sábado, junho 20, 2009

Os modelos de virtudes políticas

José Pacheco Pereira faz hoje no Público, em crónica de página, uma radiografia política de José S. com incursões pessoais na psicologia de retrato.

" Gente ambiciosa, muito ambiciosa, com pouca "virtude", com poucas leituras e muita televisão e computador, deslumbrada pelos gadjets, movendo-se com à-vontade entre jornalistas e empresários, sem "vida" nem biografia e pensando a política como pouco mais do que uma forma elaborada de marketing."

É assim que JPP vê a geração S. Pressupondo, naturalmente, uma espécie de antítese que se corporiza politicamente em gente de ambição controlada, com muita "virtude", seja lá isso o que for, com muitas leituras e pouca televisão ou computador, sem apego a artefactos e com alguma dificuldade em comunicar nos media, mas com grandes vidas ( e grandes obras, como no título antigo de um livro das Selecções do Reader´s Digest?) e uma noção da política integrada em visões de conjunto aritmético eleitoral.

Que modelos de políticos podemos integrar neste conceito, já de si idiossincrático?

Estou mesmo a ver o modelo: Mário S. o político dos políticos, o decano dos videiros de partido, com biografia e obra de oposição a regime opressivo. Tudo lhe cola, menos a dificuldade em comunicar nos media.
Depois, outro modelo se perfila: o de Sá-Carneiro, o político instruído na actividade de ala liberal, com ideias definidas sobre o Estado e a sociedade organizada num certo modo capitalista e a noção precisa dos papéis institucionais modelados no antigamente. Tudo lhe assenta, mesmo a dificuldade em ligar aos media.

Tem sentido esta modelação de papel de político actual e moderno?

Não tem muito sentido, embora prefira esse modelo de virtudes à dos modelos sem virtudes especiais e por isso esvaziados de conteúdos subtis.

Tomemos como exemplo, os políticos que nos têm calhado em rifa eleitoral:

Onde se enquadra um indivíduo como Adelino Palma Carlos, primeiro ministro depois de 25 de Abril? No segundo modelo, sem dúvida, com o acrescento nada despiciendo de ter uma vida de oposição ao regime anterior, no interior de uma faculdade e em grupos secretos.
A seguir, tivemos casos particulares como o de Vasco Gonçalves, uma figura colectiva que por isso mesmo, passo. Mas não passo sem dizer que não se enquadrava num modelo nem noutro.

Depois da convulsão revolucionária, tivemos a liderança de Mário S. durante vários anos. Até aos oitenta, de facto e com ideias que se podem acantonar a uma esquerda ainda hoje reivindicada no mainstream democrático.
Mário S. é um indivíduo lido ( principalmente no Nouvel Observateur) e cultivado artisticamente ( na galeria de um Mário Brito por exemplo), experimentado na luta política ( com princípios aprendidos no antigamente em sedes de conspiração maçónica). O que adiantou ter um indivíduo dessa estirpe "nobre" na política?

Uma série de equívocos, com destaque para a reticência em modernizar a economia nacional e cuja obstinação política nos garantiu largos anos de dependências atávicas ao FMI.

Depois de Mário S., veio Sá Carneiro que estabeleceu o modelo dos políticos a devir, para certa intelectualidade lusa.
O que trouxe Sá-Carneiro de essencial ao modelo? A sua cultura? Não me interessa, a não ser saber que existia uma certa cultura liberal e oposta à do antecessor. A sua experiência vivida na Assembleia Nacional? Aí, interessa, porque foi uma experiência que concedeu estatuto de vivência política activa e com ligação ao que era antigo mas duradouro em certos valores.
Mas, na prática, o que trouxe ao país um político modelo como Sá Carneiro? Obstinação em governar centralizadamente; ideias fixas sobre opções políticas que se revelaram erradas ( a escolha do candidato presidencial foi o seu fim, literalmente) e incertezas sobre a mudança de mentalidade política reinante e de esquerda.
Seria necessária uma figura como Sá Carneiro, hoje em dia? Duvido, a não ser na firmeza dos valores e no estilo da sua afirmação.
Em seguida a Sá Carneiro, o que tivemos de modelar na política?

Cavaco Silva, voilà! E era aqui que queira chegar.

Cavaco Silva foi o herdeiro putativo das ideias de Sá Carneiro ( embora este não o distinguisse por aí além, eventualmente por ter percebido a sua diferença para nenhures) e conseguiu alcançar a liderança de um partido e de um governo como nunca se viu em Portugal: uma maioria absoluta com objectivos ambiciosos e meios prometidos como os fundos da CEE, aos milhões.

Que fez este modelo político desse acervo hereditário e dos seus frutos? Transformou porventura o país numa modernidade que outros não pudessem de igual modo fazer, nomeadamente o outro modelo, Mário S.?
Não me parece nada.

