A PGR esclareceu hoje o que se passa com os processos de averiguação de eventual ilícito de branqueamento de capitais. Assim:
O Estado Português encontra-se vinculado, por via de diversos
instrumentos internacionais, designadamente Directivas da União
Europeia, desde pelo menos o ano de 1991, a estabelecer determinadas
regras em sede da prevenção do branqueamento de capitais.
Tal obrigação resulta actualmente das
Directivas 2005/60/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e 2006/70/CE
da Comissão, transcritas para o nosso ordenamento jurídico interno
pela Lei 25/08, de 5 de Junho.
Por via desses procedimentos, as entidades
financeiras e não financeiras previstas na lei (artigos 3º e 4º), tais
como instituições de crédito, empresas de investimento, sociedades
gestoras de fundos de pensões e outras estão sujeitas a vários deveres,
designadamente os de informarem e comunicarem ao Ministério Público e à
Unidade de Informação Financeira da PJ (UIF) as transacções e
actividades financeiras sobre as quais existam suspeitas ou razões
suficientes para suspeitas de que teve lugar, está em curso ou foi
tentada operação susceptível de configurara a prática do crime de
branqueamento de capitais.
O Ministério Público e a UIF da PJ, tendo em
vista avaliar da origem ilícita dos fundos aplicados, acedem a
informação relacionada com operações económicas e financeiras
desenvolvidas em Portugal e procedem à sua análise, no âmbito de um,
assim designado, processo administrativo. Este, uma vez efectuadas as
diligências adequadas e necessárias, é arquivado, quando se vierem a
considerar como justificadas as operações suspeitas ou dá origem à
abertura de inquérito para prosseguimento das investigações, caso se
mantenham as suspeitas de prática de branqueamento de capitais.
As obrigações de vigilância são particularmente
exigentes sempre que estiverem em causa operações de risco, que é
aferido, quer em função da origem dos fundos, quer em função da
qualidade dos intervenientes, em particular quando se revele a
intervenção de pessoas politicamente expostas.
Quer dizer, o Ministério Público português limita-se a cumprir uma legalidade estrita no caso das averiguações de certos capitais que provêem do estrangeiro, mormente Angola. Formalmente organiza um procedimento administrativo para averiguar se há motivos para instaurar inquéritos. Faz as chamadas "averiguações preventivas". O problema surge logo que se aventa a possibilidade de existência efectiva de um crime de branqueamento de capitais.
Este crime exige para a respectiva verificação a existência prévia de outro crime, designadamente de corrupção ou fraude fiscal ou outro de natureza similar.
Ora, onde é que tal crime poderá ter ocorrido? No caso de Angola, em...Angola. E o MºPº de Portugal pode investigar tais crimes praticados em Angola, em Angola? Não, não pode. Quando muito poderia pedir aos angolanos para investigar tais crimes. E a quem? Ao PGR de Angola. Precisamente o que agora viu o seu processo administrativo arquivado por ausência de indícios de prática de crime de branqueamento de capitais.
Aliás, o disposto no artº 16º daquela Lei deixa algumas dúvidas sobre os procedimentos. Diz assim sobre o dever de colaboração dos bancos e outras entidades:
1 - As entidades sujeitas devem, por sua própria iniciativa, informar de
imediato o Procurador-Geral da República e a Unidade de Informação
Financeira sempre que saibam, suspeitem ou tenham razões suficientes
para suspeitar que teve lugar, está em curso ou foi tentada uma operação
susceptível de configurar a prática do crime de branqueamento ou de
financiamento do terrorismo.
2 - As informações fornecidas nos termos do número anterior apenas
podem ser utilizadas em processo penal, não podendo ser revelada, em
caso algum, a identidade de quem as forneceu.
Ou seja, tais informações só podem ser usadas em processos penais. E sabe-se que no caso do PGR angolano o foram no âmbito de um processo administrativo. Não pode ser revelada em caso algum a identidade de quem as forneceu e sabe-se agora que foi uma entidade bancária ligada ao BCP. Quid juris? Diz o artº 20 nº 2 da mesma Lei:
2 - Quem, ainda que com mera negligência, revelar ou favorecer a
descoberta da identidade de quem forneceu informações, ao abrigo dos
artigos referidos no número anterior, é punido com pena de prisão até
três anos ou com pena de multa.
Saia um inquérito crime para o Expresso que divulgou, estupidamente como é apanágio do seu director, o assunto em primeira mão. Já devia ter sido instaurado...
