Na sequência do postal anterior e relacionado com a circunstância de o regime que vinha do Estado Novo, institucionalizado com a Constituição de 1933, se ter modificado ao longo das décadas, vale a pena ler o seguinte artigo de Francisco Lucas Pires, publicado na revista Observador de 7 de Maio de 1971, acerca da revisão constitucional que se iria operar nesse ano.
A noção é clara: a nova revisão constitucional pretendia cortar cerce uma das traves-mestras do regime do Estado Novo, a saber a noção de poder centralizado e personalizado, por contraposição à legalidade mais abstracta e determinante. Por outro lado, o corporativismo de Estado, tal como conhecido no Estado Novo, modificar-se-ia em prol de um outro conceito mais alargado de corporativismo de associação, ou seja Estado Social, no dizer de Lucas Pires.
É nesta base e só nessa que é necessário fazer e realçar a distinção entre as duas concepções e as modificações inerentes que a meu ver devem ser apontadas. Marcello Caetano não foi o mesmo que Salazar, nesse aspecto, porque os tempos, costumes e vida social eram outros.
A amálgama que agora se faz torna-se por isso deletéria e causadora de equívocos que não permitirão o conhecimento da realidade nacional à época e já nos anos setenta do século XX.
A realidade social então vigente pode ser apresentada com dois exemplos extraídos das páginas da mesma revista.
O primeiro em 16 de Abril de 1971 dizia respeito à assistência social, no caso as baixas médicas, num campo típico da social-democracia que Portugal estava a desenvolver desde os anos sessenta.
O problema exposto permanece aliás actual e ainda mais premente que nessa época em que se escrevia clara e abertamente, sem subterfúgios e censuras que agora existem para encobrir realidades sociais incómodas para a "democracia". É assim mesmo, sem tirar nem pôr:
Por outro lado naquele mesmo número de Maio de 1971 aparecia numa página a discussão acerca de um assunto que viria a ser tema importante meia dúzia de anos depois, o divórcio.
Era esta a realidade nacional tal como mostrada e havia outra forma de a analisar, como é o caso do livrinho já citado no postal anterior, da autoria de um colectivo de esquerdistas radicais que tomavam assento e pluma na revista Seara Nova, sujeita a censura mas com artigos como este, aliás publicados em 1975 no citado livrinho.
O livrinho tem artigos sobre a economia portuguesa da época, apontando sempre no sentido da análise marxista e de luta de classes, burguesia contra classe operária e termos operativos como "burguesia monopolista portuguesa" ou "alargamento do modo de produção capitalista", indicando-se expressamente a iminente mudança no panorama político-social derivado de tais transformações capitalistas e burguesas, através de um "levantamento nacional anti-salazarista".
A esquerda portuguesa e particularmente a extrema-esquerda analisa a sociedade portuguesa de finais dos anos sessenta de um modo muito mais moderno do que actualmente a mesma esquerda o faz e principalmente com menos anacronismos ou fugas à realidade.
A paginas 43-55, um certo Alfredo Margarido, de esquerda, analisa assim o momento e a época portuguesa no final dos anos sessenta, em artigo de Abril de 1968:
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