sábado, setembro 29, 2018

A suspensão das penas de prisão nos crimes sexuais


Espanta-me sempre um pouco quando leio pessoas que respeito escreverem coisas destas com esta leveza de crónica de jornal. Já a mulher- a professora de Direito Penal, Fernanda Palma- o fazia amiúde no mesmo jornal, em tempos que já lá vão e que lamento tenha deixado de fazer.


Rui Pereira sabe o que é e o que significa uma suspensão de execução de uma pena de prisão. Não ignora esta doutrina do professor Figueiredo Dias, adoptada aliás pelo STJ, ainda em 2012:

A suspensão da execução da pena supõe , enquanto medida pedagógica e de reabilitação do condenado , que o tribunal , no momento da condenação , o tribunal esteja em condições de emitir um juízo de prognose favorável , ou seja de que a simples censura do facto e a ameaça da execução da pena( art.º 50.º n.º n.º 1 , do CP) o afastarão da prática , no futuro , da criminalidade , funcionando como prevenção da reincidência , ao qual “ não bastará nunca a consideração ou só da personalidade ou só das circunstâncias do facto , sendo de atender especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto –CFr. Prof. Figueiredo Dias , in Direito Penal Português –As Consequências Jurídicas do Crime , § 518 .
Portanto, a suspensão da pena não tem a ver com culpa, média ou grave e Rui Pereira atira para aí, ao lado, na crónica acima. Tirado do sítio citado:

Adverte ainda o citado Professor - § 520, p. 344 - que apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável - à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização -, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem «as necessidades de reprovação e prevenção do crime».
Reafirma que «estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita - mas por elas se limita sempre - o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto em causa».
Assim, compreender-se-ia que as críticas ao acórdão tivessem por base essa consideração sobre a prevenção geral e as tais "exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico".

Rui Pereira defende que nos crimes sexuais não deve haver penas suspensas. É um entendimento que respeito se devidamente fundamentado.

Na ausência disso, fica a Rui Pereira o papel de Komentador Geral da República, com a coorte dos que pululam por aí num populismo evidente.

O que me parece ser urgente discutir publicamente, mas não em sede de KGR que já vimos estar infestada pelo pior populismo ambiente acolitado por uma alargado konselho konsultivo de komentadores arreigados a causas e sindicalizados na APAV, é a legitimidade dos tribunais em aplicar justiça nos casos concretos e precisos que lhes são colocados para julgar. E admitir por isso entendimentos diversos sobre as questões propostas, mormente sobre a possibilidade de suspensão de execução de pena em crimes sexuais.

Defender o contrário em crónica de jornal é alinhar nesse mesmo populismo.

Em 5.11.2017 escrevi aqui isto, a propósito de uma entrevista de Figueiredo Dias, uns anos antes. O Mestre do nosso Direito Penal dizia assim em 1997, sobre a legitimação da justiça aplicada pelos juízes:

"O que é que do ponto de vista do Estado de direito legitima o acto, por exemplo, de mandar uma pessoa para a prisão? É um diploma passado pela minha faculdade? Não é. É uma autorização que recebem depois de terem frequentado o CEJ ou um curso de formação de magistrados? Não é.
Será que temos de ir para o modelo de inspiração norte-americana que é de todos os agentes que tem esse poder serem eleitos? Isto, de facto, dá uma legitimação, mas tenho dúvidas que esse seja o melhor caminho. O que não dá de certeza legitimação é o diploma da faculdade de Direito ou a frequência de um curso. Para mim isso é que está ligado à verdadeira crise da Justiça neste fim de milénio. "

Figueiredo Dias não dá a resposta à questão, mas ninguém a deu nestes últimos 18 anos...e isso é que se torna grave porque tal permite o populismo que anda à solta e que seja o Conselho Superior da Magistratura, um órgão administrativo e pejado de ideologia político-partidária a conferir o lamiré da legitimidade aos juízes.


