Há 45 anos governava Marcello Caetano, seguidor da obra de Salazar e tributário de idênticos valores. Não obstante, o que se costuma designar por "ventos da História" que mais não é do que a evolução dos tempos, costumes e acontecimentos globais ou locais que alteram o curso do que seria a tradição, influenciou esse tempo de "evolução na continuidade", como Marcello apodou.
Nesse tempo havia esperança em algo melhor e que era palpável, mensurável e sentido. Hoje em dia não tenho tantas certezas disso.
Em 22.1.1971 a revista Vida Mundial publicou um artigo extenso sobre o futuro de Portugal. Esse futuro é agora um pretérito-mais-que- perfeito e vale a pena ler para perceber a clivagem fundamental entre o regime de Salazar, corporizado aqui nos seus seguidores mais fiéis, como Franco Nogueira e as novas ideias dos tais "ventos da História" que alguns entendem mais como "ventosidades" por não lhes agradar o cheiro, sequer.
A ideia fundamental que então se debatia era a de um Portugal ligar ao Ultramar ou religado a uma Europa onde sempre esteve, naturalmente, na geografia e geopolítica, por força disso.
Dum lado, o dos velhos do regime, estava Franco Nogueira que punha abertamente em causa, nessa altura, a ideia da nossa integração europeia, seguindo passos antigos de um Augusto de Castro que escrevera "somos uma nação atlântica e não europeia e teríamos já morrido como Pátria se o não fôssemos" considerando que " sempre tenhamos vivido de costas voltadas para a Europa" .
Do outro lado, os chamados jovens turcos do regime que Marcello Caetano chamara para mudar de ares e deixar entrar um pouco daquele vento no bafio da época. Pinto Leite era uma dessas figuras, porventura a mais relevante e que acabou por morrer na Guiné, num acidente de aviação.
Disse então que "tal como o presidente do Conselho não era daqueles que pensavam que a Metrópole não pudesse subsistir sem o Ultramar, referindo-se à aproximação e à colaboração com a Europa". Pinto Leite, como Rogério Martins e outros, pretendiam integrar Portugal na Europa de modo mais consequente do que até então. Aqueles pretendiam o contrário e desconfiavam da Europa.
Quem tinha razão?
Atendendo à evolução posterior que os acontecimentos de 1974 e 1975 deram uma dimensão e relevo extraordinários e mesmo revolucionários, a ideia de integração na Europa fez vencimento. Porém, o modo como tal ocorreu, em meados da década de oitenta foi já em desespero de causas, principalmente económicas.
Quinze anos antes a integração era entendida como uma medida política de fundo para dela aproveitarmos o que melhor poderíamos fazer. Tal como um Reino Unido o fez e faz. Na década de oitenta tal foi entendido como uma necessidade estrita para nos aguentarmos economicamente, com a a ajuda e de chapéu estendido permanentemente desde então.
Este panorama nacional é radicalmente diverso do que vivíamos em 1971 e as causas são sempre as mesmas: a Esquerda e o comunismo-socialismo que nos governaram desde então, nas ideias e até na Economia, após as nacionalizações maciças de 1975.
O resultado desse efeito do comunismo-socialismo, passado nem sequer meia dúzia de anos, foi este que dava conta O Jornal de 9.7.1976. Talvez o melhor exemplo recente deste fenómeno seja o da Venezuela, mas acho que a maioria dos portugueses não entende isto. Se entendesse, não haveria esta união de esquerda que temos...
Para se ver melhor a diferença de perspectivas, em 1978 o semanário O Jornal organizou e patrocinou uma série de conferências com políticos de então, os mais representativos da agora democracia, com exclusão de qualquer participante que defendesse as ideias de Franco Nogueira, entendidas simplesmente como fascistas e com esse caso assim arrumado sumariamente, desde 1974.
A mentalidade dominante passou a ser esta aqui bem explicada pelo director do Jornal, um socialista moderado, apoiante de Eanes:
A democracia passou a ser um fim em si mesma, a economia do país quase um adereço e assim vivemos muitos anos, com estes mitos e lêndias do costume de sempre. Há 45 anos isto era impensável, inimaginável e absolutamente dispensável.
O resultado de termos cometido colectivamente o erro monumental em 1974-1975 de termos dado crédito à Esquerda comunista e socialista, ainda marxista, foi a desgraça económica de três quase bancarrotas e um atraso endémico em relação à tal Europa, para quem olhávemos então, em 1971 com uns olhos cuja dignidade perdemos colectivamente.
Era sobre isto que gostaria de ver os actuais candidatos à presidência da República falarem. Não porque ache que a esmagadora maioria deles perceba sequer estes fenómenos do modo enunciado, mas há um que percebe: MRS. Esteve em todas...
Nos recortes abaixo colocados falta a comunicação de Álvaro Cunhal, mas seguirá dentro de momentos, depois desta pequena interrupção.
E tal como prometido, aqui fica o relato das conferências de O Jornal, de Junho-Julho de 1978, incluindo a de Cunhal e algumas páginas do suplemento Periscópio que mostravam alguma da assistência às conferências.
Os políticos actuais com mais de 60 anos lembram-se certamente muito bem e alguns até participaram nos eventos.
O que é mais curioso é a comparação entre o que se passava há 45 anos, em 1971 e o que sucedeu meia dúzia de anos depois. Parece outro Portugal e é mesmo. Aparentemente mais rico, mas realmente muito mais pobre. Económica, cultural e até civicamente, o que pode parecer paradoxal mas não é, no meu modesto entender.