O Público de hoje traz dois artigos sobre o futuro da PGR. Um é do cronista "da direita" que detesta Salazar e joga damas com os bloqueiros trotskistas, João Miguel Tavares que sabe tudo, como é próprio de komentador que leva a vida naquilo. Anda há meses a pugnar pela recondução no cargo da actual PGR só porque lhe parece que assim é que o MºPº continuará no bom caminho.
O segundo é uma "caixa" na notícia sobre a fase de instrução do processo Marquês. Diga-se antes do mais que a fase de instrução em qualquer processo penal é dirigida por um juiz. Ou seja, o MºPº está lá para o que der e vier na defesa da legalidade mas não orienta o processo. Parece que o jornalismo especializado não percebe isto que é básico.
Ao longo de mais de uma dúzia de anos já escrevi tantas vezes sobre o MºPº e o PGR que julgo ter dito o essencial daquilo que penso da instituição que conheço relativamente bem, incluindo o que desconheço e suspeito pelas aparências iniludíveis e inequívocas.
Ora é precisamente neste nível que se apresenta o problema da recondução de Joana Marques Vidal, actual PGR. Já escrevi que não deveria continuar e não mudei de ideias, embora deva explicar melhor as razões para tal, admitindo ao mesmo tempo que possa estar enganado e que esta PGR continuará a manter os elevados standards de prestação pessoal no essencial da função, a que nos habituou nestes anos passados.
Para mim o principal problema de Joana Marques Vidal é o de ser demasiadamente "par" dos magistrados que dirige e não ter suficiente formação cultural e pensamento próprio e estimulante sobre a instituição que dirige. Tendo indubitavelmente as características próprias de magistrado- a probidade e seriedade na actuação- o que aliás partilha com o antigo PGR Souto Moura, carece a meu ver da suficiente segurança intelectual para se impor como referência a seguir nessa liderança, indicando rumos e mostrando pensamento a propósito. A sua retracção e reserva nas intervenções públicas quando aparece o microfone agressivo dos repórteres, deve-se mais ao receio de se expôr do que à qualidade inerente de quem tem a segurança expositiva de um Cunha Rodrigues. Não se exigindo esta excepcionalidade, também um PGR se não deve contentar com aquela exiguidade de pensamento que remete tudo para a "Lei". Isso é próprio do jacobinismo que não deve abonar ninguém.
Não obstante, para se entender melhor as razões de reserva, devo explicar até a mim mesmo porque penso assim. E tal só com o fundamento devido e que todos podem perceber.
Tal obrigará a vários postais e repescagem de escritos antigos, ainda úteis no meu entender.
Há dois textos de 2010 em que se equacionavam estes problemas a propósito de declarações de magistrados com responsabilidades. As primeiras eram do próprio PGR da época, Pinto Monteiro, demasiado vilipendiado jornalisticamente pelas razões erradas, a meu ver ( tal como fizeram com Cunha Rodrigues e Souto Moura e frequentemente os mesmos escribas...)
Assim:
Este texto já tem dez anos (3.8.2010), mas serve para o que quero dizer a seguir sobre os poderes do Ministério Público e os do PGR em concreto, mai-los poderes que delega no vice-PGR...
O PGR Pinto Monteiro disse numa entrevista ao DN de hoje algo que não é inédito, pois que já se havia pronunciado de modo equívoco logo no início do mandato, sobre os "condes, duques e marquesas" do M.P. Poucos entenderam precisamente o que quis dizer, mas hoje complementou bem ao dizer que "é absolutamente necessário que o poder político (seja qual for o governo e sejam quais forem as oposições) decida se pretende um Ministério Público autónomo, mas com uma hierarquia a funcionar, ou se prefere o actual simulacro de hierarquia em que o procurador-geral da República, como já vem sido dito, tem os poderes da Rainha de Inglaterra e os procuradores-gerais distritais são atacados sempre que pretendem impor a hierarquia."
