O juiz jubilado Pinto Monteiro, antigo PGR, concedeu uma entrevista ao Público/Rádio Renascença que é um exercício exemplar na arte da estultícia.
Merece comentário pelo que diz, pelo que não diz e pelo que não lhe perguntaram os entrevistadores, particularmente o director do jornal, Dinis, Dinis, alguém assim quis.
A entrevista roça a estultícia, a estupidez e a farsa, pura e simples, por vezes.
Primeira página:
O título não merece comentário especial a não ser sobre o facto estranho de um presidente de Câmara andar a ligar ao PGR ( e este atender) várias vezes, para falar, queixando-se de violações de segredo de justiça com as quais aparentemente nada teria a ver. Rio é um mistério nestas coisas de justiça e suscita suspeitas mais que justificadas, neste aspecto. Há muito tempo que ataca o Ministério Público imputando-lhe coisas que não nomeia a não ser uma alegada ineficácia...enquanto se preocupa muito com o segredo de justiça. Estranho e suspeito, repito.
Nesta primeira página o assunto é, aliás, o segredo de justiça relativamente ao qual Pinto Monteiro afirma categoricamente que não existe. Em milhares e milhares de processos em Portugal, o estulto Monteiro afirma que não há segredo de justiça. E porque se trata de estultícia? Simplesmente porque as condições de manutenção de segredo de justiça, tal como definido processualmente, o torna virtualmente impossível de guardar a partir de determinado momento, mormente quando intervêm outros sujeitos processuais e se torna impossível detectar quem violou o quê, como, quando e onde. Monteiro se calhar nem sabe que a investigação do crime de violação nem se pode fazer recorrendo a escutas telefónicas. E se fazia jeito, tal instrumento...
Sabendo que isto é assim, torna-se estulto imputar a quem tem a direcção do processo a responsabilidade objectiva, com culpa formada em modo criminal, de tal violação. Não é de agora, esta estultícia...e já uma vez comentei sobre isto, contando um caso concreto que envolve Pinto Monteiro, precisamente:
Ao contrário do que afirma Pinto Monteiro, é possível manter o segredo
de justiça nos processos em investigação. E tal é demonstrado por esse
mesmo processo [Face Oculta] em que tal segredo se manteve até ao dia 24 de Junho de
2009, data em que o mesmo PGR recebeu os magistrados de Aveiro e Coimbra
que lhe comunicaram o teor delicadíssimo das conversas em que
intervinha o primeiro-ministro. Note-se que estávamos em época
pré-eleitoral e que na parte da propaganda do governo foi colocada em
marcha uma operação sobre as "escutas na presidência da República", na
qual participou activamente o mesmo jornalista desportivo [João Marcelino, desaparecido destes combates]. Nesse mesmo
dia 24 de Junho de 2009, os suspeitos nesse processo tomaram
conhecimento que andavam a ser escutados. Ou seja, nesse mesmo dia,
provavelmente à tardinha, foi violado o segredo de justiça de um modo
inacreditavelmente criminoso e que o PGR nunca se referiu ao mesmo. E no
entanto, provavelmente será a violação de segredo de justiça mais
perniciosa para uma investigação que já existiu em processos crime em
Portugal. Sobre isto, o PGR nada disse e nunca disse nada. Mais:
conforme é conhecido, assumiu nos despachos de arquivamento do
expediente que as escutas demonstravam que os envolvidos, suspeitos,
andavam a reinar com o pagode, ou seja, que eram anjolas em figura de
gente e que nada queriam da TVI ou da Cofina ou seja de quem for. Breve:
acreditou na inversão das conversas que depois do dia 25 de Junho foram
gravadas e vieram para a praça pública, depois das eleições e depois de
serem comunicadas a outros intervenientes processuais, aquando de
buscas realizadas.
Portanto, sobre este assunto, muito ficou por esclarecer, sendo duvidoso que alguma vez o venha a ser.
Na altura, perante a indignação que isto causou escrevi assim cingindo-me a factos conhecidos ( e que entretanto, pouco depois, foram apagados do site da PGR relativamente à agenda do PGR que até aí era divulgada diariamente, sendo possível saber onde estava e a fazer o quê, em serviço) :
Às
11 horas da manhã do dia 24 de Junho [2009], houve uma reunião na PGR entre o
procurador de Aveiro e o PGR, com a presença do procurador-geral
distrital de Coimbra.
À tarde desse dia, houve uma reunião do PGR com uma equipa especial do DIAP e à tardinha, uma reunião do mesmo PGR no STJ.
Até então, não tinha havido qualquer violação de segredo de justiça, o que é evidente perante o teor das escutas.
E
a partir desse dia, como se verifica pelo teor das mesmas e demais
elementos que são conhecidos, houve efectivamente um conhecimento pelos
suspeitos de algo que os fez alterar radicalmente o discurso e alterar
mesmo o "negócio" que ia de vento em popa e a jacto privado.
Sobre segredo de justiça e sua violação e as tretas de Pinto Monteiro sobre o assunto estamos conversados há muito...
Segunda página da entrevista:
Sobre a investigação a "poderosos" e influentes, políticos, Pinto Monteiro também não é a primeira vez que se pronuncia. Desta vez é para puxar galões que não lhe pertencem, por ter investigado o BPN e o Furacão ( que deu em nada a não ser suspensões provisórias do processo mediante pagamentos dos impostos em dívida, acrescidos dos juros faraminosos que o Fisco cobra).
