segunda-feira, agosto 09, 2010

É com estes jornalistas que nos informamos?

Repare-se ( clicando para ler) neste artigo hoje publicado no maior jornal nacional, o Correio da Manhã. Assinado por Manuel Catarino, jornalista que qualquer dia dirige um jornal, depois de ser escriba no 24 Horas e ter-se especializado na parte do "crime", deixando as sobras dos famosos e do dinheiro para o então director, Tadeu. Catarino, pelos vistos, escreve de cátedra jornalística, sobre o Ministério Público.

O problema é que os erros são tantos e tão graves que não se entende como jornalistas assim se atrevem a escrever sobre o que não conhecem, apesar de terem vicejado na carreira a tratar temas de "crime", mesmo à moda do 24 Horas.

A minha mãe costuma dizer, porque lhe ensinaram em pequena, que a ignorância faz parte da estupidez e da burriquice, mas dizer isto de um artigo deste jornalista pode soar a insulto pelo que fica apenas a lembrança de uma citação.

Cito a parte gaga do texto: " O Ministério Público ( que convém recordar, é uma jovem magistratura nascida com a democracia) era apenas a porta de entrada para a judicatura: os juizes começavam por ser delegados do procurador. O Ministério Público era assim uma espécie de instituição de segunda categoria que os deputados constituintes, eleitos em Abril de 1975, entenderam elevar à honra de magistratura com nome próprio. Lá teriam as suas razões. Mas, como agora se vê, fizeram mal. O Ministério Público, de resto, devia ser extinto- sim, desmantelado!"
Boa! Desmantele-se o MP a mando de Manuel Catarino, o repórter do crime.

Para não alargar muito o desbarato, diga-se que o Ministério Público é uma instituição tão antiga que os manuéis catarinos que abundam na escrita de jornal não tiveram tempo de saber quando começou.
Se lhes disserem que começou logo na Idade Média, a par dos tribunais regulares permanentes, por causa das leis gerais que substituíram os forais, ficarão deveras admirados porventura embasbacados, estes profissionais do jornalismo que pensam que começou no 25 de Abril, com a democracia que agora, neste aspecto nem lhes interessa porque o modelo que defendem para o MP afinal é o do Estado Novo.

Se lhes disserem que o Ministério Público, em Portugal, teve a sua primeira regulamentação formal, com essa designação, em pleno século XIX, ainda se espantarão mais.
Se lhes disserem que durante anos a fio, o Ministério Público existiu enquanto tal e o recorte das suas atribuições ficou logo definido no início do séc XX, com incumbências tão específicas e notórias como sejam as de "defesa da propriedade nacional, a acusação e a perseguição dos crimes, a protecção dos incapazes, a cobrança coerciva dos créditos do Estado, a vigilância escrupulosa e permanente da aplicação das leis e a difícil atribuição de Conselheiro do Governo", espantar-se-ão pela certa, porque não diferem muito das actuais competências do MP existente.

Portanto, em 1962, um Estatuto Judiciário aprovado no Estado Novo, consagrava sem margem para dúvidas "uma magistratura amovível, responsável e organizada hierarquicamente, dependente do Ministro da Justiça e orientada directamente pelo Procurador-Geral da República."

O Ministério Público não é uma magistratura criada com o 25 de Abril e nem sequer o benefício da dúvida levantado com a confusão de se entender a magistratura do MP como vestibular da judicial, como então efectivamente era, constitui atenuante para a aleivosia.

O problema do Ministério Público não se prende com a sua característica de magistratura, mas sim com a questão da autonomia em relação ao poder executivo. Foi efectivamente com o 25 de Abril, e particularmente com a Constituição de 1976 que se definiu o papel do MP quase nos moldes que estavam definidos no início do séc. XX.
Ora repare-se na redacção do artº 224 da primeira versão da Constituição actual:
" pertence ao Ministério Público representar o Estado, exercer a acção penal, defender a legalidade democrática e os interesses que a lei determinar". E o MP passou a gozar do direito a um estatuto próprio ( ou seja, diverso do Eestatuto Judiciário de 1962 que incluia magistrados do MP e juizes no mesmo organismo superior de gestão).
No entanto, a verdadeira caracterização do MP com o recorte actual de autonomia face a outros poderes do Estado, é conferida pela Lei 39/78, a Lei Orgânica do MP.

Nenhum Manuel Catarino é obrigado a saber isto, mesmo que a informação esteja à disposição de uns cliques no Google. Mas o que se espera é que não escreva sobre o que não sabe. E se não sabe, porque pergunta coisas sem nexo?

Por exemplo, dizer que a missão principal do MP( "deixando de parte o jargão de pompa e circunstância", conforme pitorescamente escreve ) é a de "advogados do Estado" é ainda uma maior aleivosia, denotadora de uma ignorância que neste caso é mesmo crassa.

E porque escreve assim este jornalista? Porque acha logo a seguir que deste modo, extinguindo o MP, "os juízes de instrução voltariam a ter, por fim, efectivo poder". Ora aí está a conclusão brilhante! Um jornalista que não sabe o que é nem o que faz o Ministério Público, mesmo dedicando-se profissionalmente à área do "crime", adianta-se no cabedal opinativo a alvitrar uma mudança constitucional de paradigma.
Provavelmente se lhe explicassem os aspectos práticos de tal mudança e o que significaria um juiz de instrução com "efectivo poder" repudiaria imediatamente tal hipótese, com a mesma categoria de argumentos. Assim, vai escrevendo de cor e com a figura exposta.
Para a esbater ainda mais, escreve a seguir que "Se o procurador-geral existe para mandar e ser obedecido (repare-se no estilo e na forma de mais esta completa aleivosia) para quê um corpo de funcionários ( mais outra porque nem entende o que significa a palavra magistrado...) com vontade própria?
E termina, escrevendo alegremente que o actual PGR "não manda porque o sindicato não deixa". Ora toma! " E os subalternos (!) não obedecem porque o sindicato não gosta deste procurador-geral." Ora toma mais uma dose, de burriquice.

Resta dizer que é este jornalista chefe de redacção do Correio da Manhã. Notável. Onde é que se formou? Quem lhe deu carta de alforria para escrever do que manifestamente não sabe, nem sequer os mínimos indispensáveis a uma escrita sem aleivosias grossas?

Questuber! Mais um escândalo!