quarta-feira, maio 10, 2023

Rita Lee: coisas da vida mutante

 Morreu Rita Lee e leio por aí que foi a rainha do rock no Brasil. Enfim, coisas da vida desta mutante da música popular com expressão em português. 

Por mim, conheci pela primeira vez os sons e letras de Rita Lee, com uma cançoneta que figura certamente entre as melhores que compôs, numa longa carreira e que se destacou particularmente nos anos oitenta.

A cançoneta é precisamente Coisas da Vida e ouvia-se na televisão portuguesa da RTP, em 1978, à noite e hora de jantar, na telenovela Casarão, introduzindo cenas sempre dramáticas da história da novela memorável, surgida após a Gabriela, ainda mais memorável. A música era muito apelativa e ficava no ouvido, como um pop/rock bem cantado em português, antes do aparecimento do rock nacional, de Rui Veloso e afins.

A letra é muito interessante e aparece num encarte do disco original de 1976:


Nessa altura ainda nem sabia quem era exactamente Rita Lee e que importância tinha na música popular brasileira, apesar de ter começado por esses anos, no rádio, em cadência semanal e à hora de almoço de cada domingo, de finais da década de setenta, a divulgação aprimorada da música brasileira, através de programas como Os Cantores do Rádio, animado por José Nuno Martins, a quem se fica a dever muita divulgação de obras muito importantes de tal música, saídas na altura.

Não obstante, a mpb tem historial bem mais antigo, como se contou aqui e os discos de Rita Lee, de meados da década de setenta, respectivamente Fruto Proibido, de 1975 ( que tem "Ovelha negra" e cuja produção pode ser apreciada aqui)  e Entradas e Bandeiras, do ano seguinte, são a expressão de tal rock à moda brasileira que era aliás acompanhado por outros com importância maior, como foi o caso de Raul Seixas e num relâmpago que surgiu e se apagou em 1973-74, pelos Secos & Molhados. 

Rita Lee no entanto participou num disco de 1968, do grupo Os Mutantes que é um dois mais importantes de sempre da mpb e ficou ligado ao equívoco movimento Tropicalismo, que integrava outros músicos como Nara Leão ( voz fantástica e superior à de Rita Lee), Tom Zé, Caetano Veloso ( com o seu primeiro lp e o título Tropicália mais Alegria, Alegria, entre outros), Gilberto Gil e os ditos Mutantes que era o grupo de Rita Lee e ainda o disco Tropicália-Panis et Circensis, reunindo alguns daqueles artistas. 

Tudo isso só descobri anos mais tarde e há um dvd/bluray que mostra e explica tal fenómeno musical, no Brasil-Tropicália que aliás se pode ver aqui, integralmente.

Apesar disso, em 7 de Setembro de 1983, no Sete, José Nuno Martins, o referido radialista-divulgador e conhecedor da mpb não encontrou disco algum dos citados para integrar os "quinze indispensáveis da MPB".

O que mais me espantou foi logo o primeiro- Amoroso, de João Gilberto- que nem conhecia e vim a conhecer logo a seguir:


Após aquela experiência inicial da audição fragmentada de Coisas da Vida, via televisão, voltei novamente a ouvir Rita Lee  numa série televisiva que apareceu em 1982, Malu Mulher e que tinha a canção Mania de Você, do disco saído em 1979, com título genérico Rita Lee e que segundo julgo, já tinha sido divulgado por essa altura. 

Mania de Você é considerada uma das melhores canções de Rita Lee, escrita em parceria com o marido Roberto de Carvalho e tem aquele ritmo de meio tempo, apropriado ao rádio em FM, bem pautado pela sonoridade acústica das guitarras à semelhança de Ouro de Tolo, de Raul Seixas, de 1973. 

A canção Arrombou a Festa II que fecha o lado um do vinil, segundo me lembro passava no programa dos Cantores do Rádio ( ou noutro) , como indicativo ou coisa que o valha ( com a menção em tom menor "à música popular brasileira") e que tem citações explícitas do tema Le Freak dos Chic, de 1978.

No ano de 1980 apareceu outro disco de  Rita Lee, com dois temas realçados no rádio da época: Baila Comigo, também título de novela que passou dali a dois anos e que tem a mesma toada daquele, em ritmo médio e Lança Perfume que abre o disco e que foi igualmente êxito, com referências sonoras nos naipes de teclados que lembram o disco Minute by Minute dos Doobie Brothers, de 1978. O rock anda longe destas sonoridades. Baila Comigo é uma cançoneta de Rita Lee do nível daqueloutra Mania de Você, com alto nível pop.

No ano de 1982, outro disco com mais um par de êxitos, a começar pelo primeiro tema, Flagra, bem embalado para o rádio e o Cor-de-rosa choque, do segundo lado. De bónus, o primeiro tema do lado dois, Só de Você. Tudo pop e ainda com uma participação especial de João Gilberto, num tema ( Brasil com S). 

No ano seguinte, o disco Bombom, começa com um ritmo desses anos, metronómico e gravado em L.A., com guitarradas de Steve Lukather, dos Toto e baixo de Mike Porcaro, também dos Toto, então no auge do sucesso com o disco IV.

Aliás, o êxito principal, Desculpe o auê, ressoa um pouco a Toto, com uma produção demasiado slick, lambida para passar bem no FM estéreo. E passa. Assim, o único tema que se pode juntar a esse é uma espécie de country brasileiro, com o título Pirarucú que Raul Seixas não desdenharia assinar. O resto é estéril e toto.


E fiquei por aqui na música de Rita Lee...e em resumo: qual a melhor música de Rita Lee? Coisas da Vida, sem dúvida. De meados dos anos setenta. Antes disso, no início da década adaptou uma cançoneta de Georges Moustaki, Joseph, com letra em português da autoria de Nara Leão e cantou-a quase no mesmo tom que aquele. A letra, essa, é um pouco mais interessante, etérea e de beleza mais feminina.

Pode ser ouvida o youtube, nas duas versões: a original e a de Rita Lee. José

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