºPº que temos:
O MP em Portugal, hoje em dia, nada tem a ver com os juizes e é um órgão autónomo da administração da justiça. O MP português foi modelado segundo os princípios de direito internacional que estruturam a Declaração Universal dos Direitos do HomemAqui chegados, haverá que perguntar: deve manter-se a autonomia do MP?
Ou , pelo contrário, deverá ser essa entidade submetida ao poder executivo e aos entendimentos particulares ou programáticos do ministro da justiça de ocasião?
E se assim for, que justificação haverá para tal?! A maior democraticidade? A maior legitimação?
Por mim , inclino-me para razões mais prosaicas: as de evitar que os agentes políticos sejam investigados por uma entidade independente. É essa a suspeita e não me parece grande razão para festejo democrático.
Ficaremos melhor como democracia? Abafar escândalos ou conceder garantias administrativas como dantes acontecia, será uma atitude democrática?! Impedir investigação criminal a certas figuras, será razoável perante o povo eleitor?
É a estas perguntas que os defensores da perda de autonomia terão que dar resposta concreta, tendo em atenção a nossa história, costumes e tradição e não nos entreterem com discursos balofos e de engana-meninos, sobre a putativa democraticidade e europeismos.
Aqui, em Portugal, as mais graves suspeitas de corrupção política e penal, atingindo pessoas da alta esfera política geram uma onda de fumo político e mediático, com a intervenção imediata dos obreiros de serviço e apaniguados do dever de protecção do poder, aliados à desinformação e que desviam os eleitores do aspecto fundamental: os cidadãos da política mesmo os governantes, podem e devem ser investigados como os demais.
Ainda por cima, têm prerrogativas que deveriam pura e simplesmente ser abolidas e mesmo assim, gozam dessas imunidades práticas e das outras que os media lhes conferem como agora se prova pelos editoriais do Expresso e artigos cretinos que por aí abundam.
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