terça-feira, abril 25, 2023

O 25 de Abril dos simples

 No jornal Correio da Manhã de hoje há duas páginas sobre a efeméride do 25 de Abril de 1974. Assim:



O relato do jornalista João Vaz é pindérico, simplista e a única frase verdadeiramente significativa do que se passou na realidade que todo o país sentiu é a de que "o dia acabou com uma longa espera diante das televisões pela apresentação ao País da Junta de Salvação Nacional, presidida pelo general António de Spínola."  
Foi mesmo isso e lembro-me bem porque nessa altura havia o rádio, com várias emissoras, particularmente a Emissora Nacional muito calada e o Rádio Clube Português mais a Rádio Renascença, mais afoitos e que passavam comunicados repetidos do Movimento das Forças Armadas, com música de fundo, marcial e de marcha que nunca fora ouvida. Notícias, quase nada e por isso a espera foi longa. 

O relato do Público, outra vez uma crónica de galinha sem penas, assinada pela jornalista residente, ainda é mais confrangedor porque se centra em epifenómenos que se presume pretendem dar uma visão do tempo e do modo desses dias. 
O título é a meu ver totalmente imbecil. 




Para que o insulto não seja gratuito, vou tentar explicar porque é imbecil:

Portugal nesse tempo não era uma sociedade em que as pessoas apenas tinham os cafés para discutirem com amigos "conspirações suaves". Os cafés eram como sempre foram, para convívio entre as pessoas. Se alguns discutiam política ou a guerra no Ultramar é também preciso dizer que a esmagadora maioria das pessoas não estava contra o regime e nem sequer discutiam a guerra no Ultramar do modo como passou a ser discutida poucos dias depois de 25 de Abril de 1974 quando a Esquerda ficou com a rédea solta na comunicação social, onde aliás já se encontravam empregados. 
Por outro lado a Educação, em 1974, mesmo no ensino primário já há alguns anos que estava a léguas do tempo do Estado Novo dos anos 40. Quem escreve o contrário ou é burro ou adopta o estilo galinha sem penas. 
Também a educação das crianças, com castigos corporais habituais e julgados adequados não era uma particularidade nacional porque noutros países europeus ( França, por exemplo) era exactamente a mesma coisa, tal como os costumes "vitorianos" eram ainda usuais na democrática Grã-Bretanha que tinha ( e continua a ter) uma censura efectiva, nessa época tanto ou mais rigorosa que a portuguesa, quanto a tais costumes. 
O exemplo apontado de dois intelectuais de esquerda e contra o regime anterior, designadamente Maria Filomena Mónica e Vasco Pulido Valente, deveria servir como caveat necessário a ponderar outra ideia sobre a sociedade portuguesa da época. Porém, o relato de MFM no sentido de que nessa época ainda se sentia "apolítica" é revelador do estado de espírito da maioria esmagadora dos portugueses que se sentiam confortáveis com o regime e pouco ou nada constrangidos pela censura ou pela pide ou o diabo a sete que apareceu depois a cavalgar a democracia. 
Esta é a realidade sociológica que eu vivi e que me lembro e muito longe por isso dos relatos tipo galinha sem penas. 

Esta imagem de 1973 mostra como os portugueses em geral eram e são pusilânimes. É da revista Observador de 28.9.1973, de apoio a Marcello Caetano e na sequência dos acontecimentos em Londres por ocasião da visita do presidente do Conselho à Inglaterra. O que se passou em Londres foi protagonizado por um Mário Soares em oposição ao regime de então e objectivamente uma traição ao país que éramos e tínhamos. Daí a manifestação que foi genuína, a meu ver.
O "viver habitualmente" era isto:


O resto do artigo é o relato das banalidades do costume: o divórcio ainda não autorizado; os costumes de leitura popular ( só falta a menção ao folhetim Simplesmente Maria); a repressão dos homossexuais considerado como actividade criminosa, como se tal fosse coisa exclusiva nacional e na democrática Inglaterra, por exemplo não fosse muito pior e com consequências mais graves; a televisão em canal único e o rádio do "quando o telefone toca", como se não tivesse existido o Em Órbita ou o Página Um, etc. 
O relato é imbecil por isso mesmo. O Público, desconfio, está nas "últimas" e só sobrevive com oxigénio da SONAE, ironicamente uma empresa do capitalismo mais típico. 

