A reforma Penal de 2007 foi objecto de crítica por ter reduzido o âmbito de aplicação da prisão preventiva a crimes pouco graves – que nunca cabem no âmbito da criminalidade violenta ou organizada. A reforma terá permitido a libertação de pessoas que, ao cometerem pequenos crimes, terão já revelado um perfil de perigosidade. Ora, cabe perguntar se os autores dessas críticas não pretenderão, afinal, uma solução de ‘broken windows’.
Esta visão da política criminal – à letra, das ‘janelas partidas’ - esteve na ‘moda’ há alguns anos nos Estados Unidos. Na sua perspectiva, o Direito Penal deve intervir com dureza logo que se cometa pequenos delitos (como partir janelas ou pintar graffiti) ou até outros ilícitos (como cuspir ou urinar na rua). Pretende-se deter os delinquentes para os dissuadir de carreiras criminosas e, sobretudo, para os retirar do espaço público, incapacitando-os de cometer crimes – o que aconteceria com elevado grau de probabilidade.
Muñoz Conde, autor espanhol que proferiu várias conferências em Portugal, em debates promovidos pelo Ministério Público, tem criticado com vigor essa linha de pensamento. Tal linha terá influenciado soluções penais contra a imigração e as classes mais desfavorecidas, permitindo perseguições orientadas por perfis pessoais, modos de vida ou origem social. A crítica contesta o reforço desproporcionado da intervenção penal, numa fase em que se verificam meros sintomas de perigosidade futura.
Ora, o encarceramento de pessoas em função da sua perigosidade futura – para as impedir de cometer crimes durante o máximo tempo possível – deixa em aberto duas interrogações: a prisão por todo e qualquer delito dissuade ou, pelo contrário, amplia o comportamento desviante, devido à banalização e ao sentimento de injustiça que gera? E a intervenção penal antecipada dissuade ou, ao invés, fomenta a criminalidade violenta daqueles que sabem que tanto serão presos por um pequeno crime como por um crime mais grave?
Pela lógica das ‘broken windows’ o sistema penal não se deveria abster de punir num caso que me relataram: os autores de uma tentativa de carjacking desistiram por terem verificado que, entre as vítimas, estariam crianças adormecidas. Mas, assim, aumentar-se-ia o risco para as próprias vítimas e retirar-se-ia a ponte dourada de retorno à legalidade que é concedida pela impunidade.
Continuando a pensar da mesma maneira, talvez concluamos que Maria e José, ao se abrigarem num estábulo numa noite fria, se calhar sem autorização do proprietário, também ‘partiram janelas’ e revelaram um perfil perigoso. E, no entanto, séculos de História e de pensamento mostraram que era a sociedade hostil ou indiferente que necessitava de regeneração.
Este texto de Fernanda Palma diz tudo sobre a filosofia actual dos nossos penalistas que moldam as leis que temos: laxismo, tolerância à criminalidade e facilidades objectivas à prática de crimes de baixa densidade. E tudo isso, enroupado nas mais perfeitas teorias de Direito Penal moderno, com apoio de eminentes criminologistas, formados na dogmática penal mais refinada.
Citam-se no texto, autores estrangeiros como Muñoz Conde, um espanhol na moda. A teoria das janelas partidas, é outra das sociologias de bolso que servem para limpar as mãos à parede.
E a ideia básica, nem é, exactamente, a explicada pela professora, mas um pouco mais clara e directa: subúrbios que negligenciam pequenos sinais de abandono e desordem, abrem as portas ao crime mais grave.
Escrita num artigo da Atlantic monthly, de 1982, o exemplo para a teoria, vem daí, do facto de o crime nos subúrbios de Nova Iorque ter sofrido uma redução drástica, após certas medidas para consertar vidros partidos. Um chefe de polícia nova-iorquino decidiu dedicar atenção a uma dessas janelas, no caso, a dos que viajavam de borla nos transportes públicos. Uma maior atenção revelou que os borlistas, eram também suspeitos noutros crimes mais graves do que a simples burla para andar à borla. E as taxas de incidência criminal desceram drasticamente nesses anos, parecendo dar razão à teoria.
No entanto, um dos seus autores ( do artigo na Atlantic) James Q. Wilson, já dera há muito, ( há mais de oito anos) o palpite certo que os catedráticos de cá ainda parecem desconhecer: "É apenas uma teoria. Só Deus sabe se estará certa."
De facto, os politólogos e sociólogos , mais os criminologistas, já deram explicações diversas para o fenómeno e a teoria das janelas partidas, é apenas isso: uma teoria. Sabemos bem como nas ciências humanas, são falíveis, as teorias. Sabemos melhor que no campo económico, têm sido completamente aleatórias.
