Observador, um relato em primeira pessoa de um-- Miguel Freitas da Costa- dos que viveram o 28 de Setembro de 1974, altura em que o PCP e a extrema-esquerda tomaram as rédeas do poder político em Portugal, com o apoio do MFA. Estes relatos são raros na imprensa tradicional porque toda ela é tributária da Esquerda. O artigo é extenso mas vale a pena ler. Amanhã, imagens de imprensa da época, particularmente desse reduto do politicamente correcto cor de esquerda e de burro a fugir- o Expresso.
O sol resplandecia sobre Lisboa, aquecendo-a e doirando-a.
São palavras roubadas a um trecho das memórias de Raul Brandão – mas é assim
exactamente que me lembro desse verão de 1974. Não tenho memória de um único
dia de chuva nesses meses de Julho a Outubro em que estive de passagem pelo
‘rectângulo’ num caminho que levava de Nampula a Madrid.
Terminara em Maio a minha comissão militar na Pérola do
Indico. O dia 25 de Abril, para mim e para muita gente em Moçambique, foi no
dia 26. Na noite desse dia ouvi muito à puridade, num botequim de Montepuez,
chamado à parte por um oficial do corpo de Comandos, a proclamação da Junta de
Salvação Nacional, como se fosse um segredo militar.
A notícia era
talvez fragorosa demais para uns delicados ouvidos estrangeiros: o ‘nosso’
General Spínola tinha tomado o poder em Lisboa. Aleluia!
Estava connosco C. F. Spence, um homem de negócios inglês,
veterano conhecedor da África Austral que viveu muito tempo em Lourenço Marques
(tenho aqui o exemplar que me ofereceu do seu Moçambique, East African Province
of Portugal, com a sua dedicatória ao Alferes de então, numa caligrafia muito
legível e em português correcto.) A notícia era talvez fragorosa demais para
uns delicados ouvidos estrangeiros: o ‘nosso’ General Spínola tinha tomado o
poder em Lisboa. Aleluia! Mas ainda não se sabia bem o que se passava.
O discurso de Marco António
Desembarquei em Lisboa a 22 ou 23 de Junho, com a chegada do
verão desse Outono português. Durante as semanas que se seguiram não falei com
muita gente. Passei-a maior parte desses dias na companhia do meu amigo Manuel
Maria Múrias, dedicados ambos a uma única conspiração: a de publicar um jornal
de ‘intervenção’, que só começou a sair em Setembro, o Bandarra, a que pusemos
com mais fé do que excessiva esperança o subtítulo ambicioso de ‘o combate do
futuro’.
A batalha contra a ‘descolonização exemplar’ já estava nesse
verão quase definitivamente perdida e a luta contra a sovietização do que
restava de Portugal talvez pareça hoje uma curiosidade supérflua.
Foi na salinha pequena de uma casa alugada em Cascais para
passar o mês de Agosto que o Manuel Maria nos leu ainda escrito à mão na sua
letra redonda e regular o artigo ‘O discurso de Marco António’, que daria
brado. Comoveu-nos. (Éramos assim em 1974.) Foi pretexto depois para um dos
mais caricatos episódios da tragicomédia do 28 de Setembro.
Começava desta maneira: ‘Frontaria da Assembleia Nacional.
Manhã cinzenta e triste. A multidão sussurrante transborda do grande largo.
Trazendo nos braços um corpo exangue, Marco António surge no topo das
escadarias. Arenga ao povo. – Amigos, portugueses, compatriotas: Trago-vos
Portugal nos braços. Venho para os seus funerais – e não para o louvar. O mal
das pátrias sustenta-se além da morte. O bem enterra-se com elas.(…) Seja assim
com Portugal. Os drs. Mário Soares, Álvaro Cunhal e Sá-Carneiro (três
honradíssimos cidadãos) permitiram que vos falasse. Disseram eles que a nossa
Pátria, em oito séculos de história, quase só se portou mal. Reconheçamo-lo
contritamente sem discutir: – os drs. Mário Soares, Álvaro Cunhal e Sá-Carneiro
são três grandes personalidades que nos restituíram a liberdade. Quem somos nós
para os contestar?’
A batalha contra a ‘descolonização exemplar’ já estava nesse
verão quase definitivamente perdida e a luta contra a sovietização do que
restava de Portugal talvez pareça hoje uma curiosidade supérflua.
Naquela altura já tinha havido o caso Palma Carlos,
primeiro-ministro do primeiro Governo Provisório, que se demitiu depois de
declarar perante o Conselho de Estado: ‘Não quero morrer como traidor à
Pátria.’ Spínola era Presidente da República. Por sua vontade expressa, Álvaro
Cunhal fizera parte desse primeiro governo provisório. Contra a sua vontade, o
Coronel Vasco Gonçalves, a quem toda a gente atribuía simpatias comunistas
(havia mesmo quem jurasse a pés juntos que tinha visto o seu cartão de membro
do Partido… ) foi nomeado para o lugar de Palma Carlos.