O segundo é uma "caixa" na notícia sobre a fase de instrução do processo Marquês. Diga-se antes do mais que a fase de instrução em qualquer processo penal é dirigida por um juiz. Ou seja, o MºPº está lá para o que der e vier na defesa da legalidade mas não orienta o processo. Parece que o jornalismo especializado não percebe isto que é básico.
Ao longo de mais de uma dúzia de anos já escrevi tantas vezes sobre o MºPº e o PGR que julgo ter dito o essencial daquilo que penso da instituição que conheço relativamente bem, incluindo o que desconheço e suspeito pelas aparências iniludíveis e inequívocas.
Ora é precisamente neste nível que se apresenta o problema da recondução de Joana Marques Vidal, actual PGR. Já escrevi que não deveria continuar e não mudei de ideias, embora deva explicar melhor as razões para tal, admitindo ao mesmo tempo que possa estar enganado e que esta PGR continuará a manter os elevados standards de prestação pessoal no essencial da função, a que nos habituou nestes anos passados.
Para mim o principal problema de Joana Marques Vidal é o de ser demasiadamente "par" dos magistrados que dirige e não ter suficiente formação cultural e pensamento próprio e estimulante sobre a instituição que dirige. Tendo indubitavelmente as características próprias de magistrado- a probidade e seriedade na actuação- o que aliás partilha com o antigo PGR Souto Moura, carece a meu ver da suficiente segurança intelectual para se impor como referência a seguir nessa liderança, indicando rumos e mostrando pensamento a propósito. A sua retracção e reserva nas intervenções públicas quando aparece o microfone agressivo dos repórteres, deve-se mais ao receio de se expôr do que à qualidade inerente de quem tem a segurança expositiva de um Cunha Rodrigues. Não se exigindo esta excepcionalidade, também um PGR se não deve contentar com aquela exiguidade de pensamento que remete tudo para a "Lei". Isso é próprio do jacobinismo que não deve abonar ninguém.
Não obstante, para se entender melhor as razões de reserva, devo explicar até a mim mesmo porque penso assim. E tal só com o fundamento devido e que todos podem perceber.
Tal obrigará a vários postais e repescagem de escritos antigos, ainda úteis no meu entender.
Há dois textos de 2010 em que se equacionavam estes problemas a propósito de declarações de magistrados com responsabilidades. As primeiras eram do próprio PGR da época, Pinto Monteiro, demasiado vilipendiado jornalisticamente pelas razões erradas, a meu ver ( tal como fizeram com Cunha Rodrigues e Souto Moura e frequentemente os mesmos escribas...)
Assim:
Este texto já tem dez anos (3.8.2010), mas serve para o que quero dizer a seguir sobre os poderes do Ministério Público e os do PGR em concreto, mai-los poderes que delega no vice-PGR...
O PGR Pinto Monteiro disse numa entrevista ao DN de hoje algo que não é inédito, pois que já se havia pronunciado de modo equívoco logo no início do mandato, sobre os "condes, duques e marquesas" do M.P. Poucos entenderam precisamente o que quis dizer, mas hoje complementou bem ao dizer que "é absolutamente necessário que o poder político (seja qual for o governo e sejam quais forem as oposições) decida se pretende um Ministério Público autónomo, mas com uma hierarquia a funcionar, ou se prefere o actual simulacro de hierarquia em que o procurador-geral da República, como já vem sido dito, tem os poderes da Rainha de Inglaterra e os procuradores-gerais distritais são atacados sempre que pretendem impor a hierarquia."
Com estas declarações, o PGR Pinto Monteiro não tem quaisquer condições para continuar no cargo porque não acredita no MP, como pelos vistos nunca acreditou. Acredita no poder político. E por isso apela ao mesmo para modificar estas normas do estatuto do MºPº:
Artigo 75.º
Paralelismo em relação à magistratura judicial
1 |
2 - Nas audiências e actos oficiais a que presidam magistrados judiciais, os do Ministério Público que sirvam junto do mesmo tribunal tomam lugar à sua direita.
Artigo 76.º
Estatuto
2 - A responsabilidade consiste em responderem, nos termos da lei, pelo cumprimento dos seus deveres e pela observância das directivas, ordens e instruções que receberem.
