sábado, dezembro 04, 2021

José Afonso e o disco de 1970, Traz outro amigo também

 Foi agora lançado no mercado, um disco em LP ( e também em cd e formato "digital" para as plataformas de distribuição "streaming", Traz Outro Amigo Também, originalmente publicado pela etiqueta Orfeu em 1970. 

Relativamente a estas novas edições de onze albuns de José Afonso já escrevi aqui, para dizer que as versões digitais publicadas em cd me parecem excelentes mas pecam por uma quase completa ausência de informação acerca do modo como foram produzidas. Os discos nada têm que informe sequer quem foi o técnico das novas gravações, pois aparentemente é disso que se tratará.

O lp Traz Outro Amigo Também de José Afonso é um clássico da música popular portuguesa, todos os géneros confundidos e merece atenção mediática que também não vi em lado algum, para além de uma menção numa tv, em entrevista breve a um dos filhos do artista, Pedro Afonso, eventual mentor do novo projecto de reedições. Este afiançou que as  novas edições são melhores que as anteriores e um dos participantes ( salvo o erro, o guitarrista Rui Pato) teria garantido que ouviu nas novas versões instrumentos musicais de que não se tinha apercebido antes.

Ora, como é que se tiram teimas nesta matéria? Vendo e ouvindo os discos, comparando os originais com as novas versões e foi isso que fiz e dou conta para registo. 

O disco original, primeira edição de 1970 e feito na Inglaterra, na capa exterior  e rótulo do disco,  tem este aspecto:

 
A contracapa tem ao fundo, em letras muito pequenas,  a referência à "Litocolor-Porto", portanto realizada em Portugal. 



Este rótulo original tem uma inscrição na parte "morta" do vinil,  aliás visível em aumento da imagem, que identifica o produto como sendo STAT 005 A-1, ou seja um disco Orfeu, de Arnaldo Trindade. 

O LP foi reeditado em meados dos anos setenta ainda com selo, rótulo, da Orfeu. Não tenho este disco para comparar, mas em 2012 a reedição em cd , em formato "digipak" pela Orfeu, já nas mãos de outro dono, publicou informações preciosas acerca desta edição, misturando as informações de 1973, no papel da Rádio Triunfo que o terá produzido,  com as de 2012 em que se nota ter sido então ( em 2012) rematrizado  ( obtido novo master digital) por António Pinheiro da Silva em Março de 2012.

 

Em 1987 este disco foi reeditado pela editora Riso e Ritmo Discos ainda em formato lp e na mesma altura em que a etiqueta Movieplay editou também o respectivo cd, um formato então relativamente recente ( os discos dos Beatles foram então "rematrizados" para publicação em cd). Não tenho tais versões e por isso não as comparo. Pode ser que o lp seja já tirado de uma cópia digital que serviu para fazer o cd, mas não há informação.

Em 1996 o disco foi novamente republicado pela Movieplay, em formato cd e numa caixinha de cartão muito cuidada acompanhada de um livrinho, com apontamentos e informações diversas, mesmo sobre as gravações dos discos de José Afonso e o grafismo das capas, mas nada sobre o processo de digitalização e "masterização" dos cd´s nem de quem executou tal trabalho. 

A ausência de publicação em lp pode ter-se ficado a dever ao "ar do tempo" em que o vinil foi abandonado durante os anos noventa e muito depois disso, em prol da miragem sonora do cd apresentado como o nec plus ultra sonoro e que fez muita gente começar a ouvir tudo em cd, desprezando o som do vinil, não comprando discos neste formato e deixando a indústria publicar tudo em cd, exclusivamente. Tal tendência perdurou até há uns anos atrás e actualmente assiste-se a uma retoma do vinil como meio de reprodução sonora com qualidade diferente e melhor que o cd, sempre que os discos sejam fabricados a partir de "masters" analógicos, originais e não cópias já digitais, embora a diferença se esbata em aparelhagens de pequena e média qualidade. Deste modo o assunto aqui em causa torna-se algo esotérico porque só compreensível por uma minoria de aficionados do som de alta qualidade.

