A droga, seja haxixe, lsd, heroína e mais tarde cocaína, foi sempre um atributo ligado à música popular. Antes dos anos sessenta houve casos de droga e abuso dessas substâncias na música popular, designadamente o jazz. Charlie Parker é o melhor exemplo.
Porém, a droga tornou-se visível e até escandalosa durante os anos sessenta, com os Beatles, os Rolling Stones e muitos outros .John Lennon teve problemas com drogas. Paul McCartney, idem. Keith Richards, nem se fala.
Em Portugal os media deram conta do fenómeno ligando-o aos "hippies", mesmo quando esta fauna já tinha desaparecido há anos das ruas de certas cidades americanas.
Como mostrava o Século Ilustrado, em 9 de Março de 1968, estudantes da Escola António Arroio celebraram o carnaval assim, com um arremedo folclórico dos hippies de S. Francisco quando a ária da cançoneta pop San Francisco ( be sure to wear some flowers in your hair) de Scott McKenzie ainda soava em discos riscados.
Esta imagem da mesma revista de 13.7.1970 mostra um cenário muito semelhante ao que ocorreu no ano seguinte em Vilar de Mouros, ressalvadas as diferenças entre a ilha de Wight ( Wight is Wight, Dylan is Dylan, cantava Michel Delpech numa cantiguinha que adorava ouvir) e o ambiente bucólico da aldeia do Alto Minho.
O espírito, porém, era o mesmo, ligado à música popular e inevitavelmente as drogas entravam nesse cenário, embora nos bastidores e em modo restrito.
A primeira vez que dei conta do problema como assunto sério e de saúde pública, como aliás se veio a tornar anos mais tarde, foi nas páginas da revista francesa Paris Match que comprei em Junho de 1970 por causa da capa e do assunto: trazia alguns jogadores do Brasil ( Tostão, Rivelino e Pelé) no campeonato do Mundo de futebol desse ano, sempre empolgante e ainda mais porque se seguiu ao de 1966, embora Portugal ficasse de fora. O Brasil era então a nossa equipa e ganhou o Tri.
A revista que guardei já não tem capa há muitos anos, nem sequer a meia dúzia de páginas sobre o futebol desse ano, mas estas duas páginas impressionaram-me porque mostravam um mundo que em 1970 ainda era estranho em Portugal:
A produção musical da pop/rock, nessa época, era tão rica que o desaparecimento desses ícones da melhor música popular não teve o relevo, por cá, como poderia ter.
Nos EUA foram capa da Rolling Stone, em dois números seguidos de Outubro de 1970 e depois em Agosto de 1971:
Em Portugal isto foi conhecido, porque a imprensa falava no assunto. Não em parangonas por causa de outros assuntos que as ocupavam mas em referências, inclusivé às drogas.
Em 6 de Novembro de 1970, o Diário Popular tinha uma pequena nota sobre o assunto na página dedicada à música pop, semanal:
A revista mensal Mundo da Canção, surgida no final de 1969 publicou estas notinhas no número 11 de Outubro de 1970 e no número seguinte: "Janis Joplin não morreu drogada", informava a revista. Morreu por causa do álcool...e Jimi Hendrix foi o "inventor do pop psicadélico". Sobre as drogas, moita carrasco.
Em 4.12.1970 a revista Flama publicitou um disco que fazia uma resenha dos anos sessenta e que muito me impressionou na época, pelo modernismo gráfico da ilustração. Já lá aparecia o LSD e outra droga fatal que agarrou alguns que agora escrevem no Observador depois de terem feito uma desintoxicação: o "livrinho vermelho" de Mao
Aquando da morte de Jim Morrison, em Paris ( está sepultado no Père Lachaise, numa campa apertada, junta a outras que já vi e fotografei) a Mundo da Canção de Setembro de 1971 apresentou um artigo perfeitamente cripto-comunista ( cita profusamente Marcuse, um relapso de Maio de 68) que a Censura deixou passar:
A revista Rock&Folk francesa fazia melhor com esses obituários, em Janeiro de 1971:
No Verão de 1971 houve o festival de Vilar de Mouros e a droga já era assunto conhecido. Porém, só no ano seguinte assumiu a feição de problema público com os tais cartazes da "Droga, loucura, morte", estúpidos porque demasiado alarmistas e portanto contra-producentes.