3 - A hierarquia consiste na subordinação dos magistrados aos de grau superior, nos termos da presente lei, e na consequente obrigação de acatamento por aqueles das directivas, ordens e instruções recebidas, sem prejuízo do disposto nos Artigos 79.º e 80.º
Artigo 79.º
Limite aos poderes directivos
2 - Os magistrados do Ministério Público devem recusar o cumprimento de directivas, ordens e instruções ilegais e podem recusá-lo com fundamento em grave violação da sua consciência jurídica.
3 - A recusa faz-se por escrito, precedendo representação das razões invocadas.
4 - No caso previsto nos números anteriores, o magistrado que tiver emitido a directiva, ordem ou instrução pode avocar o procedimento ou distribuí-lo a outro magistrado.
5 - Não podem ser objecto de recusa:
a) As decisões proferidas por via hierárquica nos termos da lei de processo;
b) As directivas, ordens e instruções emitidas pelo Procurador-Geral da República, salvo com fundamento em ilegalidade.
6 - O exercício injustificado da faculdade de recusa constitui falta disciplinar.
O que quererá dizer o PGR com a expressão hierarquia a funcionar? Que a mesma actualmente não funciona ou que o modelo não lhe serve? Provavelmente esta última opção, mas é preciso que explique melhor e principalmente porque o pretende.
O Estatuto do MP, prevê a intervenção hierárquica nos termos expostos e que não se confundem com a intervenção de um qualquer director-geral ou funcionário superior de ministério. O Ministério Público é uma magistratura, "paralela à judicial" e isso tem de ser interiorizado devidamente pelo PGR. Por um qualquer PGR.
O anterior PGR Cunha Rodrigues tinha respeito efectivo pelos magistrados que dirigia, nos termos precisamente expostos. Nunca disse coisas espantosas como este PGR agora disse, estes dias. Coisas inadmissíveis e intoleráveis para um PGR em relação a magistrados do MP em funções. Cunha Rodrigues defendia esta autonomia do MP porque sabia ser a melhor e que oferecia maiores garantias de objectividade, isenção e respeito do princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei. Mesmo no caso do fax de Macau, não se assistiu a este despautério.
Um magistrado da primeira instância do MP, como são os do Freeport ou da Face Oculta têm tantos poderes como os magistrados do STJ, com uma diferença: cada um na sua instância. Se o PGR quiser alterar ou modificar a atitude dos magistrados da primeira instância, deve explicar porquê através de instruções escritas. E se a hierarquia intermédia quiser intervir directamente num processo tem um meio idóneo: avoca o processo ao magistrado titular. E percebe-se bem porquê: seria inadmissível que o PGR ou outro superior hierárquico no MP dessem ordens verbais, informais e exigissem comportamentos ao magistrados nas instâncias inferiores que estes repudiassem moral ou eticamente. Estas regras de procedimento hierárquico existem para proteger os cidadãos do arbítrio do MºPº e do abuso de poder através da denegação de justiça efectiva e prática e nesse caso insindicável. Estes problemas só se colocam quando os elementos do poder político são incomodados e isso deveria fazer reflectir o povo em geral e os jornalistas em particular.
A autonomia interna do MºPº tem um sentido e uma função: assegurar que os magistrados não sejam pressionados pela hierarquia, indevidamente. É um velho problema e que parece que Pinto Monteiro não quer entender ou prefere olvidar.
Se é isso que o PGR pretende que o diga claramente, porque o seu discurso deixou de fazer sentido. Mesmo político.
Além disso, Pinto Monteiro decidiu o caso do expediente do Face Oculta, com as escutas fortuitas ao primeiro-ministro, do modo como decidiu e de acordo com as competências que a lei lhe confere nesse caso singular: sózinho, sem dar cavaco a ninguém, mesmo à Assembleia da República, quando esta lhe pediu a cópia do despacho administrativo que proferiu num expediente que nem inquérito era. Se isso não é ter poder, não sei o que seja ter poder. Efectivo e real. Sem delegação nem sindicância.