A entrevista em papel do jornal O Diabo de 24 de Junho de 1997 ( quando Rui Pererira era director do SIS...):




E em 12.1.1999 ( continuava Rui Pereira como director do SIS, como bom mação que é):

 


Sobre Rui Pereira e num contexto de substituição do então PGR Souto Moura escrevi aqui isto, em Setembro de 2007:

Do que se fica a saber, em resumo e para o que interessa, é que Abel Pinheiro é amigo do peito de Rui Pereira. Abel Pinheiro, conseguiu o apoio de Sócrates para colocar Rui Pereira, no lugar do PGR Souto Moura, antes de este acabar o mandato, através destas pequenas amizades caseiras com Paulo Portas. Este, como amigo do tal Abel Pinheiro, aparece muito mal neste retrato e pode arrumar as botas de paladino da transparência.

Os três, Sócrates, Pinheiro e Portas, conspiraram para convencer Jorge Sampaio, então PR, a colocar na PGR, Rui Pereira, logo, logo, o que implicaria a demissão de Souto Moura. É isto admissível, em democracia?

Abel Pereira era amigo e peito e da Maçonaria e Rui Pereira na sua crónica no CM deveria colocar essa tarjeta identificadora. Porque é relevante e só por isso.


Em 15 de Fevereiro de 2004 publiquei aqui este postal, sobre o assunto da prisão e da sua função. Ainda hoje se pode ler porque não perdeu actualidade:

O Público de hoje, destaca cinco páginas de escrita sobre as cadeias e fatalmente refere uma palavra e um conceito caro a certas elites: ressocialização!

Perante uma estatística que contabiliza em mais de 50% o número de reincidentes, o incómodo de quem pensa e manda é notório e é assim que deve ser.
Uma tese de doutoramento de Fernando Barbosa, da Fac. de Psicologia da Universidade do Porto, investigou o assunto e o autor propõe soluções, mostra algumas incoerências sistemáticas e apita para quem deve ouvir os recados: “a cadeia não está a cumprir o seu papel ressocializador”.
Indo um pouco mais além, qual Buzz Lightyear, em vista do horizonte deste écran, o copista pergunta:
faz sentido a filosofia ressocializadora do Código Penal actual e que temos há vinte anos?
Se alguma coisa ou alguém, em Portugal, pode simbolizar a ideia de elite, essa coisa é o Código Penal de 1982 e esse alguém, as pessoas que o pensaram e o elaboraram. Quanto ao pensamento, não há mistério: a introdução do diploma diz quem foi e quando foi. Eduardo Correia, de Coimbra, é o seu nome e as ideias são dos anos sessenta. A ideia do Código na parte geral, designa-se como ”correspondendo a uma visão unitária, coerente, marcadamente humanista e em muitos aspectos profundamente inovadora.” Não envergonham ninguém, estes desígnios.
O projecto foi devidamente mastigado e ruminado durante anos de governos e comissões - e disso dá conta essa Introdução.
Não foi mais uma lei experimental lançada às feras dos diários da república que se alimentam de papel como como as locomotivas a carvão: em fornalha intensiva, como tem acontecido nos últimos anos de fona legislativa.
Nos anos oitenta, uma nova Comissão presidida por Figueiredo Dias lançou a obra mestra do nosso direito penal, seguindo os ensinamentos daquele mestre , com ajuda de outros, entre os quais Cunha Rodrigues, personagem incontornável nestas coisas da justiça das últimas décadas.
Quem se der ao trabalho de ler essa Introdução ao Código Penal, há-de reparar que entre “mediações axiológicas”, menções explícitas a votações no Parlamento alemão(!), referências à culpa como medida da pena e a uma prevenção geral e especial, a peregrinação chega à ideia de que os delinquentes devem ser para recuperar!
“ A prevenção especial só pode ganhar sentido e eficácia se houver uma participação real, dialogante e efectiva do delinquente. E esta só se consegue fazendo apelo à sua total autonomia, liberdade e responsabilidade” .
Até para um copista, esta leitura é penosa, mas a verdade é que esta filosofia de vida não se fica por aqui...
“Verifica-se a assunção conscienciosa daquilo a que a nova sociologia do comportamento designa por desdramatização do ritual e obrigam-se as instâncias de execução da pena privativa de liberdade a serem co-responsáveis do êxito ou do fracasso reeducativo ou ressocializador. Pensa-se ser esta uma das formas que mais eficazmente pode levar à reintegração do delinquente na sociedade.”
Mesmo contando com a aparência elíptica deste escrito, com um pequeno esforço interpretativo toda a gente lhe capta a semântica, a sua origem e destino.
E melhor ainda se percebe quando o Prof. Faria Costa, recentemente e sem elipses, disse com um sentido muito chão das realidades que a ideia de ressocialização do Código Penal tinha falhado, provavelmente adivinhando estas investigações e lendo estatísticas recentes.
Antes, já o próprio Figueiredo Dias tinha confessado publicamente a sua ingenuidademadura, a propósito das soluções inovadoras vindas directamente da tecnologia do pensamento alemão. E muito antes também, já tinha amargurado a incompreensão da plebe perante ideias tão avançadas.
E acha o copista que ainda vai amargar mais, designadamente quando a plebe se aperceber duma solução tão engenhosa como perfeita, conseguida por outra Comissão dirigida pela mesma elite e que se pode ler no artigo 355º do Código de Processo Penal.
Em poucas palavrinhas, mandam-se às malvas muitos actos do Inquérito, obrigando a que toda a prova se faça na audiência de julgamento! As consequências, particularmente em processos penais onde a prova assenta em testemunhos, ainda se irão ver de forma mais nítida, agora, nesta vertigem processualística.
Assim, resumindo e na linguagem tradicionalmente campónia, aquela elite coimbrã deu pérolas a... portugueses executivos!
Porém, aqueles dois eméritos professores fazem parte do gotha do Direito de Coimbra que nos impingiu aquelas ideias que agora denunciam como falhadas, com a agravante de atribuírem a desgraça a outros, particularmente os aplicadores dessas brilhantes ideias.
Essa escola de Direito de Coimbra, é uma verdadeira elite no sentido tradicional do termo. É um escol, de grupo reservado e atencioso aos mestres das lentes.
É coerente nos escritos e age em conformidade quando lhes pedem pareceres ou opinião.
Os lentes são um punhado fechado que não larga mão das cadeiras mestras. Não saiem dali, encafuados que estão em gabinetes de tectos altos e janelas que já foram medievais e a bem dizer fazem bem, porque o ambiente, sendo de catacumba, tem bons respiradouros nas bibliotecas. Quem se respalda nos sofás de couro dos corredores, sente o saber fluir dos cartazes que anunciam cursos de pós-graduação, à semelhança das pancartas anunciadoras da última novidade da Colgate-Palmolive num qualquer supermercado de pingo doce.
Aliás, pressente-se que o objectivo marketinesco é o mesmo: vender um produto e isso eles aprenderam depressa!
Os catedráticos em Direito não abundam, em Coimbra ou em qualquer outro lado, por razões misteriosas e já em tempos analisadas por Vasco Pulido Valente, num escrito de Junho de 1989!
Uma frase resume todo um programa elitista...
“A Faculdade , ou seja, de facto, o pequeno grupo que tradicionalmente a explora e dirige, tem um só propósito: o de se perpetuar.”

