segunda-feira, março 20, 2023

Penitenciagite, Laborinho!

 Laborinho Lúcio fez parte da Comissão Independente que "investigou" os abusos sexuais contra menores, no seio da Igreja Católica, em Portugal, desde 1950 até aos dias de hoje. 

Anda desconsolado com a intervenção pública de uma certa Igreja que classifica como reaccionária, conservadora, por oposição à progressista do actual papa Francisco, um modelo de virtudes despertas. 

E no entanto a questão não é a de antagonismo entre uma Igreja que questiona os métodos da C.I. e de uma Igreja que assume acriticamente resultados, aceitando uma "abertura" para o "respeito pelas vítimas, de apoio ao seu sofrimento, da tal "tolerância zero". 

A confusão, o sofisma e o equívoco tornam-se evidentes porque não há qualquer antagonismo entre tais valores ou princípios, mas apenas o uso de um senso comum e jurídico que Laborinho deveria conhecer melhor que ninguém porque foi exactamente por isso que foi escolhido para fazer parte da Comissão. 

O que existe é o que deveria ter existido no seio da própria C.I. que se propôs investigar casos de abuso sexual, no seio das instituições Católicas, desde 1950, com todas as dificuldades inerentes e assentando quase exclusivamente  no depoimento ou testemunho de vítimas que se apresentassem como tal e dando-lhes o crédito respectivo, mesmo filtrado por critérios supostamente científicos, em "estudos conhecidos". 

Leia-se esta entrevista publicada no Diário de Notícias de hoje:




Quantos são os casos que foram enviados pela C.I. para o Ministério Público investigar? 25 e alguns com uma "linha de tempo superior ao da prescrição", ou seja, consabidamente insusceptíveis de investigação criminal.

25 casos, desde 1950! E até refere que são casos que podem dar em nada. 

Com base nestes factos Laborinho Lúcio entretém-se na entrevista com um motto: a Igreja tem o dever de indemnizar as vítimas porque comprovadamente há vítimas. Quantas, quando? Não sabe. Ninguém sabe mas a Igreja tem mesmo assim que indemnizar e pedir perdão, publicamente, numa pancarta na próxima reunião magna da JMJ! Fantástico. 

E ainda por causa de outra circunstância: a ocultação que Igreja terá praticado durante décadas e agora sujeita à desocultação. 

Pela mesmíssima ordem de razões e critérios, Laborinho deveria ser obrigado a indemnizar pelas omissões enquanto antigo ministro e director de escola de magistrados num tempo em que os crimes de abuso sexual de menores, como o mesmo reconhece, ainda eram entendidos como delitos "contra usos e costumes da vida em sociedade ou contra a honestidade". 

No tempo dos anos oitenta até ao tempo em que Laborinho deixou de ser ministro da Justiça eram conhecidos crimes desse teor praticados em instituições nem sequer religiosas, mas do género Casa Pia. Tais crimes eram denunciados frequentemente em publicações como a revista Infância e Juventude, muito lida e recomendada no CEJ desse tempo do Dr. Armando Leandro e outros Almiros Rodrigues. Todos sabiam o que se passava e todos estavam sintonizados com o espírito legalista do antigo código penal. Não havia ainda a  noção de crime contra  uma pessoa de menoridade, com o labéu que hoje tem e nem sequer se dava demasiada importância ao assunto. 
Assim, Laborinho Lúcio enquanto ministro poderia ter feito muito mais do que fez em prol de tais crianças que certamente foram abusadas em quantidade e qualidade muito superior ao que então presumivelmente acontecia nas instituições da Igreja, mormente na Casa Pia. O que fez? Nada.De especialmente relevante, entenda-se, para acabar com tais práticas e denunciar criminalmente as mesas, pois tal nunca aconteceu até aos anos 2000, com a eclosão do caso Casa Pia.  Ocultou? Objectivamente, sim., aplicando-lhe os mesmos critérios com que agora quer julgar a Igreja Católica.  

Pois é precisamente com base neste tipo de raciocínio que Laborinho vem agora lançar o anátema sobre a Igreja reaccionária esquecendo esse tempo e exigindo principalmente indemnizações, como se isso fosse remédio para alguma coisa substancial. 

Transformar a Igreja Católica em bode expiatório de tudo isto dá muito jeito, de facto. 

Vamos agora analisar determinadas afirmações de Laborinho, antigo procurador, juiz e director de escola de magistrados. 

A primeira centra-se num processo de intenções dirigido à hierarquia "reaccionária" entendida como maléfica e contrária aos ensinamentos longínquos do Papa Francisco que não conheceu certamente os métodos da C.I. e os resultados obtidos para se pronunciar sobre os mesmos. Ainda assim:




"É bem possível que apareçam provas", diz Laborinho sobre os 25 casos reportados que foram enviados ao MºPº.