Pois na criminologia caseira que não há, pessoas como Fernanda Palma apostam com segurança, na teoria oposta: a das janelas partidas não serve. Para ela e quem a segue, é teoria celerada e comprovadamente errada. Porque lhe estraga o entendimento idiossincrático.
Assim, em sua substituição, propõem o que temos: nada de ondas contra essa pequena criminalidade de bairro. Nada de prisão preventiva para pequenos (?!) delitos. Até cinco anos, tudo cá fora, a gozar as delícias dos tansos que acreditam nas boas intenções de quem nada mais sabe fazer do que roubar, aldrabar, malandrar, estragar e prejudicar. Crédito amplo, à pequena criminalidade, em nome de um Humanismo assertoado a outras teorias de efeito contrário.
E se alguma coisa correr mal, os tribunais que se amolem.
Teorias, por exemplo, como as de Muñoz Conde, o criminologista espanhol descobridor da pólvora seca da teoria das janelas partidas. Quem é Muñoz Conde que encanta tanto os professores catedráticos de direito penal luso?
Pois, é seguidor dos alemães do costume e que também são os mestres de Figueiredo Dias e Costa Andrade: Mezger, Welzel, e Claus Roxin. Aliás, é amigo pessoal deste último. E as suas ideias sobre o direito penal, são simples de expor:
Yo creo que hay demasiado derecho penal para algunos tipos de delincuencia, y demasiado poco para otros tipos de delincuencia, que también lo son conforme al código penal vigente. Creo que sigue habiendo un derecho penal de la gente pobre para la gente pobre, un derecho penal para el yonqui, para el narcotraficante a pequeña escala, para los delincuentes contra la propiedad, lo que enlaza con el tema del narcotráfico a pequeña escala, la inmigración ilegal, etc., un derecho penal que desgraciadamente no cumple las garantías mínimas de respeto a derechos fundamentales, tanto en su persecución como en el cumplimiento de las penas. Ese derecho penal sigue siendo clasista y a mí me parece excesivamente duro y brutal, quizás porque es un derecho de defensa social frente a gente que no está integrada en la sociedad y que molesta y produce inseguridad ciudadana. Espero que no lleguemos a los niveles del nacionalsocialismo, pero ahí es donde se está reclamando más derecho penal. Yo pediría en cambio más asistencia social, más asistencia a los menesterosos, a los pobres, a los inmigrantes ilegales, más integración, y menos derecho penal y menos policía. Que la respuesta al aumento de la criminalidad sea un aumento en cinco mil efectivos de la plantilla de guardias civiles y policías, significa sencillamente más derecho penal. Eso lo critico.
En cambio, el derecho penal se debe también aplicar efectivamente a una criminalidad que está dentro del sistema, pervirtiéndolo, y que erosiona las pocas posibilidades de distribución de la riqueza que pueda tener el sistema capitalista. Delitos económicos, de acaparación, de especulación, delitos en el mercado de valores, y tantos otros que tienen el nombre genérico de delincuencia económica y delincuencia de cuello blanco. En este terreno, como en ámbitos empresariales y de criminalidad organizada, el derecho penal tiene que cumplir una función realmente preventiva y, si no hay más remedio, represiva. Si no nos ocupamos de ello, entonces estamos haciendo el juego, ocupándonos del hurto, del robo, de la delincuencia de los pobres que no tiene solución por vía penal, y vamos a seguir en una nube teórica sin que la menor efectividad práctica.
São estas as ideias modernas que enformam o pensamento de Fernanda Palma, Rui Pereira e outros que gizam o Direito Penal que temos? Talvez. Certamente, num aspecto: o da atenção despicienda à pequena criminalidade, por afastamento da teoria das janelas partidas, mesmo sem saber se a mesma pode ter alguma validade. Para eles, não tem e acabou-se. E por isso, desvalorizam todo o sentimento de impunidade e de delinquência totalmente á solta, da sociedade portuguesa actual. Eles, é que sabem. O povo, esse, como de costume, anda enganado porque nem sabe ler Muñoz Conde e muito menos os adorados alemães da dogmática penal.
Por outro lado, esquecem sempre o ensinamento verdadeiramente importante de Conde: é preciso um Direito Penal económico eficaz. Efectivo, preventivo e que permita evitar os escândalos que temos visto recentemente. Acompanhado de um processo penal que lhe sirva de ajuda real e não de subterfúgio legalista para a impunidade reinante.
Nunca vi Fernanda Palma escrever sobre isso. Prefere a teoria das janelas partidas.
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