Curiosamente, como copista, lembro agora que um dos catedrático da dita cuja é Vital Moreira e nunca se viu um escrito seu, singelo que fosse, sobre o assunto.
Sobra-lhe tempo para descascar o corporativismo de juízes; ferve-lhe o sangue se lhe cheira a sotaina por perto ou em grupo; contudo, sobre esta elite a que pertence e dá corpo, nunca lhe foi detectada a publicação de escrito esclarecedor... particularmente sobre esse fenómeno estatístico da carência de titulares de cátedra em Direito.
Se o lente ler isto, o copista sugere que rebata e adocique afirmação amarga daquele Valente, Pulido, no mesmo artigo e que dizia que

“...os académicos portugueses pretendem, na sua maioria, apenas tomar de assalto uma prateleira do orçamento e arrumar-se e arrumar os parentes e protegidos. O ideal de professor continua a ser o Padrinho e a troca de serviços, curriculares e outros, o principal critério científico.”
Perante o exposto, será o escol de Coimbra uma das poucas elites existentes e resistentes que ainda temos?!
A resposta será tentada numa próxima ocasião.
Adenda copiada

Neste local sereno se poderá encontrar o resume de todas as teses de doutoramento apresentadas à Universidade de Coimbra, desde 1988. Direito tem 32!
Seria interessante conhecer as de Lisboa.

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