A revista Século Ilustrado publicou na mesma altura um número especial dedicado às drogas e informativo qb, com ilustração e que já foi aqui mostrada.
Em 27 de Maio de 1972 o Século Ilustrado publicou uma reportagem não assinada sobre a droga...em Goa!
Não entendi e continuo a não entender...
Em 1975, surgiu nos escaparates um livro estranhíssimo, escrito com os pés por um sujeito que já morreu e se dedicava o jazz de vanguarda e música electrónica, no Porto: Jorge Lima Barreto. O livro era integralmente uma apologia da droga e comprei-o em Outubro de 1975.
Cheguei-o a emprestar a um amigo de infância que se tinha tornado drogado, vindo de Moçambique na onda de retornados. Já morreu há uns anos e apesar de não ter sido por causa da droga, mas de acidente de viação, esteve preso durante vários anos por tráfico. Hoje nunca cumpriria pena de prisão efectiva porque era um simples traficante-consumidor. Dizia que em Moçambique, nesse tempo dos anos setenta, a "liamba" era de consumo livre.
Mas em 1977 a lei da droga não era idêntica à que surgiu em 1993 e que é a que ainda hoje se aplica, com resultados salteados. Quem a conhece bem são os ciganos e os seus advogados...
28 comentários:
Desculpe a ousadia mas julgo que apreciam.
https://www.dailymotion.com/video/x182v07
O álbum sgt pepper dos beatles tocado pelos cheap trick, e a orquestra sinfónica de nova iorque, no hotel waldorf astoria.
Huummm...interessante. Não tenho disco nenhum dos Cheap Trick mas adorava ouvir o disco ao vivo no Budokan, quando saiu. Uma espécie de Ramones sofisticados e com um pouco mais de mestria nos instrumentos.
E esta versão do disco dos Beatles está muito bem tocada.
Assim, como limpa caixas de caganitas de percevejos, fico sem problemas de consciência.
sempre me interessei pelo fenómeno droga
La cucaracha, la cucaracha ya no puede caminar (ah, ah)
Porque le falta porque le falta(ah, ah)
Marihuana que fumar
estou a reunir elementos
Novas Substâncias Psicoactivas (NSP)
A atribuição do termo novas não se aplica a drogas recentes, mas ao emprego em termos de abuso e recreio. Chegam aos consumidores por intermédio de novas formas de comercialização, promovidas pelo marketing numa sociedade global. Distinguem-se da venda anterior a 1980 pela sua diversidade e potencial de acção. As designer drugs apareceram na década de 1980 e as de síntese na década seguinte.
«Desde 2006 que o EMCDDA (European Monitoring Centre for Drugs and Drug Addiction) chama a atenção para a circulação no mercado de Novas Substâncias Psicoactivas (NSP, do inglês New Psychoactive Drugs) (EMCDDA, 2011). Apesar de as NSP’s não serem verdadeiramente substâncias novas no mercado, sendo algumas bem conhecidas há largas décadas, esta terminologia tenta englobar um conjunto de substâncias em que os mecanismos de procura e comercialização são diferentes das já conhecidas substâncias psicoactivas ilegais. Dentro das NSPs encontra-se um vasto leque de substâncias que compõe uma grande variedade de produtos disponíveis no mercado, conhecidos como Legal Highs (drogas legais) ou Research Chemicals (substâncias químicas de investigação). Estas têm em comum o facto de apresentarem propriedades psicoactivas, serem vendidas com a indicação “não é para consumo humano” e não serem (na sua grande maioria) controladas pela lei.»
Agora aproveitam alegados crimes de ódio para afastar as polícias de certos bairros que sobrevivem a vender droga e a fazer outros serviços de recolecção para nossa grande riqueza...