Em tempo de há meia dúzia de anos tinha dito que os políticos andavam a querer resolver questões políticas através de processos judiciais e portanto desvalorizando-os ipso facto, como realmente fez no caso Freeport e depois no Face Oculta ("Lamento que os políticos continuem a tentar resolver as questões políticas através de processos judiciais") . Agora gaba-se de ter investigado a e b e c...
Ainda disse mais na tal entrevista desportiva ao DN: " a maior
parte dos políticos relevantes em Portugal tiveram processos criados
pela comunicação social, pelo diz-que-disse. Acabou por não se provar
nada, porque não se prova o que não existe..."
Sobre um dos casos em particular, do Face Oculta, Freitas do Amaral escreveu e respondeu-lhe, assim: " O PGR
tem razão ao dizer que neste momento o caso das escutas no processo
Face Oculta é meramente politico. Mas só o é, porém, porque o PGR optou
por uma interpretação muito restritiva do conceito 'atentado ao Estado
de Direito'. Até ele o fazer, o caso era meramente jurídico" .
Um professor de Direito que deu uma chapada retórica bem dada num juiz de Direito, do cível... e que só mesmo alguém sem vergonha suporta sem um ai público.
Depois disto e da exposição clara da competência jurídica de um ex-PGR, apodar de medíocre um magistrado do MºPº que lhe fez frente como nenhum outro antes ou depois, como foi o caso de João Palma, soa a música desafinada do despeito que recorre ao insulto.
Mas há mais e pior, na terceira página da entrevista:
Pinto Monteiro volta ao caso Fripó para voltar a insistir em tristezas de que é o único responsável.
"A investigação ao Freeport estava paradinha porque Sócrates ganhou as eleições".
Estava "paradinha", aonde? No Ministério Público local, do Montijo, não se dera pelo estado paradinho do processo e a imediata hierarquia superior também não e logo a seguir a Procuradora-geral Distrital ( Van Dunem, actual ministra da Justiça) também não e no fim da linha o PGR Pinto Monteiro que recebia relatórios de todos eles, também não. Responsabilidade? Da jovem procuradora do Montijo...diz agora Monteiro.
Porém, isso nem é o pior. Logo que foi detectado o estado "paradinho" do processo tudo se moveu para o pôr a andar, e veio para o DCIAP ( "que era aliás onde deveria estar", diz Pinto Monteiro que nada fez por isso quando poderia e deveria ter feito, se calhar, ou alguém por ele, em quem tivesse delegado tal tarefa. Seria o Vice-PGR, escolhido por ele?) .
No DCIAP que é um departamento que depende directamente da PGR, andou até chegar ao ponto das 27 perguntas que os magistrados titulares fizeram para denotar que ainda fazia falta mais alguma coisa, para além das declarações avulsas de Pinto Monteiro sobre o Fripó.
O que fez então Pinto Monteiro? O mesmo o recorda: "investigaram o tempo que quiseram"! Foi mesmo? "Não apuraram nada"! Não?! "O PGR nunca mexe num processo". Pois não mas é o responsável directo pelo DCIAP que depende directamente do PGR. Que fez Pinto Monteiro para dignificar o DCIAP que dependia directamente dele?
Esta é fácil porque a revista Sábado no outro dia deu a resposta: foi isto que aqui está. Nada fez, Pinto Monteiro a não ser confiar na responsável em quem tinha toda a confiança e que pelos vistos era muito merecida...
Portanto, sobre o segredo de justiça ou a organização dos serviços que dependiam directamente dele, Pinto Monteiro deu esta imagem na altura, continua a dá-la agora, a propósito não se sabe bem de quê, mas é de desconfiar e não é com entrevistas estultas que a vai apagar, a não ser para quem não tenha memória.
Por último, 4ª página da entrevista:
Sobre o caso Sócrates enquanto primeiro-ministro e na altura em que os factos de que é agora acusado ocorreram, Pinto Monteiro é sucinto: não conhece bem o indivíduo. Esteve com ele poucas vezes, todas oficiais e apenas uma vez a almoçar, a correr e depois de ter feito umas análises. Conversaram sobre banalidades e dali a dois dias Sócrates era preso. Quem lhe deu a notícia foi um sobrinho: "Sabes quem é que está a ser preso?" E Pinto Monteiro: perplexo, admirado até com o que acontecia ao antigo primeiro-ministro em relação ao qual "apreciava o estilo". O "estilo" não explica bem o que seja, mas pode sempre suspeitar-se que seja o de aldrabão nato. Ou seja, gostou de ser aldrabado, poderá inferir-se sem grande temeridade.
Há pessoas assim...mas não costumam dar entrevistas ao Público a gabarem-se disso.
De resto faltou uma pergunta ou outra que está na ordem do dia mas o Dinis, Dinis, alguém assim quis não teve tempo de formular: Pinto Monteiro é amigo de Proença de Carvalho? É amigo de casa, de viagens, de conversas, essas coisas? E falou com o mesmo durante o tempo em que esteve na PGR? Sobre quê? Livros e banalidades?
Aposto que um dia destes ainda o vamos saber...