Nessa noite de 25 de Abril de 1974, a principal novidade, para mim, foi a circunstância de ver os elementos da Junta de Salvação Nacional, numa imagem a preto e branco e uma mesa comprida, com aspecto improvisado e onde se sentavam vários indivíduos, desconhecidos, para mim, com excepção do general Spínola. 
A espera foi relativamente longa e muito aguardada, depois de se terem escutado durante todo o dia os comunicados do Movimento das Forças Armadas a apelar à calma e tranquilidade. 
 A comunicação inicial de Spínola era triunfante e animadora sobre novos tempos que viriam. Quase toda a gente aplaudiu, e lembro-me de ter ficado satisfeito com o que se passava e esperançoso também numa mudança que tardava, mas que se revelou equívoca e desastrosa para não dizer trágica, para os portugueses em geral; que não para os protagonistas do novo regime que aproveitaram até hoje oe benefícios e prebendas mais o estatuto que nunca teriam em caso contrário. Daí que vituperem quem lhes mostra o retrato sujo da podridão corrupta onde vegetam. Naturalmente defendem-se e protegem-se como podem, até um dia lhes suceder o que sucedeu ao regime anterior. 

A imagem era esta, tirada dos arquivos da RTP e o momento ficou registado para a posteridade.
Uma imagem à semelhança dos écrans das tv´s de então, ainda a preto e branco e de dimensões reduzidas. As figuras tinham aspecto vagamente patibular e não sorriam ou sequer se mostravam satisfeitas com o que se passava. Aprenderam depois, tais técnicas de comunicação.


No dia seguinte foi uma corrida aos jornais da manhã, embora com a frustração de ler algo que fatalmente já estava desactualizado e sem imagens reveladoras dos acontecimentos que se desenrolavam principalmente em Lisboa. 
O Jornal de Notícias, provavelmente o mais lido no Norte do país, nessa altura, mostrava em 26 de Abril de 1974 como tinha sido o dia anterior, ou seja a tarde, com a leitura da "edição especial" do jornal, à semelhança de outros que também publicaram tais edições especiais, prontamente vendidas nos pontos habituais. 


Só dois dias depois, em 27 de Abril a revista Século Ilustrado, em edição especial muito disputada nos quiosques, publicou a primeira imagem a cores do que era a Junta de Salvação Nacional, com foto tirada nos estúdios da RTP, mas de lado.


Tal edição tornou-se objecto de colecção e a imagem de capa é reveladora da ausência de bandeiras partidárias ou de movimentos políticos como vieram logo a aparecer dali a poucos dias:







As primeiras imagens sobre o dia 25 de Abril de 1974 e o seguinte são reveladoras de tal fenómeno. Em 11 de Maio a revista brasileira Cruzeiro mostrava esta imagem do dia 25 de Abril de 1974. Nem uma bandeira, para além de uma pancarta ou outra,  nem algo que evidenciasse já o aproveitamento político de forças organizadas. Apenas o povo; a multidão, melhor dizendo:





Em 18 de Maio a mesma revista publicava outras imagens que incluíam já outra semântica e outos significados:


Torna-se já muito visível a origem do mal que nos atingiu e figura a vermelho, com uma foice e um martelo...

A tragédia do 25 de Abril conta-se em duas penadas, sem galinhas de permeio. 
Tudo começou assim, com a  "liberdade" que permitiu o regresso dos dirigentes de partidos proibidos como o PCP que queria pura e simplesmente colocar Portugal na órbita política da União Soviética. 
Isto é tão evidente e factual que me espanta como não haja coragem política, ainda hoje em dia para denunciar tal coisa, com as consequências devidas, as de que o PCP não é e nunca foi um "partido patriótico", "democrático", como costuma proclamar e que a sua proibição antes de 25 de Abril de 1974 era plenamente justificada, seguindo a lógica actual de proibir partidos ostensivamente fascistas ou nazis, do que ninguém discorda ou contesta, mesmo vivendo em democracia, aliás numa contradição e numa ironia. 



