Raquel Varela tem 36 anos, um curso de História e escreve livros sobre fenómenos sociais, como o pedântico "História do povo na revolução portuguesa".
Em entrevista à revista Tabu do Sol desta semana, desenvolve algumas ideias que mostram bem uma confusão mental sobre conceitos mal amanhados.
Nesta primeira parte da entrevista explica que saiu de Direito e foi para História para "estudar as classes trabalhadoras, o movimento operário e por que é que as sociedades mudam e não mudam".
Há quantos séculos anda gente a estudar isto e ainda não descobriram a chave da sabedoria?
RV pretende assim explicar que já descobriu " as estratégias políticas que estão por trás...", ao contrário dos demais que não compreendem porque a tv não explica.
Esteve no PS como militante e depois passou para o BE. Saiu em 2005 quando tinha 25 anos, porque já nessa altura sentia necessidade de aprofundar o conhecimento e não via modo de o fazer dentro dessas partidos, porque são "dogmáticos" . Além disso, "não rompi com a ideia de uma crítica radical à sociedade".
Vejamos então que ideia é essa...e logo nesta primeira parte temos uma luminosa: "temos um modelo subdesenvolvimentista(sic), de trabalhar cada vez mais horas, com cada vez mais tarefas, com pior qualidade. É óbvio que se um jornalista, por exemplo tiver mais 15 dias para investigar uma peça, para ler um trabalho, para ir aos locais, vai preparar uma peça diferente do que se tiver meia hora para fazer alguns telefonemas numa redacção..."
Este exemplo serve para mostrar a "ideia" de RV: no caso do artigo de meia dúzia de páginas sobre a nossa identidade nacional, no Público de há uns dias, nem dois meses chegariam para um trabalho mais em conta com a realidade. E o problema, de RV e doutros, é esse mesmo: um divócio de uma realidade com a qual, aliás, nunca casaram.É sempre o sonho que os comanda, a tal visão de "crítica radical à sociedade" que não os abandona e nos fustigam depois com essas luzes apagadas.
A realidade não se pode ver através de uns óculos ideologicamente escurecidos, apenas. Se tal suceder, como é o caso, temos um fenómeno pop, tipo lucy in the sky with diamonds, um panorama surrealista induzido pelas drogas das ideias-feitas.
A seguir aparece o exemplo da Alemanha que estraga de algum modo o ambiente, apesar de RV assegurar que "o modelo alemão não é muito diferente do nosso". Só esta afirmação deita por terra toda a argumentação que segue. Segundo RV a Alemanha tem "bolsas de produtividade em alguns sectores" e paga seis mil euros por mês, nesses sectores, a operários especializados. RV acha que nós falhámos, nesse caso, porque não temos professores à altura dos alemães...o que denota bem a ausência de conhecimento de uma realidade exasperante do nosso ensino técnico-profissional, muito baseado na ideologia que RV acapara. Não basta ter professores de categoria e que aliás não temos porque se aniquilou essa qualidade no PREC e anos que se seguiram, com muita responsabilidade daqueles "dogmáticos" do PS e do BE e por causa da visão radical da sociedade, matriz ideológica da mesma RV.
Logo depois aparece a explicação da social-democracia: "a essência desse pacto [ inominada, entre patrões e trabalhadores, através dos sindicatos] era a de os patrões abdicarem de uma parte dos lucros, para que esse mecanismo de acumulação fosse compensado com salários bons, incluindo subsídios de férias, o 13º mês, a protecção à maternidade e um amplíssimo estado social".
Falta explicar uma coisa apenas: esse estado social só é possível se um país for desenvolvido economicamente e para tal, teremos sempre o mesmo problema por resolver: quem desenvolve melhor um país, o Estado ou a sociedade civil, sem grandes entraves burocráticos? É o modelo defendido pelo PS e pelo BE mai-la visão radical da sociedade?
Mais ainda: desse modo " os trabalhadores abdicam da clássica luta de poder pelo Estado".
A social-democracia, modelo inominado mas evidente na análise, seria por isso mesmo um rebuçado para os trabalhadores enquanto os patrões ficariam com os bolos todos. Ou seja, tudo na mesma e a visão radical da sociedade sempre presente.
E, assegura a RV, "esse modelo manteve-se até aos anos 70. A partir do final da década de 70 temos a situação inversa. Os ricos estão mais ricos e os pobres estão mais pobres."
