quarta-feira, outubro 30, 2013

O dinheiro sem cor dos angolanos

 A PGR esclareceu hoje o que se passa com os processos de averiguação de eventual ilícito de branqueamento de capitais. Assim:


O Estado Português encontra-se vinculado, por via de diversos instrumentos internacionais, designadamente Directivas da União Europeia, desde pelo menos o ano de 1991, a estabelecer determinadas regras em sede da prevenção do branqueamento de capitais.
Tal obrigação resulta actualmente das Directivas 2005/60/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e 2006/70/CE da Comissão, transcritas para o nosso ordenamento jurídico interno pela Lei 25/08, de 5 de Junho.

Por via desses procedimentos, as entidades financeiras e não financeiras previstas na lei (artigos 3º e 4º), tais como instituições de crédito, empresas de investimento, sociedades gestoras de fundos de pensões e outras estão sujeitas a vários deveres, designadamente os de informarem e comunicarem ao Ministério Público e à Unidade de Informação Financeira da PJ (UIF) as transacções e actividades financeiras sobre as quais existam suspeitas ou razões suficientes para suspeitas de que teve lugar, está em curso ou foi tentada operação susceptível de configurara a prática do crime de branqueamento de capitais.

O Ministério Público e a UIF da PJ, tendo em vista avaliar da origem ilícita dos fundos aplicados, acedem a informação relacionada com operações económicas e financeiras desenvolvidas em Portugal e procedem à sua análise, no âmbito de um, assim designado, processo administrativo. Este, uma vez efectuadas as diligências adequadas e necessárias, é arquivado, quando se vierem a considerar como justificadas as operações suspeitas ou dá origem à abertura de inquérito para prosseguimento das investigações, caso se mantenham as suspeitas de prática de branqueamento de capitais.

As obrigações de vigilância são particularmente exigentes sempre que estiverem em causa operações de risco, que é aferido, quer em função da origem dos fundos, quer em função da qualidade dos intervenientes, em particular quando se revele a intervenção de pessoas politicamente expostas.



Quer dizer, o Ministério Público português limita-se a cumprir uma legalidade estrita no caso das averiguações de certos capitais que provêem do estrangeiro, mormente Angola. Formalmente organiza um procedimento administrativo para averiguar se há motivos para instaurar inquéritos. Faz as chamadas "averiguações preventivas". O problema surge logo que se aventa a possibilidade de existência efectiva de um crime de branqueamento de capitais.
Este crime exige para a respectiva verificação a existência prévia de outro crime, designadamente de corrupção ou fraude fiscal ou outro de natureza similar.
Ora, onde é que tal crime poderá ter ocorrido? No caso de Angola, em...Angola. E o MºPº de Portugal pode investigar tais crimes praticados em Angola, em Angola? Não, não pode. Quando muito poderia pedir aos angolanos para investigar tais crimes. E a quem? Ao PGR de Angola. Precisamente o que agora viu o seu processo administrativo arquivado por ausência de indícios de prática de crime de branqueamento de capitais.
Aliás, o disposto no artº 16º daquela Lei deixa algumas dúvidas sobre os procedimentos. Diz assim sobre o dever de colaboração dos bancos e outras entidades:

1 - As entidades sujeitas devem, por sua própria iniciativa, informar de imediato o Procurador-Geral da República e a Unidade de Informação Financeira sempre que saibam, suspeitem ou tenham razões suficientes para suspeitar que teve lugar, está em curso ou foi tentada uma operação susceptível de configurar a prática do crime de branqueamento ou de financiamento do terrorismo.
2 - As informações fornecidas nos termos do número anterior apenas podem ser utilizadas em processo penal, não podendo ser revelada, em caso algum, a identidade de quem as forneceu. 


Ou seja, tais informações só podem ser usadas em processos penais. E sabe-se que no caso do PGR angolano o foram no âmbito de um processo administrativo. Não pode ser revelada em caso algum a identidade de quem as forneceu e sabe-se agora que foi uma entidade bancária ligada ao BCP. Quid juris? Diz o artº 20 nº 2 da mesma Lei:
2 - Quem, ainda que com mera negligência, revelar ou favorecer a descoberta da identidade de quem forneceu informações, ao abrigo dos artigos referidos no número anterior, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.
 Saia um inquérito crime para o Expresso que divulgou, estupidamente como é apanágio do seu director, o assunto em primeira mão. Já devia ter sido instaurado...

Tudo isto é surrealista e gera problemas diplomáticos graves e incompreensíveis que colocam em risco as relações económicas entre Portugal e Angola.
O que se espera então do MºPº de cá? Que seja realista e perceba que nunca os angolanos irão colaborar na eventual descoberta de crimes de corrupção cometidos no seu próprio país e que envolvem eventualmente altos dignitários desse país. Esperar outra coisa é incorrer em grave erro de análise e que prejudica seriamente o interesse do Estado português. É, salvo o devido respeito, uma estupidez.


E que fazer então aos tais processos administrativos que ainda perduram no DCIAP para aquele efeito? Arquivá-los liminarmente. Acabar com o pro-forma e instaurar apenas processos de inquérito, ou seja quando os indícios sejam seguros e concretos. Como se vê pela lei, as entidades bancárias só devem comunicar quando suspeitam seriamente de branqueamento e não automaticamente. Como o foram no caso de Álvaro Sobrinho e entretanto deixaram de o ser...o que deveria ser uma lição a extrair do que se passa em Angola e sobre o seu estado de Direito a fazer  de conta.

Questuber! Mais um escândalo!