O PREC – o Processo Revolucionário ainda não fora
oficialmente declarado mas era bom de ver que estava Em Curso. Em Agosto, a
Guiné já fora entregue ao PAIGC, preparava-se a iminente entrega de Moçambique
à Frelimo. A ‘criação das condições para um debate franco e aberto a nivel
nacional do problema ultramarino’ tinha sido um dos primeiros pontos do
Programa do Movimento das Forças Armadas a ser lançado borda fora, como era de
prever.
Chorosamente embora, esperneando embora, o Presidente da
República ia assinando.
O jornal Bandarra
Foi neste contexto que se preparou a saída do Bandarra – e
que o General Spínola e os seus amigos começaram a preparar uma manifestação da
chamada ‘maioria silenciosa’, a famosa expressão inventada por Nixon. Ao abrigo
das leis “fascistas” que se mantinham em vigor eu ia ficar como director do
jornal: exigia-se um diploma universitário e eu era licenciado; o Manuel
Múrias, embora mais velho, mais conhecido e mais experiente nas lides da
informação (trabalhava em jornais desde miúdo, fora director de Informação da
RTP), só tinha, como costumava gabar-se, a quarta classe adiantada. A
necessária empresa editora era a Editorial Restauração, de António Cruz
Rodrigues, ligada ao grupo da revista católica ‘integrista’ Resistência.
António Maria Pinheiro Torres era o nosso Administrador.
Publicar um jornal requeria dinheiro (o que sempre foi e
continua a ser preciso) e, naquela época, uma tipografia que aceitasse a
publicação; fora abolida a odienta Comissão de Censura ou de Exame Prévio, mas
os tipógrafos e outro pessoal das oficinas gráficas decidiam soberanamente o que
se havia ou não de imprimir. A inofensiva folha informativa e doutrinária da
Causa Monárquica, por exemplo, tivera de cessar a publicação por diktat dos
impressores. Era uma censura que tinha a vantagem de ser anónima, feita pelas
chamadas classes trabalhadores e destinada a assegurar, como então se dizia, as
mais amplas liberdades.
O dinheiro para as primeiras impressões arranjou-se mediante
umas letras de favor e umas poucas receitas publicitárias em que só uma página
inteira paga pelo Banco Pinto e Sotto Mayor de António Champalimaud tinha algum
relevo – económico e gráfico: “O encanto discreto de certos momentos” era o que
lá prometia o cartão Sottomayor num anúncio que ainda hoje é bonito, fabricado
pela Agência Leo Burnett. (Naqueles momentos de grande excitação que não eram
propriamente encantadores nem discretos, António Champalimaud chegou a desafiar
Manuel Múrias para Director do Diário de Lisboa, ideia um tanto rocambolesca
que nunca chegou a ter seguimento).
A tipografia, depois de várias tentativas, lá se arranjou
também, na Amadora. Para evitar possíveis dissabores futuros, comparecemos,
acompanhados pelo proprietário, perante uma assembleia geral dos empregados da
Gratelo para explicar ao que vínhamos e obter – ou não – a garantia de que não
haveria intervenções censórias do pessoal. Predominavam na tipografia os
elementos do MRPP: talvez por uma antipatia comum pelos sociais fascistas do
PCP e pelos partidos burgueses do ‘arco da governação’ da época, todos acederam
em nome da liberdade de expressão e de umas receitas que lhes faziam falta – e
cumpriram escrupulosamente o acordado. Só tenho boas recordações dessa breve
colaboração.
A Causa Monárquica emprestou-nos umas sumárias instalações
da Travessa de S. Pedro, no Bairro Alto. Avisadamente, o Pedro Câmara Leme
retirou de lá e pôs a bom recato alguns modestos pertences de maior valor
estimativo. Rimo-nos. Mas ele tinha vivido mais do que nós.
O assalto à redação
Na madrugada de 28 de Setembro as instalações vazias seriam
valorosamente assaltadas e arrombadas por um destacamento militar, que partiu o
que pode, se apropriou do que lhe apeteceu e levou em triunfo a definitiva
prova da tremebunda conspiração que ali se gizava: um telegrama, encontrado em
cima de uma das mesas da redacção, e que dizia – numa linguagem que foi
apresentada como ominosamente cifrada: “Marco António Stop Meu General Stop
Acorrentado neste grande largo agradeço publicamente ter feito palavras suas
meus pensamentos Stop Comungando maioria silenciosa aguardo restituição pátria
usurpada por triunvirato e seus centuriões Stop Chorando raivosamente Viriato”.