Depois, ainda de 2010 um comentário a um texto num blog de um PGD entretanto jubilado e que foi director da PJ. Alípio Ribeiro escrevia coisas interessantes e por vezes crípticas, como esta:
Daqui, este excerto sobre o Ministério Público que temos:
“O Ministério Público encontra-se num beco sem saída.” A opinião deste Procurador-geral adjunto (actualmente, inspector do MP) está expressa no seu blogue pessoal http: / /outrosdireitos.blogspot.com. Para Alípio Ribeiro, ninguém empurrou esta magistratura para o tal beco, mas ela “caminhou para lá, alegremente, entre ditos e mexericos”.
Para Alípio Ribeiro, a solução para crise no MP está na própria hierarquia: “Enquanto não for assumida e não for compreendido que a tão proclamada autonomia é o resultado daquela, [o MP] continuará a ser um rosto sem voz e uma estrutura sem propósito”.
Confesso não entender este entendimento do MP. Ainda para mais, exarado por um distinto magistrado que não assina como tal ( nem poderia ou deveria, no meu modesto entender) e por isso argumentarei com Alípio Ribeiro num plano de relativa igualdade blogueira, até porque o mesmo pode facilmente saber quem sou ( não me escondo num nick manhoso nem asseguro que estou em colectivo...).
Assim, o que significa um MP como "um rosto sem voz e uma estrutura sem propósito"?
Todos sabem ou podem saber o que o MP português é. Para poupar tempo e esforço a quem quiser actualização de conhecimentos, cito um dos escultores desse rosto e estrutura:
Figueiredo Dias, que teoricamente detém uma autoridade inquestionável, dizia há uns anos atrás: " não existe outro modelo de ministério público que sobreleve em vantagens ou sequer iguale, o adoptado pelo processo penal português".
Em 1999, numa entrevista ao O Diabo, dizia: “Do meu ponto de vista, o modelo de repartição de competências entre os magistrados judiciais e o ministério público é o melhor que se pode ter , é o que eu defendo. Como é o modelo do relacionamento entre o MP e as polícias.”
Perante este modelo de MP, o que será a falta de voz? A ausência de explicações adequadas de despachos de arquivamento ou acusação, proferidos pelos seus magistrados e estruturas dirigentes particulares, como o DIAP e o DCIAP?
E quem é o rosto actual do MP? Um rosto tipo Jano, com dupla face, num lado o PGR e do outro todo o MP de base? Ou a multifaceta própria de um organismo colectivo com diversas figuras de proa que dantes, no ancien régime, se assumiam como duques, marquesas e condes?
Mais ainda: o que é uma "estrutura sem propósito"? Não entendo de todo porque o propósito está de tal modo definido que a estrutura não lhe pode fugir. O MP exerce a acção penal, em exclusivo e representa por vezes o Estado ( quando este lhe pede ou por feição própria) e ainda outros propósitos como a defesa de interesses de incapazes e interesses difusos, cada vez mais alargados porque até as empresas públicas lhe podem pedir representação.
Perante esta realidade que Alípio Ribeiro não ignora, resta o outro problema elencado no pequeno postal sucinto: a hierarquia e o seu exercício que condiciona a autonomia.
Como deveria ser o exercício hierárquico para evitar o efeito deletério em relação à autonomia?
Sabemos que o MP é um órgão cujo PGR exerce o poder que a lei lhe confere, em autocracia. O PGR não responde perante nenhum outro órgão do MP e depende do Governo que o escolhe e indica ao presidente da República.
Para além disso, a lei, no estatuto do MP, confere a cada um dos escalões de magistrados que exercem na primeira, segunda e última instância, poderes próprios de uma autonomia que os define como são: magistrados, sujeitos à lei e cujas ordens de superiores só actuam no âmbito de processos e segundo regras prè-definidas legalmente.
Um superior hierárquico se entender que o trabalho concreto de um subordinado hierarquicamente não é o que deveria ser, tem uma de duas opções: ou avoca o processo concreto, explicando por que o faz e assume a responsabilidade de o despachar; ou participa factos susceptíveis de apreciação disciplinar, ao respectivo conselho superior.