Este género de informações é completamente omitido nas novas edições agora publicadas, temendo-se por isso que a publicação do LP, a cargo de uma editora identificada na contracapa do disco como "Mais Cinco, registered trade mark of Saraiva Canejo Leitão, Lda", seja feita a partir de uma cópia digital e não dos masters originais, analógicos e aliás dados como desaparecidos na falência da Movieplay Portugal e até hoje a questão permanece por esclarecer. 

Também no sítio oficial do artista não se encontra qualquer informação deste género. E os jornais ou publicações especializadas, mesmo na Internet, não dão resposta a estas questões. Fosse noutro país e já havia gente que dizia de sua justiça no youtube, por exemplo. Aqui...nada. Em Portugal foi sempre assim, ao longo das décadas que já levo a reparar nestas coisas. 

Aqui, no Youtube, é possível ouvir o disco Traz Outro Amigo Também, integralmente em formato digital e formato 1080p e portanto resolução digital semelhante ao cd. A colocação da gravação é recente e os comentários estão "desactivados", sendo aparentemente uma gravação retirada das novas edições porque a capa do disco que é mostrada é a das novas edições ( não tem a referência à etiqueta Orfeu e a cor é mais desmaiada). O som é semelhante, aliás, ao som do novo vinil, curiosamente. Quem tiver um dac apropriado ( por exemplo um da iFi)  até poderá gravar na mesma resolução...

Entre o disco original, em vinil, de 1970 e o de agora, as diferenças são notórias. Em primeiro lugar a cor actual é mais desmaiada, em vez do vermelho vivo original. As inscrições no disco carecem de informação, particularmente no rótulo, que no original existem. 

Este é o disco agora publicado, com a contracapa assim. Na capa que é dupla ( gatefold, com dizem os americanos) e no interior, não há qualquer referência à Orfeu, ao contrário da original:


O rótulo tem a inscrição YMS 2638 A na parte "morta". O disco de vinil, porém, é de gramagem superior ( 180gr?) ao original, tal como acontece nos discos de vinil, actualmente.


E quanto ao som? Pois ouvi várias vezes o disco original, no primeiro e segundo temas ( Traz outro amigo também e Maria Faia) e a conclusão fatal é segura, aos meus ouvidos: a versão original é mais "arejada", com maior ambiente, como se fosse gravado num espaço mais amplo e com reverberação mais aprimorada no final das estrofes que dão a impressão de uma maior envolvência sonora. As palavras cantadas ficam a a pairar mais uma fracção de segundo no final e o som geral a meu ver é melhor e mais gratificante de ouvir. O som do novo lp parece mais abafado e menos resolvido.Ligeiramente, é certo, mas audível.  Os americanos que fazem este tipo de análises no forum Hoffman, por exemplo, já teriam dito que era fraca edição. Curiosamente e como referi acima, o som que se pode ouvir na gravação colocada no youtube é muito parecido com o som do novo lp. Como já referi anteriormente, o som dos cd´s de 1996 e 2012 é mais próximo da sonoridade do lp original, tendo apenas a particularidade de ser mais "puxado" mais projectado para o ouvinte, como é característica das gravações digitais. 

Assim e em conclusão: quem quiser ouvir este disco com a melhor qualidade sonora deve arranjar o lp original, de 1970, o que só é possível em lojas de discos usadas ( e há meia dúzia delas no Porto e em Lisboa) se ainda houver exemplares disponíveis. A alternativa pode muito bem ser a gravação digital de 2012, em cd. 

A nova gravação, em vinil, desilude, por isso mesmo, com a agravante de não se saber como foi efectuada, particularmente com recurso aos "masters" originais. Julgo que não pelas razões expostas e por isso sobre uma conclusão: poderá ter sido obtida a partir de gravação digital, já existente e arquivada algures ou  com novas gravações a partir do próprio vinil, em disco. 


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