Depois o equívoco de um PS ainda recém-constituído, dirigido por um opositor do regime, Mário Soares, republicano da maçonaria que só esteve preso porque foi um activista denunciador e eventualmente caluniador a propósito de um escândalo sexual ( ballets rose) que abalou o regime do Estado Novo de Salazar e que nem sequer comparação tem com o escândalo sexual que o partido do dito protagonizou ainda nos anos 2000 do século XX, com o caso Casa Pia. 
Mário Soares e o PS de então defendiam soluções políticas diversas do PCP porque entendiam a democracia como um regime pluralista, mas tinham em comum a política económica da qual aliás nasceu e prosperou até hoje a Constituição de 1976, com todas as consequências da destruição de um sistema económico coerente ( José Luís Sapateiro ao Semanário em 18.4.1984), trocado por uma colectivismo misto, gerido por incompetentes e corruptos, nomeados em grande parte pelo Partido Socialista. 
Tal entendimento foi o erro mais trágico que Portugal sofreu nestes últimos 49 anos e o PS verdadeiramente nunca abandonou tais concepções que colocam a Esquerda como quase hegemónica em Portugal que agora "vive habitualmente" com tais ideias erradas e trágicas, para o país.


 

A linguagem comum passou a ser esta, revolucionária e totalmente o oposto da que usava em 24 de Abril de 1974. Pegou de estaca, até hoje, por pusilanimidade de uma direita que nunca a denunciou devidamente e por outro lado teve e tem compagnons de route como o actual presidente da República, professor universitário e jornalista, aluno de Marcello Caetano, aliás padrinho de casamento dos pais daquele. Um "compõe". 


O resto é "história":














O "ataque aos milionários":




O resultado...foi o controlo pelo Estado de quase toda a economia, com uma bancarrota logo a seguir, em 1976 e outra menos de dez anos depois. Só abriram os olhos quando a CEE apareceu como bóia de salvação. O Partido Socialista foi o maior responsável por esta débâcle.


Todo este sistema esquerdista se desenvolveu e amalgamou nisto:







Em 1975 havia quem pusesse as barbas de molho mas acautelasse interesses. Se o regime virasse para o comunismo, este figurão faria parte do sistema, tal como agora faz. 


Continua a ser este o ponto onde nos encontramos, depois das experiências com o PS, o PSD e a Geringonça: essencialmente um sistema e um regime corrupto.

E a Direita o que fez durante este tempo? 
Vale a pena mostrar como se comportou no dia 25 de Abril de 1974, através do depoimento de um elemento importante da DGS e que foi publicado no Tal&Qual desta semana:



Em Maio de 1974 um partido que se intitulava da democracia cristã não queria nada com a direita, só com a esquerda...


A Direita que nunca esqueceu o que foi o Salazarismo desapareceu logo em 1981, mas na verdade nunca tinha aparecido realmente porque nunca teve qualquer força ou expressão eleitoral. O obituário é da autoria de Marcelo Rebelo de Sousa...


A posição política de direita nunca mais foi ocupada de modo coerente por qualquer partido porque a esquerda tornou-se hegemónica e avassaladora nos interesses de um país pobre e que se tornou ainda mais pobre, tendo divergido de outros países europeus e acaparando alguns privilegiados segundo as novas regras, estabelecidas por este parâmetro fundamental que dura  até hoje, mesmo com todas as revisões ulteriores:



Em 1979 este advogado e professor universitário tornou-se o símbolo de um país em que a esquerda manda em tudo e em todos. Poucos como ele fizeram fortuna no Portugal democrático, inicialmente, à sombra do Estado. No anterior regime este tipo de pessoa não teria qualquer hipótese de singrar desse modo.  


O ambiente que tal proporcionou foi este, desde os anos oitenta ( aqui em 1982):



Aliás quem definiu desde sempre os termos direita e esquerda foi este figurão, desde 1977 e ainda hoje é válida a distinção, falsa mas que serve sempre e épocas eleitorais:


Para se ter uma pequena noção da confusão que a esquerda comunista lançou no país, logo em 1974, com o objectivo de acantonar os "fassistas" basta ler este texto da Vida Mundial de Outubro de 1974 sobre uma suposta "intentona" da direita, conjugando um dos elementos da Junta de Salvação Nacional Galvão de Melo e um militar revolucionário de Abril, o então major Sanches Osório que chegou a dar voz no partido da Democracia Cristã e que aqui aparece como um simples fascista reaccionário, a prender. 


Compare-se com esta entrevista de hoje ao Observador, do mesmo major. O  que ele diz sobre a Revolução é lapidar: "perdemos tempo", com o 25 de Abril. Exactamente e por causa dos mesmos de sempre, na minha opinião a Esquerda triunfante e a Direita derrotada e que nunca mais se arrimou. 

Temos o que merecemos? Sim, em democracia é isso...

Sem comentários:

O Público activista e relapso