"Existirá um pensamento fascista?", pergunta a revista, com resposta em várias páginas interiores e relacionada com um problema que os franceses enfrentam: a subida eleitoral da extrema-direita, sem subterfúgios ideológicos ou políticos. É mesmo a extrema-direita, assumida como tal que vai de vento em popa eleitoral e assusta os bien-penseurs.
E nós, por cá? Todos bem, não temos o "problema". Desde logo porque nem temos uma extrema-direita que assuma essa característica e seja parte do sistema político vigente. Desde os jornais da Impresa Sic até ao O Militante do PCP, nenhum órgão de informação que se preze dá guarida a ideias "fascistas" ou de "extrema-direita".
Como tais ideias são o lumpen intelectual, a escumalha do pensamento e o opróbrio dos democratas do chavão são por isso democraticamente censuradas e mantidas no bom recato do olvido.
Os franceses, porém, querem saber mais e aprender sobre as ideias fascistas e outras. E escrevem abertamente sobre as mesmas, com categoria que por cá negligenciamos, porque temos cretinos a dirigir a comunicação social.
Basta-nos ter a "geração mais bem preparada de sempre" e portanto não temos qualquer necessidade de pensar nessas bagatelas ideológicas. Para isso temos os artures baptistas da silva, palafreneiros da cretinice em barda, todos os dias presentes nas impresas sic e ao fim de semana, nos jornais.
Como chegámos aqui, à ausência de debate e aos contentinhos baptistas da silva? A meu ver, através de uma figura de estilo espalhada pela linguagem corrente: a metonímia, ou seja a alteração do sentido natural dos termos, com modificação da linguagem.
De há quarenta anos a esta parte temos um "fascismo" bem definido numa figura grande estilo: Salazar. Agora até parece que um dos metonímicos do sistema pretende recuperar a figura e substitui-la por outra mais hedionda, Marcello Caetano, que, esse sim, seria o verdadeiro "fascista" .
Temos ainda um regime fascista, por excelência, definido logo nessa altura com todos os ademanes da conveniência ideológica. Qualquer aluno do ensino básico o sabe de cor, designando os nomes dos "fascistas".
O que nos falta? Juízo, claro está. Senso comum do mais simples. Nem Salazar foi fascista; nem Caetano o seria, nem o regime de ambos caminhou de fascio na mão.
Quem o disse? O crismador-mor, o intelectual Eduardo Lourenço que em 1976 não tinha dúvidas e até escreveu um livro para o provar:
Passados uns anos ( muitos anos porque esta desfiguração leva sempre muito tempo a compor-se em letra de forma) "pensou melhor" e transfigurou-se no estilo.
Eu escrevi um livrinho com o título “O Fascismo Nunca Existiu”. Tinha um título irónico, numa altura em que efectivamente alguns reflexos do antigo regime começavam a querer voltar à tona de água. Mas hoje, passados tantos anos, penso que esta ironia tem alguns aspectos de verdade. Primeiro, o regime nunca se assumiu como fascista, embora na primeira fase seguisse o modelo mussoliniano. Toda a gente sabe que Salazar tinha o retrato de Mussolini na sua secretária, e que só quando ele entrou na guerra é que o substituiu pelo do Pio XII. De resto, não há grandes parecenças entre um grande histrião político, como era Mussolini, e aquele senhor reservado, professor de Coimbra, que era Salazar. De todos esses ditadores, é o mais difícil de definir. Há algumas coisas escritas sobre ele, como as do embaixador Franco Nogueira, muito centradas na acção diplomática, mas há ainda muito a fazer. O contraste entre a literatura suscitada por Mussolini ou Franco e o que se escreveu sobre Salazar é enorme. Mas é claro que a Espanha de Franco e a Itália de Mussolini tiveram muito mais influência nos acontecimentos da Europa do que Portugal. A principal preocupação de Salazar era a de que não se fizessem ondas, para ele poder governar tranquilamente, à sua maneira. E de algum modo conseguiu.
Antes dele já um antigo "antifassista" tinha desfigurado o retrato fotomaton e metonímico, precisamente no Expresso de 23 de Abril de 1989 e atribuiu a Salazar a mais alta condecoração que um cidadão político pode ostentar: a "recta intenção".
Poderá então saber-se como é que a Mentira metonímica continua a perdurar e a repetir-se nos media das Impresas sic e noutros lados, retomando a velha palavra-mágica que garante pergaminhos democráticos a quem a usa?
É fácil porque foi precisamente quem a criou que a alimenta a esterco ideológico permanente:
"(...) à política de unidade da classe operária como base da unidade antifascista; ao carácter essencial da luta de massas; ao papel determinante da organização; à definição da ideologia de classe como ideologia do Partido, fazendo do PCP um Partido leninista definido com a experiência própria. "
É este o ovo da serpente metonímica que continua a gerar o dialecto putrefacto que aduba as impresas sic e outros lugares do mesmo culto.