sábado, setembro 29, 2018

A escolha aleatória do juiz "calhou-me a mim"...

Ontem decorreu a escolha de um juiz de instrução, num universo de dois, para titular do processo Marquês nessa fase processual.

O Observador publicou imagens do sorteio e por azar o programa informático no famigerado Citius falhou mais que uma vez até acertar no nome do juiz a quem calhou: "calhou-me a mim", disse o mesmo na hora e é assim que vai passar a ser conhecido, aqui.

A pergunta que se deve colocar a propósito dessa gaffe informática é saber se foi mesmo  isso e outra a juzante: se fosse escolhido o outro juiz que estava na lista e o programa desse erro repetido, o que diriam e fariam aqueles que se congratularam imediatamente com o sorteio do juiz "calhou-me a mim"?

A propósito do assunto um comentador ( Mário Figueiredo) do blog Blasfémias colocou este comentário esclarecedor num postal de Cristina Miranda:

(1)
Ao que me foi dado apurar, os erros foram três erros de comunicação e não erros de sistema. Uma vez que o programa precisa de gerar um nome e comunicar tal nome em tempo real para um qualquer servidor do Ministério, é perfeitamente aceitável que o sistema se recuse a revelar o nome sorteado se não existir possibilidades de comunicar com o servidor e obrigue a novo sorteio para evitar que essa informação pudesse ficar armazenada no computador local e ser alvo de tampering antes de ser enviada para o servidor. É preciso lembrar que o sistema não foi concebido para ter pessoas na sala a validarem o resultado visualmente. É um sistema machine-to-machine (M2M) pelo que é a ausência de comunicação e não de validação visual, que determina se é necessário novo sorteio. Mesmo se o nome estiver a ser gerado no servidor.

(2)
A ideia que informáticos são chamados a alterarem ou configurarem um programa do ministério da justiça para selecção de um juiz tem graves problemas de concepção. Em primeiro lugar, teorias da conspiração sofrem sempre da dificuldade em explicarem como se consegue esconder um acto que necessariamente tem de ser do conhecimento de inúmeras pessoas. Em segundo lugar, estas teorias giram sempre à volta do facto que impossível provar uma negação, pelo que são desonestas e devem ser liminarmente descartadas, Em terceiro lugar, no caso em concreto, isso implica a existência de um software que é mission-critical e domain-critical, que no entanto é fácil de alterar ou configurar parâmetros com elevado nível de segurança. Software esse que tem passado por vários governos de diferentes cores partidárias sem que ninguém dissesse nada.
(3)
É sempre possível que tenha havido marosca. Podemos até desconfiar que houve marosca. Afinal vivemos num período de vida no nosso país em que a confiança nas instituições do estado é praticamente inexistente. Podemos inclusivamente agradecer ao ao actual Presidente da República por ainda na semana passada ter dado mais uma machadada nessa confiança. Mas atropelarmos o que de melhor temos sobre a esquerda — que é a procura constante da verdade, a observância escrupulosa das regras básicas da dialéctica, e a justiça e bondade dos nosso princípios — por uma verborreia conspiratória é que não.
(4)
Existem outros temas que se podem abordar neste imenso e triste circo que foi a semana passada, sem para isso nos esquecermos de quem somos e o que defendemos:

— Os computadores são incapazes de gerar números aleatórios. Todos os algoritmos existentes (incluindo os melhores usados nos casinos) são deterministas e é sempre possível, com muita ou pouca dificuldade dependendo do conhecimento que se tem do algoritmo adivinhar o próximo resultado ou recriar um resultado anterior. É por esta razão que os algoritmos geradores de números aleatórios nos computadores são chamados de pseudo-random number generators, ou PRNGs. A natureza e importância de um acto desta natureza em que está inclusivamente em causa a liberdade ou prisão de um cidadão não poderia nunca ser determinada por um computador. Isto é uma aberração! Ainda para mais quando dois papelinhos num chapéu fazem o trabalho de forma exemplar e puramente aleatória. Aliás não tenho dúvida alguma que os advogados dos arguidos teriam tentado impugnar esta decisão do computador caso ela tivesse sido contrária aos seus interesses. Ainda para mais depois dos tais erros de comunicação.

— Correr um PRNG é um sorteio opaco, não transparente. Mas que parvoice do Ministério tentar vir dizer o contrário! Não existe nenhuma razão técnica para não se usarem papelinhos como hoje se faz ainda no totalmente informatizado mundo do futebol internacional e onde milhões de euros estão em jogo. O Ministério da Justiça não pode argumentar que lá porque tem jornalistas no local a olhar para um computador correr um programa que não podem ver ou investigar o código-fonte que existe aqui alguma transparência. Para todos os efeitos, o processo foi precisamente o mesmo de se ter feito a coisa à porta fechada.




Sem comentários:

Megaprocessos...quem os quer?