Sobre a pressão política no caso Freeport que originou a celeuma em curso, temos uma aplicação prática da primeira lei da termodinâmica: a energia total transferida para um sistema é igual à variação da sua energia interna.
O magistrado do MP, Lopes da Mota, foi apanhado numa roda viva de pressões, neste caso singularizado pelo contorno político de topo.
Como magistrado português no Eurojust, ainda por cima eleito presidente do organismo, cabia-lhe ser magistrado a tempo inteiro, articulando-se com a PGR e o MP.
Ontem, o CSMP deliberou a instauração de um processo disciplinar ao mesmo magistrado, na sequência de um inquérito em que se investigou a ocorrência de pressões ilegítimas sobre outros magistrados. Os indícios chegam para se concluir que existiram pressões ilegítimas de modo a serem averiguadas e sujeitas a sanção disciplinar.
Neste campo, estritamente disciplinar, manda a decência da presunção de inocência que se mantenha a imputação pública em banho maria, até que o CSMP decida.
Mas há outro campo em que o respeito pela decência já passa para o lado do visado e que é o campo político.
O Estatuto de membro do Eurojust é híbrido na medida em que supõe o respeito de direitos e deveres que competem estatutariamente a um magistrado em funções públicas e ao mesmo tempo entrega-lhe um papel institucional que é eminentemente político, porque integrado num organismo supra-nacional e com ligações à União Europeia.
Por causa disso mesmo, o Estatuto determina que o representante português é nomeado pelo Governo, mas precedendo a indicação do respectivo titular pelo Ministério Público, no caso o CSMP.
Daqui decorre a tal dinâmica das pressões. Por um lado, o magistrado tem o dever de ser isento e independente na sua autonomia de actuação o que é uma pressão de consciência e formação ética e profissional. Por outro, depende de quem o nomeou em concreto através do elo de ligação institucional ao Executivo, o que denota a pressão de respeito institucional e eventual empatia governamental.
O seu cargo não depende expressamente de uma confiança política, mas ao mesmo tempo não pode prescindir da mesma, sempre que surjam problemas políticos que o envolvam, como é manifestamente o caso.
Dependendo da PGR e do CSMP, fica em suspenso de decisão de um procedimento disciplinar quando o problema em causa é político e deriva daquela ligação institucional que envolve o Estado português.
Mesmo nos limites da lei, este elo é uma pressão. E a dinâmica da mesma acentua-se sempre que a energia interna no Executivo, por força de investigação criminal, como é o caso Freeport, aumente de intensidade e implique um organismo como o Eurojust como pivot de aceleração dessa energia.
Fatalmente, num caso desses, cumprir-se-á a primeira lei da termodinâmica que explica a transferência da energia comprimida.
Esta lei tende a comprovar-se de modo mais evidente se ao mesmo tempo acontecer um fenómeno evitável: se entre os membros do Executivo sob pressão e o representante do Eurojust existir algo mais que uma mera ligação institucional, com traços vincados de independência pessoal.
No caso, sabe-se que Lopes da Mota foi governante socialista, no caso Secretário de Estado da Justiça de Vera Jardim. Sabe-se que priva com o ministro da Justiça actual, o qual está novamente na berlinda por um caso semelhante, em quase tudo, a um outro acontecido em Macau.
O mesmo declarou oficialmente na AR que se encontrou várias vezes, recentemente, com o visado Lopes da Mota. Pode muito bem perguntar-se porquê e a que título, se pessoal, institucional, de amizade de grupo, etc. Neste etc. pode encontrar-se outra explicação que ainda não foi aventada publicamente, a qual não augura nada de positivamente correcto para a independência e isenção exigíveis.
A posição processual de Lopes da Mota, segundo se noticia, terá ido no sentido de poupar politicamente um ministro da Justiça. A suspeita que se levanta a este propósito, torna ainda mais evidente a explicação termodinâmica da pressão existente.
Os partidos políticos, com a excepção do PS, através desse expoente que é Vitalino Canas, anunciaram a insustentabilidade no cargo, do actual presidente do Eurojust.
Resta saber como se irá proceder, na ausência de vontade deste, em afastar-se do centro das pressões e da dinâmica em que se deixou envolver.
E resta saber ainda como é que o ministro da Justiça, desta vez, vai sacudir a pressão decorrente da energia interna que se verifica.