Além disso, o magistrado de base, está sujeito a inspecções periódicas pelos inspectores de carreira no MP. Será que isto precisa de mudança, para tornar o MP mais semelhante a uma estrutura militar com rosto de sargentos, coronéis e ordenanças, em vez de duques e condes?
Como pretende então Alípio Ribeiro que seja esse poder hierárquico? Não é a primeira vez que assim manifesta publicamente a sua ideia de mudança, mas não indica o roteiro. Nem sinal dele ou do seu esquisso sumário.
Por exemplo, o papel do actual PGR, ao avocar em modo desusado, um processo que em princípio teria competência material para despachar ( o único processo em que tal sucede, ao abranger responsabilidade de titulares de órgãos de soberania como o PM), agiu no âmbito dessa tão almejada hierarquia com rosto?
Pretende Alípio Ribeiro sindicar o modelo actual, elogiado por Figueiredo Dias, no sentido de o delapidar da autonomia existente, nos escalões intermédios, e permitir a ordem directa e sem rodeios dos superiores hierárquicos para os escalões inferiores?
Não sei. Confesso que não sei e não imagino qual seja exactamente o modelo ideal sugerido por Alípio Ribeiro.
Estes dois textos, já com oito anos em cima permitem equacionar o problema que o MºPº defronta hoje em dia e que entronca na questão que é preciso colocar a Joana Marques Vidal: o que pensa do Ministério Público que temos?
E já agora, também o próprio A.R. poderia esclarecer melhor o seu pensamento actual sobre o assunto. Estou certo que não se desviará muito do que o antigo Cunha Rodrigues ainda pensa e cujo depoimento ninguém parece estar interessado em colher.
Assim, os komentários ficam para os pobres de espírito nestas matérias, como é o caso notório do João Miguel Tavares e outros.
Em jeito de achega para futuros postais, importa perceber quais são os poderes reais do MºPº e dos seus magistrados e tal comporta o entendimento do funcionamento da instituição no quadro legal existente.
Um dia perguntaram ( os jornalistas) a Laborinho Lúcio algo sobre os poderes do PGR. A resposta típica foi esta que o CM de 26.2.2012 reproduziu: " "tem todo o poder de intervenção no processo". A resposta é equívoca porque o PGR não tem esse poder tão lato assim. Não pode avocar um processo e dirigi-lo pessoalmente ( a não ser no caso concreto da "extensão procedimental" relativa ao primeiro-ministro, por força de imposição legal de 2007, salvo o erro). E quanto ao resto, ou seja, instruções concretas, tal tem muito que se lhe diga, perante o Estatuto do MºPº.
O Estatuto do MP, prevê a intervenção hierárquica nos termos expostos e que não se confundem com a intervenção de um qualquer director-geral ou funcionário superior de ministério. O Ministério Público é uma magistratura, "paralela à judicial" e isso tem de ser interiorizado devidamente pelo PGR. Por um qualquer PGR.
O anterior PGR Cunha Rodrigues tinha respeito efectivo pelos magistrados que dirigia, nos termos precisamente expostos. Nunca disse coisas espantosas como este PGR agora disse, estes dias. Coisas inadmissíveis e intoleráveis para um PGR em relação a magistrados do MP em funções. Cunha Rodrigues defendia esta autonomia do MP porque sabia ser a melhor e que oferecia maiores garantias de objectividade, isenção e respeito do princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei. Mesmo no caso do fax de Macau, não se assistiu a este despautério.
Um magistrado da primeira instância do MP, como são os do Freeport ou da Face Oculta têm tantos poderes como os magistrados do STJ, com uma diferença: cada um na sua instância. Se o PGR quiser alterar ou modificar a atitude dos magistrados da primeira instância, deve explicar porquê através de instruções escritas. E se a hierarquia intermédia quiser intervir directamente num processo tem um meio idóneo: avoca o processo ao magistrado titular. E percebe-se bem porquê: seria inadmissível que o PGR ou outro superior hierárquico no MP dessem ordens verbais, informais e exigissem comportamentos ao magistrados nas instâncias inferiores que estes repudiassem moral ou eticamente. Estas regras de procedimento hierárquico existem para proteger os cidadãos do arbítrio do MºPº e do abuso de poder através da denegação de justiça efectiva e prática e nesse caso insindicável. Estes problemas só se colocam quando os elementos do poder político são incomodados e isso deveria fazer reflectir o povo em geral e os jornalistas em particular.
