Estas duas páginas do Correio da Manhã de ontem e de hoje mostram algo do que se costuma chamar "prova indirecta" no processo penal.
Quando determinados factos apresentam dificuldade extrema em se poderem provar com provas directas e imediatas, através de documentos ou factos irrefutáveis indesmentíveis e absolutos, o direito penal tem actualmente enveredado pelo recurso a essa prova indirecta para que a Justiça não seja uma miragem e os criminosos não se fiquem a rir daqueles que enganaram e prejudicaram.
No caso de José Sócrates parece que estaremos perante um conjunto de factos circunstanciais que provam indirectamente a corrupção, como apontou na última Sexta-Feira o director do Sol, assim em cinco pergunas a que se deveria acrescentar mais uma- porquê recorrer a emprestimos bancários se tinha acesso a empréstimos de um amigo e sem juros ou garantias especiais?
Para se contextualizar melhor e juridicamente esta noção de "prova indirecta" fica um pequeno excerto de um estudo de 2011, do Conselheiro Santos Cabral, do STJ, em que o mesmo aborda juridicamente esse problema, citando um acórdão de 2007 a propósito de um caso judiciário.
(...)
IV — A prova nem sempre é directa, de percepção imediata,
muitas vezes é baseada em indícios.
V — Indícios são as circunstâncias conhecidas e provadas
a partir das quais, mediante um raciocínio lógico, pelo método indutivo, se
obtém a conclusão, firme, segura e sólida de outro facto; a indução parte do
particular para o geral e, apesar de ser prova indirecta, tem a mesma força que
a testemunhal, a documental ou outra.
VI — A prova indiciária é suficiente para determinar a
participação no facto punível se da sentença constarem os factos-base
(requisito de ordem formal) e se os indícios estiverem completamente
demonstrados por prova directa (requisito de ordem material), os quais devem
ser de natureza inequivocamente acusatória, plurais, contemporâneos do facto a
provar e, sendo vários, estar inter-relacionados de modo a que reforcem o juízo
de inferência.
VII — O juízo de
inferência deve ser razoável, não arbitrário, absurdo ou infundado, e respeitar
a lógica da experiência e da vida; dos factos-base há-de derivar o elemento que
se pretende provar, existindo entre ambos um nexo preciso, directo, segundo as
regras da experiência.
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Partindo destes pressupostos e aplicando-os ao caso do recluso 44, mesmo com estas provas que têm vindo a ser publicadas, a propósito das movimentações da conta milionária de um amigo ( também preso) é possível descortinar um exemplo de manual para aplicação das regras da "prova indirecta" ao crime de corrupção, sem vergastar demasiado o princípio do in dubio pro reo.
É que há dúvidas que só as tem quem mesmo as quer ter...e por isso o melhor, no julgamento do dito, seria o MºPº pedir a constituição de tribunal de júri. Se for o povo escolhido à sorte a decidir da culpabilidade do recluso 44, a Justiça será aplicada em nome desse povo de modo mais consentâneo.
Será uma Justiça mais democrática.