Por outro lado e mais importante ainda: onde encaixa Cavaco Silva no modelo proposto em negativo por JPP?
Fatalmente, no primeiro que critica e no aspecto que me parece essencial e diferenciador.
Cavaco Silva não era ( e continua a não ser) um indivíduo culto como JPP entende que deve ser um indivíduo lido. Não tinha cultura ( e continua a não ter) que o distinga no gotha da inteligentsia; sendo verdadeiro que não integra os outros itens, também é verdade que Cavaco Silva ascendeu na política segundo as regras partidárias: um grupo de apoio importante, um programa de ideias gerais e nomes de governo. E esse foi o erro fatal na escolha desse modelo. Os colaboradores fizeram toda a diferença, para pior, tal como se revelou posteriormente.
O cavaquismo é a pior experiência política portuguesa, incluindo a de Guterres, porque tinha os trunfos todos para mudar radicalmente o país e preferiu adiar essa mudança com as opções erradas. E José Pacheco Pereira esteve lá, no cerne desse poder que foi conferido ao PSD de então. Foi cúmplice desse falhanço e dessa frustração.
Que nomes e que apoios teve Cavaco Silva para ascender na política?
O primeiro de todos já está esquecido ( por boas razões? Ou por razões convenientes?): Eurico de Melo, de Braga ou Santo Tirso, empresário-político que não integra o modelo prè-definido de JPP, mas integra outro: o dos caciques partidarios locais do antigamente e que não é a mesma coisa que os "jotinhas" mas que os gerou, sem dúvida alguma.
Um dos rebentos mais notáveis, aliás, tornou-se uma das figuras-chave do cavaquismo: Marques Mendes. Vindo de Fafe, onde o pai era figura do partido, integrou-se com outras figuras gradas ( Ribeiro da Silva, em Braga) e ascendeu no firmamento dos governos de Cavaco Silva, para ministro indistinguível de outro qualquer de um governo, incluindo este de José S. O mesmo autoritarismo sem nexo; o mesmo abuso de carros e coisas do Estado; os mesmos tiques político-partidários de nomeações; as mesmas pechas de sempre da política portuguesa. Ao ponto de na altura de sair, Belmiro de Azevedo ( despeitado certamente, mas com pontaria) ter dito que nem o queria para porteiro das suas empresas.

JPP acha Marques Mendes um produto e modelo de quê e de quem? É indivíduo lido? Não parece nada, tal como não seria um Fernando Nogueira, outra figura grada do partido e com experiência de assistente de Direito de Família e Sucessões, na Universidade de Coimbra.
Portanto, Marques Mendes, no entender de JPP a que modelo pertence?
Ao de José S. sem margem para dúvida. O que o distingue deste, porém ,é coisa que JPP não aponta e que é mais importante: os valores. A única diferença pode estar aí, escondida.

Outra figura ligada ao líder, é, indubitavelmente, Dias Loureiro. Em que perfil o integra, JPP?
No dos cultos, evoluidos, com pedigree democraticamente solidificado? E como justifica a evolução política e pessoal desse político? Encontra paralelo no outro modelo, no devorismo e ambição de ascensão?

Logo a seguir a Cavaco Silva temos Guterres.
Guterres é um tipo culto, evoluído? Parece que sim. Engenheiro de pofissão que nunca terá exercido, escolheu a política ainda com bigode e só o cortou quanto estava perto do poder.
Que distinguiu Guterres dos restantes, em relação ao modelo de virtudes?
Segundo o próprio JPP, terá sido um dos piores primeiros-ministros que Portugal teve...o que aliás nem é original porque foi o próprio António Sousa Franco, pouco antes de morrer quem o disse, alto e bom som num restaurante: "o "António " era uma excelente pessoa mas o seu governo era o pior desde o tempo de D. Maria!" E Sousa Franco, encarnava, a meu ver, de modo completo, esse modelo de virtudes políticas: era realmente culto; instruído, inteligente, com valores realmente importantes, experiente na política porque vindo das primeiras experiências partidárias ( do PSD e da dissidência) e com currículo. Sousa Franco tinha tudo o que um político-modelo, para JPP, deve ter. E portanto, foi o seu contributo para a política económica de Guterres, com gastos à tripa-forra que terá deitado tudo a perder no controlo do défice das contas públicas...


Portanto, tínhamos o melhor dos dois mundos políticos, com Guterres: um indivíduo lido, comunicador, simpático e afável, sem problemas de autoritarismo, bom escolhedor de ministros para pastas importantes e daqueles com currículo que seleccionou entre "cem nomes para o PS" e competente para o exercício do cargo.

O que resultou deste modelo de virtudes?

O pior governo que Portugal jamais teve!

Portanto e em conclusão de fim de semana:

Os modelos de virtudes pré-definidas podem ser equívocos. O que parece, pode acabar por não ser e o modelo perfeito de político está por inventar.

E não é certamente o modelo JPP que vale a pena seguir cegamente, embora o diagnóstico deste primeiro-ministro seja certeiro e adequado. José S. é uma nódoa como governante, mas pode muito bem não ser por falta dessas vitudes.

Quanto a mim, modesto comentador de blog, há um fio condutor nessas virtudes essenciais e que acabei por citar duas ou três vezes, neste texto: valores. Digam-me em que valores acreditam e direi se aceito o modelo.
Este, o de José S., parece-me abaixo de cão. Ou de Vital Moreira, se se preferir um modelo execrável de político moderno.

Questuber! Mais um escândalo!