A autonomia interna do MºPº tem um sentido e uma função: assegurar que os magistrados não sejam pressionados pela hierarquia, indevidamente. É um velho problema e que parece que Pinto Monteiro não quer entender ou prefere olvidar.
Se é isso que o PGR pretende que o diga claramente, porque o seu discurso deixou de fazer sentido. Mesmo político.
Além disso, Pinto Monteiro decidiu o caso do expediente do Face Oculta, com as escutas fortuitas ao primeiro-ministro, do modo como decidiu e de acordo com as competências que a lei lhe confere nesse caso singular: sózinho, sem dar cavaco a ninguém, mesmo à Assembleia da República, quando esta lhe pediu a cópia do despacho administrativo que proferiu num expediente que nem inquérito era. Se isso não é ter poder, não sei o que seja ter poder. Efectivo e real. Sem delegação nem sindicância.
Depois, ainda de 2010 um comentário a um texto num blog de um PGD entretanto jubilado e que foi director da PJ. Alípio Ribeiro escrevia coisas interessantes e por vezes crípticas, como esta:
Daqui, este excerto sobre o Ministério Público que temos:
“O Ministério Público encontra-se num beco sem saída.” A opinião deste Procurador-geral adjunto (actualmente, inspector do MP) está expressa no seu blogue pessoal http: / /outrosdireitos.blogspot.com. Para Alípio Ribeiro, ninguém empurrou esta magistratura para o tal beco, mas ela “caminhou para lá, alegremente, entre ditos e mexericos”.
Para Alípio Ribeiro, a solução para crise no MP está na própria hierarquia: “Enquanto não for assumida e não for compreendido que a tão proclamada autonomia é o resultado daquela, [o MP] continuará a ser um rosto sem voz e uma estrutura sem propósito”.
Confesso não entender este entendimento do MP. Ainda para mais, exarado por um distinto magistrado que não assina como tal ( nem poderia ou deveria, no meu modesto entender) e por isso argumentarei com Alípio Ribeiro num plano de relativa igualdade blogueira, até porque o mesmo pode facilmente saber quem sou ( não me escondo num nick manhoso nem asseguro que estou em colectivo...).
Assim, o que significa um MP como "um rosto sem voz e uma estrutura sem propósito"?
Todos sabem ou podem saber o que o MP português é. Para poupar tempo e esforço a quem quiser actualização de conhecimentos, cito um dos escultores desse rosto e estrutura:
Figueiredo Dias, que teoricamente detém uma autoridade inquestionável, dizia há uns anos atrás: " não existe outro modelo de ministério público que sobreleve em vantagens ou sequer iguale, o adoptado pelo processo penal português".
Em 1999, numa entrevista ao O Diabo, dizia: “Do meu ponto de vista, o modelo de repartição de competências entre os magistrados judiciais e o ministério público é o melhor que se pode ter , é o que eu defendo. Como é o modelo do relacionamento entre o MP e as polícias.”
Perante este modelo de MP, o que será a falta de voz? A ausência de explicações adequadas de despachos de arquivamento ou acusação, proferidos pelos seus magistrados e estruturas dirigentes particulares, como o DIAP e o DCIAP?
E quem é o rosto actual do MP? Um rosto tipo Jano, com dupla face, num lado o PGR e do outro todo o MP de base? Ou a multifaceta própria de um organismo colectivo com diversas figuras de proa que dantes, no ancien régime, se assumiam como duques, marquesas e condes?