Então o que explica que tivesse sido precisamente na década 60-70 que os movimentos de esquerda radical terrorista, na Europa e até nos EUA, fossem mais activos e tentassem efectivamente a conquista do poder político, como em Portugal chegou também a suceder com a aventura PRP-FP25?
Em Portugal explica-se facilmente pela alteração das circunstâncias revolucionárias depois de 25 de Novembro de 1975 e a verificação que o "poder popular" jamais seria poder, a não ser pela força utópica e estúpida. Lá fora, a ideologia comunista explica o resto, porque havia dois blocos políticos no Ocidente.
Onassis era um rico dessa época. Hoje é Bill Gates. A América e a Inglaterra, a partir de final dos anos setenta tornaram-se liberais. E cresceram economicamente. Há mais ricos? Talvez, mas há seguramente menos pobres. Todos ganharam, menos nós em Portugal, muito por causa das ideias radicais de esquerda, do PS e do BE, para além do PCP.
A evidência mostra que estas forças políticas são verdadeiramente reaccionárias, na acepção do termo que costumam usar e que foram as causadoras directas de três bancarrotas, em Portugal. Sobre isto, RV , népia. Não vem nos livros de História e Salazar era fascista. Caetano também. Protegiam os ricos e defendiam os poderosos. E por isso veio o 25 de Abril para nos libertar dessas amarras e mostrarem a luz depois de quase 50 anos de obscurantismo e pobreza. E fica tudo explicado sobre o nosso modelo político-económico.
A explicação que RV dá do capitalismo parece-me anedótica. Por uma razão: o Estado, se for capitalista como em Portugal tentou ser, não funciona melhor que a sociedade civil e a prova tivemo-la nós, exuberante e evidente. Só não vê quem não quiser. O modo de produção de bens e serviços para os cidadãos não pode apenas ser explicado como de contraposição entre uma forma de organização ou outra, supostamente mais simpática para os trabalhadores, mas seguramente mais totalitária, numa utopia sem medo de amanhãs a cantar, pela simples razão que não há alternativas. A China comprova-o. A Rússia actual comprova-o e a História comprova-o.
A explicação que RV dá para a crise do Lehman Bros é hilariante. Diz que "antes de a Lehman Brothers cair eu sabia exactamente quando iria acontecer a próxima crise".
É pena que não tenha ido aos escritórios do banco, em Times Square e pedir para falar ao presidente Richard Fuld, para lhe explicar as razões das suas previsões catastróficas e a tempo de as evitar...e até podia fazer melhor: candidatar-se a conferencista perante o grupo de judeus que controlavam o banco e explicar-lhes o que eles aparentemente não entendiam, apesar de peritos e raposas velhas, com décadas de experiência e afinal era tão fácil e a RV sabia de ginjeira.
Como aliás sabe e conhece todo o processo capitalista que originou a crise, tal como sabe o resultado prático da emissão de moeda a rodos que inundou os mercados americanos. RV afiança que " a verdade é que a economia mundial deveria ter colapsado em Agosto ou Outubro de 2008". Gosto particularmente da precisão "em Agosto ou Outubro" que revela um conhecimento, uma profundidade analítica e uma sabedoria que me impede de continuar a comentar esta triste entrevista.
Só um comentário final: porque é que não se publicam estas entrevistas com um caveat sobre o cuidado a ter com as asneiras que estas pessoas produzem e vendem? E outra: porque é que estas pessoas não se enxergam?
Resposta em aditamento: porque já não podem...pois a dita já alcançou o posto de guru universitário e são virtualmente dezenas os estudiosos desejosos de a ter como "orientadora" de doutoramentos, mestrados etc etc. Até já ganha prémios da banca ( Santander) o que não deixa de ser irónico e revelador do que esta banca significa.
Precisamente no DN de hoje há uma entrevista com Vieira Monteiro, responsável pelo Santander em Portugal, " o único dos grandes bancos que deu sempre lucro durante estes anos", mesmo com os "swaps" impingidos ao Estado. O dito Vieira Monteiro CEO, diz uma coisa singular, na entrevista: "acho que ainda há uma enorme interferência do Estado na vida das pessoas e na vida económica e esta mudança era, para mim, fundamental". Esta afirmação do CEO do Santander, prenhe de consequências, convive alegremente com o prémio atribuído àquela Raquel, em tandem com outra académica, pela "internacionalização da produção científica". Científica? É, parece que é mesmo assim.
Enfim, a "geração mais bem preparada do país" será esta. Pobre país e pobre geração.