domingo, agosto 08, 2010

O respeitinho para o sindicato, também?

No blog Sine Die, Pedro Soares de Albergaria trata o assunto SMMP. E escreve assim:

Vê-se claramente como ao invés de reivindicações profissionais (as mais delas porventura legítimas), essa estrutura se ocupa, não raro, de comprometer a autoridade (sim, autoridade, não há que ter medo da palavra) do PGR e da “hierarquia”, que disso só já tem o nome. Com as devidas cautelas, pode dizer-se que “aquilo”, por dentro, devia ser uma “ordem” e não uma “democracia”. Agora não parece nem uma democracia e nem é uma ordem: é uma desordem instilada de fora.

Talvez seja tempo de saber para que serve um sindicato da magistratura. Para "reivindicações profissionais"? E cabem neste conceito reivindicações que honrem uma magistratura desonrada? Cabem neste conceito reivindicações de cariz cívico, mesmo político em tom geral? Caberão neste conceito apontamentos escritos em comunicado dirigidos à população em geral e onde se exprimam princípios esquecidos pela hierarquia do MP, bases programáticas do Estatuto dos magistrados do MP ou mesmo regras estritas de cumprimento obrigatório como sejam as decorrentes dos limites aos poderes directivos da hierarquia?

Das duas, uma: ou cabem ou não cabem. Se não couberem e apenas se aceitar um sindicato dos magistrados como se fora um sindicato de metalúrgicos em laboração na Autoeuropa, então estamos conversados sobre este conceito singular de sindicalismo judiciário.

Quem tem medo deste sindicalismo das magistraturas? Os que acham que a autoridade de um PGR é inatacável por um sindicato? Porquê, se o for com fundamento claro e compreensível e desprovido de agenda política? Alguém tem algo a opor, de modo sustentado?

Cunha Rodrigues, no tempo em que os políticos da altura e o sempre presente Proença de Carvalho o atacava soezmente, como agora o faz em relação ao sindicado dos magistrados do MP, dizia numa entrevista ao Expresso em 8.10.1994 ( Fernando Madrinha e Ana Paula Azevedo que colocaram perguntas sobre o problema que se mantém actualíssimo) que os magistrados não se devem calar e têm o direito e o dever de falar quando houver questões relacionadas com os Direitos do Homem, com a Justiça, com as liberdades ou com a independência dos tribunais. E disse-o citando uma recomendação da ONU nesse sentido.
E disse-o ainda na sequência da afirmação sobre o facto de que "nos últimos anos, a opinião pública teve a percepção de que havia iniciativas políticas que apareciam como resposta a actos ou decisões de magistrados".
Perante a inquirição dos jornalistas para dar um exemplo, Cunha Rodrigues respondeu que " não, porque penso até que não é especialmente grave. Mas em termos de aparência isso já aconteceu" e acrescentou então, respondendo à pergunta sobre se tais actos criam clima de crispação entre o poder político e a magistratura:

"Mais do que isso: legitimam-nos a nós, magistrados, para nos colocarmos numa posição de defesa, e para usarmos a palavra se necessário, em prol da independência dos tribunais".

Quão longe já ecoam estas palavras! Quão afastados destas ideias estão os magistrados de hoje, incluindo alguns que escrevem em blogs. Dá a impressão que em vez de uma evolução democrática e saudável se assiste a um retrocesso aos tempos do Estado Novo, da mordaça política ( é disso que se trata) e da repressão da liberdade de expressão e pensamento dos magistrados enquanto cidadãos. Se nem sequer aos sindicatos se autoriza tal discurso, onde vamos já nesta involução?

Tenho para mim que isto é muito triste, ainda para mais vindo de magistrados. Por uma razão entre várias:

Ora, quais são os magistrados que falam publicamente destes problemas quando eles se colocam? O ano passado, o PGR arquivou liminarmente um expediente que lhe foi apresentado por dois magistrados do distrito de Coimbra, para se fazer um inquérito ao primeiro-ministro. Como já se viu, esse arquivamento suscitou polémica a vários níveis. Algum magistrado se atreveu a falar ou escrever publicamente sobre o assunto, assumindo o nome e função? Houve um, precisamente no blog Sine Die e a medo, muito a medo que ainda balbuciou as "dúvidas". Só isso e acabou a discussão. Nem o sindicato se pronunciou sobre o assunto. Acharão bem e normal este estado de coisas, aqueles que criticam o sindicato por falar em assuntos para além da tabela salarial?
Se os magistrados em geral são discretos e apagados por um medo atávico das respectivas consequências que se traduzem em inquéritos disciplinares, ainda se vai tirar ao sindicato o pequeno poder de abrir a voz e cantar essa força da razão dos princípios estatutários?

Como se entende isto?

Questuber! Mais um escândalo!