Mais ainda: o que é uma "estrutura sem propósito"? Não entendo de todo porque o propósito está de tal modo definido que a estrutura não lhe pode fugir. O MP exerce a acção penal, em exclusivo e representa por vezes o Estado ( quando este lhe pede ou por feição própria) e ainda outros propósitos como a defesa de interesses de incapazes e interesses difusos, cada vez mais alargados porque até as empresas públicas lhe podem pedir representação.
Perante esta realidade que Alípio Ribeiro não ignora, resta o outro problema elencado no pequeno postal sucinto: a hierarquia e o seu exercício que condiciona a autonomia.
Como deveria ser o exercício hierárquico para evitar o efeito deletério em relação à autonomia?
Sabemos que o MP é um órgão cujo PGR exerce o poder que a lei lhe confere, em autocracia. O PGR não responde perante nenhum outro órgão do MP e depende do Governo que o escolhe e indica ao presidente da República.
Para além disso, a lei, no estatuto do MP, confere a cada um dos escalões de magistrados que exercem na primeira, segunda e última instância, poderes próprios de uma autonomia que os define como são: magistrados, sujeitos à lei e cujas ordens de superiores só actuam no âmbito de processos e segundo regras prè-definidas legalmente.
Um superior hierárquico se entender que o trabalho concreto de um subordinado hierarquicamente não é o que deveria ser, tem uma de duas opções: ou avoca o processo concreto, explicando por que o faz e assume a responsabilidade de o despachar; ou participa factos susceptíveis de apreciação disciplinar, ao respectivo conselho superior.
Além disso, o magistrado de base, está sujeito a inspecções periódicas pelos inspectores de carreira no MP. Será que isto precisa de mudança, para tornar o MP mais semelhante a uma estrutura militar com rosto de sargentos, coronéis e ordenanças, em vez de duques e condes?
Como pretende então Alípio Ribeiro que seja esse poder hierárquico? Não é a primeira vez que assim manifesta publicamente a sua ideia de mudança, mas não indica o roteiro. Nem sinal dele ou do seu esquisso sumário.
Por exemplo, o papel do actual PGR, ao avocar em modo desusado, um processo que em princípio teria competência material para despachar ( o único processo em que tal sucede, ao abranger responsabilidade de titulares de órgãos de soberania como o PM), agiu no âmbito dessa tão almejada hierarquia com rosto?
Pretende Alípio Ribeiro sindicar o modelo actual, elogiado por Figueiredo Dias, no sentido de o delapidar da autonomia existente, nos escalões intermédios, e permitir a ordem directa e sem rodeios dos superiores hierárquicos para os escalões inferiores?
Não sei. Confesso que não sei e não imagino qual seja exactamente o modelo ideal sugerido por Alípio Ribeiro.
Estes dois textos, já com oito anos em cima permitem equacionar o problema que o MºPº defronta hoje em dia e que entronca na questão que é preciso colocar a Joana Marques Vidal: o que pensa do Ministério Público que temos?
E já agora, também o próprio A.R. poderia esclarecer melhor o seu pensamento actual sobre o assunto. Estou certo que não se desviará muito do que o antigo Cunha Rodrigues ainda pensa e cujo depoimento ninguém parece estar interessado em colher.
Assim, os komentários ficam para os pobres de espírito nestas matérias, como é o caso notório do João Miguel Tavares e outros.
Em jeito de achega para futuros postais, importa perceber quais são os poderes reais do MºPº e dos seus magistrados e tal comporta o entendimento do funcionamento da instituição no quadro legal existente.
Um dia perguntaram ( os jornalistas) a Laborinho Lúcio algo sobre os poderes do PGR. A resposta típica foi esta que o CM de 26.2.2012 reproduziu: " "tem todo o poder de intervenção no processo". A resposta é equívoca porque o PGR não tem esse poder tão lato assim. Não pode avocar um processo e dirigi-lo pessoalmente ( a não ser no caso concreto da "extensão procedimental" relativa ao primeiro-ministro, por força de imposição legal de 2007, salvo o erro). E quanto ao resto, ou seja, instruções concretas, tal tem muito que se lhe diga, perante o Estatuto do MºPº.
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