Na altura demos tratos à imaginação para tentar adivinhar quem seria o maduro.
Passados mais de trinta anos um velho conhecido declarou-me que fora ele a
enviá-lo, por pura chalaça.
Com todas as devidas autorizações legais saíu o número zero
do Bandarra. Houve mais dois. No dia 28, sábado, devia sair o terceiro. Tal era
a nossa confiança nos dotes e na determinação do Presidente Spínola que a
primeira página ia ter uma fotografia do General, pequenino e sozinho, ao fundo
de uma parada da Guarda Republicana, e um título ‘O Presidente da República
está cercado’. (A gente da tipografia, contando com razão que ia ser
incomodada, destruíu prudentemente todo o material que lá tinha para esse
número que nunca foi publicado.)
No número 1, a primeira página era ocupada por uma
fotografia de um soldado estendido a dormir num catre, uma selecção de citações
de Spínola e a toda a largura da página a pergunta ‘E agora?’. Por baixo,
escrevia-se: ‘O Presidente da República pôs claramente a questão. Portugal
inteiro sentiu-se aliviado. Os factos porém contradizem as palavras. O assalto
às estruturas da Nação continua. Que vamos fazer agora?’
Na posse do Alto-Comissário para Moçambique, a seguir ao
Acordo de Lusaka, o general tinha dito: ‘O Presidente da República tem plena
consciência do que é e do que não é democracia, do que é e do que não é
descolonização. E, como tal, não consentirá que, em nome da liberdade e da
democracia, o povo português volte a ser escravizado, ou que, em nome desses
mesmos princípios, se abandonem milhões de seres humanos a uma escravidão
semelhante àquela de que nos libertámos. Doutro modo não cumpriríamos o
Programa do Movimento das Forças Armadas.’ E assim por diante. O clima era esse
quando o General, acossado, se decidiu a mais um contra-ataque e começou a
preparar a armadilha em que ia cair.
Não obstante as mirabolantes alegações sobre os pormenores
de um golpe de Estado para o qual Spínola esperaria da manifestação o pretexto
e uma suposta legitimação popular, a sua estratégia e preparativos
caracterizaram-se pela fantasia, pela desorganização, pela inoperância e pela
estupidez, a começar por uma petulante e temerária provocação ao
primeiro-ministro e ao MFA na famosa corrida de touros do Campo Pequeno, dias
antes.
Nas vésperas do dia marcado para a manifestação, o Comandante
Chefe das Forças Armadas mandava recados a quem pudesse interessar: a situação
é muito grave, os civis que se armem. Na luta política, o brioso poeta de
Portugal e o Futuro e autor, nem passaria um ano, do Portugal sem Rumo, fez juz
ao título de mimoso militar.
‘Partir os dentes à reacção’
No dia 28 eu não estava em Lisboa. Estava na Covilhã. Tinha
apanhado o avião de sexta-feira (havia uma carreira aérea regular entre Lisboa
e a Covilhã), como me acostumara a fazer desde o princípio do mês para lá
passar o fim de semana. Nessa noite de 27 quem desse uma volta pela cidade
veria as façanhudas barricadas montadas por civis armados de paus e de pedras
nas saídas para Lisboa.
A palavra de ordem era ‘partir os dentes à reacção’, na
cordata expressão de Cunhal. Por todo o país, o MDP/CDE-Partido Comunista e
outros grupos de esquerda, destacamentos militares e gente do Partido
Socialista montaram nas estradas e nas entradas de Lisboa essas barreiras. Com
maior ou menor brutalidade – houve em Coimbra, na Ponte sobre o Tejo, noutros
locais, tiros, espancamentos e vítimas mais ou menos graves entre os
manifestantes que se dirigiam a Lisboa – mas com notável eficácia, cortaram a
passagem a um suposto e poderoso exército contra-revolucionário que ao raiar do
dia se esfumara e cujo copioso armamento nunca ninguém encontrou.
A versão heróica e revolucionária dessa jornada política
está bem condensada em A negra madrugada, um relato em prosa escarlate de
Amadeu José de Freitas em que abundam os adjectivos e as laudas ao Povo mas
brilham pela ausência quaisquer evidências da tremebunda conspiração.
Na madrugada de 28, o COPCON sob o comando de Otelo Saraiva
de Carvalho engavetou em Caxias umas centenas de ‘fascistas’, muitos dos quais
só foram libertados depois do 25 de Novembro do ano seguinte. Após um fim de
semana de notícias e boatos desencontrados sobre o que se passara e passava em
Belém (e hoje são tristes cenas razoavelmente conhecidas), de lágrimas nos
olhos uma vez mais, Spínola retirou-se pelo seu pé, despedindo-se com o célebre
discurso de renúncia do dia 30 de Setembro. Uns dias depois ainda foi
corajosamente almoçar com o seu sucessor, o General Costa Gomes.