Tudo isto é surrealista e gera problemas diplomáticos graves e incompreensíveis que colocam em risco as relações económicas entre Portugal e Angola.
O que se espera então do MºPº de cá? Que seja realista e perceba que nunca os angolanos irão colaborar na eventual descoberta de crimes de corrupção cometidos no seu próprio país e que envolvem eventualmente altos dignitários desse país. Esperar outra coisa é incorrer em grave erro de análise e que prejudica seriamente o interesse do Estado português. É, salvo o devido respeito, uma estupidez.
E que fazer então aos tais processos administrativos que ainda perduram no DCIAP para aquele efeito? Arquivá-los liminarmente. Acabar com o pro-forma e instaurar apenas processos de inquérito, ou seja quando os indícios sejam seguros e concretos. Como se vê pela lei, as entidades bancárias só devem comunicar quando suspeitam seriamente de branqueamento e não automaticamente. Como o foram no caso de Álvaro Sobrinho e entretanto deixaram de o ser...o que deveria ser uma lição a extrair do que se passa em Angola e sobre o seu estado de Direito a fazer de conta.
2 comentários:
'a menina pescadinha tem a cauda nos lábios'
moderno mito urbano do 'ourobouros' alquímico
ou da 'obra ao negro' do alquimista Nicolas Flanel romanceado por Marguerite Yourcenar
qual será o montante ou juzante do 'guito' saído para as ilhas Caimão
que ninguém investiga
o mesmo acontece com o dinheiro lavado na europa e no rectângulo proveniente da venda de droga, cigarros de contrabando, prostituição, venda de órgãos e sangue ...
diz-se que as obras públicas keynesianas são das melhores lavandarias do mercado negro ou sujo
grande parte dos empreendimentos turísticos europeus e do norte de África são apontados como proveniente de origem porca
há demasiadas mãos a salvo de qualquer suspeita de sujeira
Leitura obrigatória:
http://liceu-aristotelico.blogspot.com/2013/10/o-testemunho-de-henrique-veiga-de_30.html
Segue um excerto...
Em reunião do Conselho de Ministros, ouvi-lhe um dia, estas palavras:
«Há quem diga que sou ditador, mas não é verdade. Cumprir escrupulosamente a lei e integrar-me no seu espírito é minha preocupação permanente... Nem sequer me permiti, alguma vez, alterar ou revogar qualquer despacho de um Ministro, por mais que dele discordasse. Não tenho para tanto poderes legais, nem os quero, e duvido que, nos outros países, os Chefes do Governo se privem dessa faculdade. Quando não concordo com a orientação geral de um Ministro só me resta propor a sua exoneração ao Chefe do Estado».
Recorde-se que, ao tempo, nenhum decreto-lei poderia ser enviado para promulgação do Presidente da República e publicado no «Diário do Governo», sem que todos os Ministros o subscrevessem - prática que foi posta de parte logo que Salazar deixou de ser o Presidente do Conselho.
Anoto ainda que, como deputado, e mesmo quando simultaneamente presidia à Comissão Executiva da União Nacional, sempre na Assembleia Nacional, votei de acordo com os meus pontos de vista, e não raro tomei posições contrárias às do Governo, no plenário, e nas Comissões Parlamentares, sem que me fossem feitos quaisquer reparos.
Esta prerrogativa essencial, possível num regime apartidário, não o é num regime de partido único (não confundir, como é frequente, estes dois tipos diferenciados de regimes), nem tão-pouco num regime de partidos, o que se me afigura inadmissível quando penso na liberdade que os deputados devem ter para votarem sempre, e só, de acordo com o seu parecer e a sua consciência.
Hábil, realista, pragmático por conta e medida, sem nunca pôr em causa os valores essenciais da Constituição, Salazar sempre se empenhou na busca de soluções de equilíbrio e estabilidade. Daí a configuração pluralista dos seus governos, que integravam, por sistema, personalidades de formações e tendências ideológicas diversas ou mesmo alheias da política ou a esta avessas. E, quase sempre, eram minoria os ministros que se identificavam com o seu pensamento político, e mais raros ainda os filiados na União Nacional. Salazar sabia que a política era não só a arte do possível, mas também a de interessar e responsabilizar os homens e os grupos sociais no projecto político, em ordem a dar-lhe mais alargado consenso e maiores probabilidades de êxito.
Henrique Veiga Macedo
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