O processo Fizz levou ontem uma machadada fatal com o depoimento do juiz Carlos Alexandre, conforme relata o CM de hoje:
Em 9.5.2017 escrevi aqui o seguinte:
O motivo principal para a acusação a Orlando Figueira reside na
circunstância aduzida de o arguido Manuel Vicente poder ser ilibado a
tempo de ser "promovido" a vice-presidente de Angola. Ou seja, na
acusação entende-se tal nomeação como uma promoção e que o inquérito por
cá instaurado contra o mesmo, seria um factor impeditivo e por isso a
pressa do referido procurador em o arquivar a tempo de evitar tal
"incómodo". Corrupção para acto lícito, se assim fosse. "Jeito" do
procurador ao arguido a fim de o mesmo poder ser entronizado no cargo
que afinal, segundo Rafael Marques, constituiu o fim dele...
Ora o que Rafael Marques disse é o contrário daquela conclusão do MºPº
no caso da corrupção do procurador Orlando: Manuel Vicente foi retirado
da Sonangol para o desmobilizar e permitir que o presidente o
controlasse. Portanto, uma verdadeira despromoção. "Foi o fim de Manuel
Vicente", diz mesmo Rafael Marques.
Assim, este jornalista de oposição em Angola, co-autor da participação
criminal ao DCIAP que originou o processo que o procurador Orlando
Figueira arquivou e em relação ao qual terá cometido o crime de
corrupção será a melhor testemunha de defesa do procurador. Tanto que
provavelmente fica sem sentido a própria acusação. A não ser que tenha
existido "erro de percepção", fenómeno recorrente nos dias que passam.
Estava longe de pensar que o julgamento seria uma comprovação de que Orlando Figueira não foi efectivamente corrompido directa ou indirectamente pelo tal Vicente, segundo tudo indica, até aqui e o depoimento do juiz Carlos Alexandre corrobora de certa forma.
Em resumo: Orlando Figueira deixou-se deslumbrar pelas prendas envenenadas de Angola? Nem tanto. Ter-se-á deixado deslumbrar pelo dinheiro fácil prometido numa época de vacas magras para a magistratura e funcionalismo público em geral, a seguir à bancarrota de 2011 e num contexto assinalado de permissividade hierárquica para tal. O CSMP não se opôs à sua saída...perante as razões apresentadas que não foram manhosas no sentido se serem totalmente ocultas. Os colegas sabiam que Orlando Figueira iria trabalhar para angolanos...e eventualmente surgiu até uma pequena inveja.
Por outro lado o MºPº do DCIAP onde Figueira trabalhou, era conhecido e era sabido para onde iria, deixou-se deslumbrar pelos fumus juris de um reflexo pavloviano: cheirou-lhes que poderia haver corrupção, porque afinal Figueira arquivara processos em que interveio o tal Vicente e afinal era um deslumbrado. E a conclusão apressada das cadelas prenhas deu no que deu: filhos deficientes.
O processo, já deu para perceber e os jornalistas já entenderam, nasceu torto. E portanto tarde ou nunca se endireitará.
Um dos piores defeitos da magistratura é o deslumbramento, a precipitação e a falta de senso. Neste caso parece sobrar muito disso tudo, o que é lamentável porque a imagem da magistratura fica irremediavelmente afectada e de um modo que me parece haver apenas uma saída para quem dirige o departamento: demissão e afastamento de quem tomou conta do processo.
Já se tinha assistido a tal efeito no episódio da recolha de um papel no gabinete do advogado Blanco, com o nome do filho do juiz C.Alexandre. O responsável pelo inquérito, amigo do dito há longos anos, recolheu o papel, deu-lhe seguimento e o assunto deu em nada porque nada havia, como seria de bom senso julgar ab initio e mandar apenas instaurar inquéritos quando há "fundadas suspeitas" porque é o que diz a lei. A atitude contrária faz suspeitar da pior badalhoquice que alguém pode cometer numa profissão forense: trair uma amizade por um assunto de lana caprina que poderia ser averiguado com um telefonema, entre homens a sério.
O juiz C. Alexandre foi objectivamente magnânimo, altruísta e afinal de contas humilde no reconhecimento, em julgamento, ontem, de que a atitude de Rosário Teixeira foi a que um magistrado deve tomar. Porém, está enganado nisso: foi a pior atitude que alguém deve tomar num caso semelhante. E isso é claro, para mim: pôr em risco a honra de um amigo, em quem se deposita confiança e capaz de nos salvar a pele profissional várias vezes e em momentos difíceis, sem ter os elementos suficientes e necessário para tal é outra coisa que me escuso de enunciar.
Estes deslumbramentos judiciários são infelizmente frequentes, decorrem da soberba própria de quem julga que está numa impunidade institucional, até ao momento em que lhes caia em cima a espada da verdade e da justiça. Aí, acobardam-se porque é essa a natureza destes valentes.
No outro dia, numa entrevista lida algures, um decano da advocacia
política e de negócios, de um grande escritório de Lisboa, antifassista
encartado e tudo o mais, chamado Galvão Teles, dizia que o MºPº por
vezes enreda-se nas suas certezas e depois torna-se difícil dar o braço a
torcer porque carece de humildade. Se não foi assim, foi essa a
mensagem.E isso é um grande problema na magistratura do MºPº.