A lebre perguntou à raposa:
- Que é que levas no teu saco, ouro ou mais uma peça? Pois teu nome significa lucro muito mais do que astúcia?
- Se queres saber - disse a raposa -, vem até minha casa, convido-te para jantar.
A Lebre acompanhou a raposa até sua toca: lá, não havia nada para jantar a não ser a lebre. Esta declarou:
- Como aprendi com minha própria desgraça, sei agora de onde vem teu nome: de tua astúcia e não de teus lucros.
Curiosidade além da conta é fonte de grandes desgraças.
(ESOPO - Século VI a. C.)
Notícia do Público de 1 de Fevereiro de 2008, já depois do escândalo da licenciatura ter sido revelado, quase um ano antes:
O ex-deputado José Sócrates recebeu indevidamente um subsídio de exclusividade da Assembleia da República, entre finais de 1988 e princípios de 1992, por acumular as suas funções parlamentares com a actividade profissional de engenheiro técnico, enquanto projectista e como responsável pelo alvará de uma empresa de construção civil. Sócrates nega que tal tenha acontecido, mas diversos documentos por ele assinados confirmam a violação do regime legal de dedicação exclusiva.(...)
Qual a diferença entre Passos Coelho, agora acusado pelo mesmo Público do mesmíssimo Cerejo, de recebimento de algo "indevido" e o José Sócrates de então?
É isso que fica à consideração de quem lê. A minha opinião é a de que a condescendência pública e do Público e demais meios de informação, para com José Sócrates permitiu que não só permanecesse no poder como fosse reeleito, dali a um ano. Isso num caso que não tem qualquer comparação com o actual, devido não só à gravidade e consistência das imputações públicas e notórias como à circunstância de revelar uma personalidade inadmissível num primeiro-ministo. Não há qualquer relativismo nesta análise uma vez que estas comparações têm mesmo que ser feitas.
Agora, é isto que se pode ver hoje no Público, com uma capa a concorrer com o sensacionalismo do Correio da Manhã:
Este mesmo Público, embora dirigido por outrém, na Páscoa de 2007 levantou a Lebre que fugia à frente do caçador em saltos rápidos, protegida pelos apaniguados que eram aos milhares, incluindo os jornais quase todos que não viam a corrida celerada.
Nesta altura, trata-se de um Coelho que salta daqui para ali, prontinho a levar o tiro de misericórdia. É essa a diferença e Pacheco Pereira, em 7 de Abril de 2007 lembrava o que o Público onde escrevia nunca assumira em letra de forma:
E as semelhanças da Lebre da fábula com este Coelho não ficam por aqui. Em 21 de Abril desse mês, o Público dava conta que na A.R. havia dois registos biográficos do então deputado José Sócrates. Um deles era apócrifo e o original desaparecera. Quando? Nunca se descobriu. Quem teve acesso ao tal original? Obviamente quem tinha interesse imediato nisso. Quem era? O Público nunca quis saber. O que foi cometido lá, na AR, nessa altura? Um crime de falsificação? Alguma vez foi investigado devidamente? Nunca.
São estas algumas das diferenças entre este caso do Coelho e o da Lebre que não ficou por ali na corrida. Como é sabido trasmudou-se em Carapau e anda por aí a gozar a astúcia destes papalvos que se julgam arautos de uma moralidade infecta e pensam que a investigação jornalística são estes fait-divers que eregem em crimes de lesa-majestade da sua alta concepção moral e ética que apesar disso não pode ser vista ao espelho.
Quem os topa bem é Vasco Pulido Valente no Público de hoje, em crónica que subscrevo e vai contra a corrente mediática do sensacionalismo ambiente.
Portugal é a choldra que é por causa deste tipo de investigação do jornalismo-melão que só se avalia ao sair.