quarta-feira, maio 17, 2023

O Ultramar que se perdeu

 O problema do Ultramar português é tão antigo que começou no séc. XVII. Tal como Marcello Caetano explicou num livrinho- Portugal e a Internacionalização dos problemas africanos- de 1965, tudo começou com a mudança na Igreja Católica, na Europa e o surgimento da Reforma.

Assim:


Até à perda da independência no final do sec.XVI, e durante o tempo dos Filipes, em Portugal, Portugal tinha plenos poderes nos mares que navegou até à Índia:


A Igreja Católica no sec. XV tinha poder sobre os reis da Europa, porque a comunidade cristã obedecia ao Papa sob pena de excomunhão e interdição. A Cristandade era una e  consistente com tal obediência. 
O mar português era imenso por causa das descobertas e era "nosso" até que no início do séc. XVII tal situação se alterou radicalmente e o mar passou a ser "livre". E nunca mais foi a mesma coisa:


Esta situação de Portugal nos mares e territórios africanos, ao longo dos séculos, serviu para justificarmos um direito de presença baseado em razões que se tornaram essenciais para reafirmarmos uma soberania que se começou a pôr em causa, no final do sec. XIX e durante todo o século vinte.
Até aos anos sessenta do século passado os portugueses em geral não punham em causa a nossa presença em África em territórios que eram entendidos como nossos. 
Nessa altura, porém, foi preciso explicar as razões da nossa presença em África porque se começaram a questionar tais razões. 
Em  Junho de 1960, numa conferência no  Instituto de Altos Estudos Militares, Marcello Caetano, futuro presidente do Conselho falou sobre "A África e o futuro". Assim, tal como publicado no livrinho Ensaios pouco políticos, de Marcello Caetano, na Verbo, no final dos anos sessenta.
Neste pequeno texto está vertido o entendimento de Marcello Caetano sobre o nosso Ultramar e o destino de África, antes da guerra de guerrilha que viria a estalar dali a pouco.
Há uma afirmação inicial importante e algo esquecida: "nunca será demais afirmar, sobretudo nos dias que correm, que a África deve à Europa, e exclusivamente a ela, a civilização que hoje tem". Esta devia ser dita de caras às joacines e mamadous que andam por aí:




A eventual independência é considerada...


E exemplo recente da Argélia e do Congo belga é invocado...para se contrapor ao exemplo português



E na discussão surge o problema das liberdades políticas de partidos e de imprensa, equacionados como fonte de maiores problemas "com repercussão no Ultramar". 


Daí que a previsão de Marcello Caetano seja a do advento de tempos difíceis, com uma "guerra revolucionária, isto é, uma sucessão de actos violentos apoiados na expansão da doutrina comunista", para além do mais. 


Em 1971, o mesmo Marcello Caetano, num opúsculo de 52 páginas apresentava as razões para Portugal estar em África, mas...esperava-se "um novo governo":



Esse "novo governo" surgiu com uma nova concepção do Estado, através da revisão constitucional desse ano e que não oferecia equívocos nessa altura nem depois disso, apesar de andar muito esquecida, tal como se explicou num artigo de introdução de Manuel Braga da Cruz, num livro de 2012 intitulado Marcello Caetano, tempos de transição:







Quanto a Salazar, ainda no poder nessa altura, sabe-se bem o que pensava e que está resumido numa conversa que manteve com Franco Nogueira, em Agosto de 1963, tal como se lê no livro de Franco Nogueira, Um político confessa-se



 
Não há divergência de fundo no entendimento da questão do Ultramar, entre Salazar e Marcello Caetano. Mas a questão está colocada...

É neste contexto que surge outro entendimento sobre o futuro do Ultramar português. Enquanto os discursos oficiais assentam sempre nas mesmas premissas expostas- territórios portugueses do Ultramar- a verdade é que a progressiva autonomia, desde 1971, suscitava já dúvidas acerca da intenção acerca desse futuro que até há uns anos era claro e indiscutível. 

Num livro de 1979 publicado pelo Instituto Democracia e Liberdade, de vários autores, há um artigo sobre a Descolonização que ajuda a perceber uma certa evolução fatal, até chegar a 1974 e saber-se que  em 1971 já havia negociações acerca de um "plano Senghor" relativamente à Guiné.

Tudo se precipitou a seguir mas o "que tem de ser tem muita força" pelo que pouco havia a fazer para retomar a filosofia que vinha do século XVI: o Ultramar deixaria de ser nosso.







 
Apesar de o destino estar traçado, o que sucedeu em 1974 foi algo inacreditável e que significa uma vergonha nacional inominável, simbolizada nesta foto:


Como um especialista americano, John P. Cann, escreveu num livro dedicado aos Comandos, o epílogo foi este:




O que sucedeu foi exactamente o que Salazar e Marcello Caetano previram...apesar de os militares portugueses poderem dizer que fizeram a guerra de um  modo que não envergonhava ninguém e militarmente poderiam aguentar bastante mais tempo. Pelo menos até que outras soluções aparecessem. 



Quem é que impediu tais soluções? Numa palavra: a Esquerda! Tal como na economia, arruinou-nos. 
Continuem a votar neles! 

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