Um dos presos do 28 de Setembro foi Manuel Maria Múrias. Em
dias mais frenéticos tinha dito muitas vezes, por graça, ‘se me vejo preso nem
acredito’. Fizeram-lhe a vontade. Um grupo de militares foi buscá-lo a casa
nessa madrugada. Só o tornei a ver quase dois anos depois. Saíu como entrou,
acusado de nada, ilibado de nada. A justiça revolucionária, como explicou,
antes de ter de fugir dela, Victor Serge, profissional da revolução comunista,
tem uma enorme superioridade sobre a justiça burguesa: não se ocupa de
‘inculpações ou acusações precisas’, aplica-se às pessoas pelo que elas são e
não necessariamente pelo que tenham feito.
Na Covilhã, depois de falsos alarmes, de notícias mais ou
menos fidedignas sobre um mandato de captura em meu nome, acabei por passar
para Espanha. Aquele fugaz ‘combate do futuro’ tinha acabado de vez. O resto é
outra história.
7 comentários:
na avenida do quilolé Sá Carneiro conseguiu reunir 10 militantes anónimos
entregue por militares alguns militantes andaram a distribuir armas no auto sentados num caixa cheia de granadas defensivas
creio que os ficheiros foram viajar
o gajo do caco era um básico politico e foi comido a partir do momento em que não teve coragem para defender e apoiar o Irmão Palma Carlos
o pcp era a única força organizada e apoiada do exterior
a nível dos dirigentes do ps e psd poucos sabiam o que era o comunismo
muitos estavam cheios de invej e ódio
e apenas sonhavam com tachos chorudos
a tropa fandanga tratava todos abaixo de cão.
alguns frequentavam locais com os quais nunca sonharam
a maioria da classe média borrou-se de medo
era um fedor de morrrer intoxicado
no dia seguinte foi necessário tê-los no sítio e grandes
foi o 2º dia de luto pesado
até morrer nos anos 90 nunca um Irmão, chefe de gabinete do PM em 28 maio 1926, tirou a gravata preta
descansa em paz Meu Irmão
tiveste a sorte de não ver a merda a que isto chegou
No ocultes nada, pues el tiempo que todo
lo ve y todo lo oye lo desdobla todo.
Sófocles
Hoje,domingo, o jornal continua a relembrar esses dias fatídicos.
Vale a pena escutar as desculpas esfarrapadas do Melena e Pá por ter assinado as listas de pessoas a prender. Desculpa-se que,ao menos,não houve um único fuzilamento. E a destruição do país ou a ruína de milhões de pessoas? Um inepto completo e que hoje continua sempre na ribalta,coisa de que vive e que o sustenta.
Quando vemos a gente reles e torpe a que este país esteve entregue dá cá uma vontade de vomitar...
O Spínola não gostou do rumo que a coisa levava e que contrariava o próprio programa do MFA.Mas os comunistas e ex-comunistas às ordens do KGB eram bem organizados, aliás os únicos e contavam com n! paletes de idiotas úteis para além duma multidão do cornos mansos que tudo deixaram fazer certo?
Mesmo os mais revolucionários MFA´s se limitavam a reagir à posteriori aos "avanços" e aos "saltos em frente".A tropa quase nada teve a ver com essas barreiras instaladas por todo o país e que aliás capturaram vários oficiais ditos Spninolistas...
Na época como aliás hoje o pessoal limita-se a ver correr o marfim e não faz nada
A caminho da escravidão pela mão dos gajos do tudo e do seu contrário e nem um lamento...e se calhar ainda vão dizer que foi a tropa...
Nesta época o que andou a fazer o candidato a candidato António Costa?A fazer tudo para "entregar" tudo o que não era nosso e tinha preto aos primos...
E agora?Ora a colonizar-nos por nossa conta e quem não concorde vem sempre o "25 de Abril sempre"!
Ou tornam a fazer um profundo saneamento dos traidores e estrangeiros que aqui andam a mandar ou a escravidão é garantida...
Escravidão socialista que ainda tem muitos degraus e muitos saltos em frente para dar...e numa de todos iguais, todos diferentes!
As forças armadas, foram uma "elite" que se governou, principescamente nas guerras de Africa, sempre se estiveram cag...para o povo.Lembro-me de ouvir, ainda garoto, uma mulher dizer, que o marido fazia mais uma comissão e dava para comprar, mais um andar.Acho que seria esta a postura "patriótica"de alguns castrenses.
É esta história que está para ser contada. Durante quarenta anos, só contam mentiras. Pode ser que um dia, este povo labrego e pagador de circos, acorde, e peça contas. No mercy.
Enviar um comentário