Provas...que provas? Laborinho, como jurista sabe distinguir as provas processualmente válidas e destas nem vale a pena falar porque passam logo pelo crivo da presunção de inocência de qualquer imputado e a nalguns casos nem há imputados mas referências a determinados suspeitos e noutros nem sequer isso, porque estão mortos e enterrados há muitos anos. 

Provas, portanto, para Laborinho Lúcio, só podem ser umas: as declarações das vítimas que o mesmo esclarece depois assim:


Há os tais "estudos científicos" que dizem haver uma margem de segurança na "infalibilidade dos depoimentos. Tais estudos aproximam-se do que tecnicamente são as sondagens e as suas "margens de erro". 

Estamos conversados quanto a isto, juridicamente, mas para Laborinho isto é assunto resolvido e com base nisto e a assunção de que as vítimas falam verdade, sempre, já está: penitenciagite! 

É preciso dar particular relevância às declarações da vítima, sem dúvida. Mas é necessário ainda assim o contraditório, ouvir os suspeitos e permitir-lhes a respectiva defesa. E é assim nos tribunais. Não vale a pena citar uma parte e esquecer a outra...como Laborinho faz, inacreditavelmente. 

Ou isso não  conta para nada, tratando-se de casos sexuais envolvendo as instituições da Igreja? 

A propósito disto, no fim da entrevista Laborinho refere o que é preciso fazer:


Portanto, desde 1995, que os crimes sexuais passaram a ter outra natureza na dogmática jurídico-penal. Laborinho foi ministro da Justiça entre 1990 e 1995, portanto é responsável por tal mudança. Contudo é preciso perceber porque razão antes não era assim e portanto é necessário citar "estudos científicos", mormente sobre sociologia e antropologia, para se entender como é que a sociedade, desde 1950 até 1995 entendia os crimes sexuais, o papel dos padres, as instituições religiosas e principalmente a família!

É no seio da família que tais actos contra menores terão sido praticados, dizem-nos todos os estudos, científicos e empíricos. 

Então estará Laborinho preparado para uma investigação à sociedade em geral seguindo os mesmos métodos que seguiram na Comissão Independente? Com a audição de vítimas de abusos sexuais, enquanto crianças, desde 1950 até agora, nas instituições do Estado e não só? E na Família também, uma vez que a sociedade em geral está incluída neste âmbito e a Igreja não é mais que o conjunto de pessoas da sociedade que acreditam na Religião Católica?

Está ou não? E porquê? Obviamente que não está e as razões podem ser várias, mas o senso comum poderá ser uma delas. Porque é que não aplica o mesmo senso comum a estes casos da Igreja?!

Laborinho pode sempre aplicar este critério a si mesmo, enquanto representanto do Estado, em certas instituições, nesse tempo:


E com toda a lógica e coerência de jurista esquecido de princípios básicos e fundamentais, aplicar em seguida este:


Os abusos cometidos em instituições do Estado, durante os anos oitenta e noventa, tal como Laborinho refere estarão mais que provados! E aos milhares! 

Pois então...siga a sua lógica!

Penitenciagite, Laborinho!

Na Idade Média, logo no sec. XI, a Igreja Católica foi confrontada com um problema sério e muito grave numa altura em que não havia livros impressos como dali a quinhentos anos; nem havia meios de comunicação céleres como depois se inventaram. E a Igreja Católica tinha um poder espiritual e um poder temporal, sobre imperadores e reis que só desapareceu precisamente com aquela invenção de Gutenberg e com a Reforma de meados do milénio. 

Ainda assim, houve no seio da própria Igreja alguns clérigos e devotos que se dedicaram a inventar a sua própria forma de religião, depurando os ensinamentos bíblicos e do Evangelho, proclamados em sermões, formando seitas divergentes na doutrina e práticas da Igreja. 

Tais seitas foram prontamente perseguidas pelas instituições da Igreja, através de métodos que se assemelham aos mencionados: crédito total a quem denuncia e mais que isso, condenação sumária e por presunções a quem se aparentava como hereje. Fogueiras e autos da fé públicos foram-se tornando regra para amedrontar e castigar herejes e dissidentes. 

Tais procedimentos que duraram séculos, tornaram-se símbolos da intolerância, da insensatez e da ortodoxia instituída, de tal forma que há inúmeras obras que o atestam. 

Uma delas é um romance contemporâneo que tenta contar a história desse tempo conturbado para a Igreja Católica, sugerindo o terror da época em que os suspeitos de práticas herejes se comportavam como culpados só porque sim, temendo a tortura e preferindo a fogueira.

 A parábola pode muito bem ser esta, tal como sugerida na revista espanhola Arqueologia & Historia, de Janeiro deste ano:


Agora a explicação para o fenómeno vem naquela parte em que se menciona o que sucedeu na "França, Austrália, Estados-Unidos e Irlanda", como exemplo a seguir porque em Portugal temos sempre que seguir exemplos estrangeiros para nos legitimarmos numa autoridade sem discussões. 

As sociedades desses países são idênticas à nossa? O paralelo é plausível? 

Penitenciagite!


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