E já vamos na cena moderna do que quer o cigano e o pretinho disserem é a "verdade" porque a sua palavra faz "fé"...
escrevi
Os mercados de droga continuam a ser um dos setores mais lucrativos para os grupos de criminalidade organizada (GCO), estimando-se que os cidadãos da União Europeia gastem mais de 24 mil milhões de euros (entre 21 e 31 mil milhões de euros) por ano em drogas ilícitas. Os impactos dos mercados de droga na sociedade são igualmente grandes e não se limitam aos danos causados pelo seu consumo. Entre eles figuram o envolvimento noutros tipos de atividades criminosas e no terrorismo; os prejuízos causados às empresas legais e à economia em geral; a fragilização e a corrupção das instituições do Estado; e as consequências nocivas para o conjunto da sociedade.
também cocaína, mas principalmente anfetaminas, catinonas e canabinoides sintéticos
cuidado com os discos rachados
O Zelito é uma espécie de Jorge Coelho em versão fascizoide.
O Jorge Coelho dizia que quem se metesse com o ps, quer dizer, quem discordasse dos diktates do partido, levava.
O Zelito vai mais além nessa demanda. Quem discorda, mesmo com argumentos factuais, com elevação, do regime fascista salazarquista por aqui doentiamente defendido, limpa a verdade para que ninguém possa exponhor as mentiras que vai veiculando neste blogue.
Rb
Pronto. Este vai ficar, mando eu, para se ver a caganita.
Venham mais que há Sheltox em reserva...
Zelito, estamos a afrouxar.
Rb
V. é um provocador, apenas. Ideias são apenas para isso: provocar gratuitamente e com acinte. Por isso leva Sheltox, até me apetecer.
Se me cansar, pode sempre tentar a sorte. Mas continuarei a ignorar o que escreve. Passo à frente. Não custa nada.
Óptimo. Entretanto nao perca a publicação da entrevista que concedeu ao site www.bustedblogue.blogspot.com.
Deve sair no próximo fim de semana.
Rb
Ó raios me partam. Mas este gajo ainda anda por aqui e não foi simplesmente bloqueado nas opções do blog? Isto afinal é à manivela? Epá, esperemos que o politicamente correcto não tenha chegado aqui.
Ó Ricciardi, parece que afinal estás a gozar o prato e ainda ficam a olhar. Respect!
O indivíduo é mesmo um provocador. Um fraco, como todos os provocadores. Vou usar o sheltox quando me apetecer, quando o número de caganitas se tornar insuportável.
Não conhecia o livro do Jorge Lima Barreto, um tretas que sempre acumulou saber por osmose. Surpreendente para mim foi ter sido editado pela Rés, editora do Porto com sede na praça do Marquês, do Sr. Reinaldo Carvalho, um conservador daqueles e homem de grande rigor cultural. Deve ter sido por, no tempo, os ventos não estarem de feição e precisar de viver como todos nós, imagino o que lhe tenha custado.
maravilha. as postagens das revistas- A DROGA É TÃO ANTIGA COMO O SER HUMANO. Um dia as minhas colegas francesas dissera que era impossível a minha actividade e criatividade , pois a primeira coisa que elas faziam ante do pequeno almoço era snifar. tanto me chatearam , que dei uma snifadela, por falta de experiência aspirei e foi para o cérebro. hospital com ela e fiquei vacinada, nem droga, nem álcool, nem fumo. o segredo para manter a inteligência, o raciocínio sempre alerta. gosto muito do senhor ricciardi, um espírito excepcional com um toque de maquiavelismo, como eu. agora vou trabalhar que se faz tarde.
Foi para o cérebro e lá ficou, ao que parece.
Ahahahah!
ehehehe
Excelente colectânea.
Também me lembro dos cartazes e eram um exagero que não tinha qualquer utilidade positiva.
A droga mais dura começou aparecer por cá nos anos 70. Lembro-me de um sujeito que ia para a porta de colégios passá-la. O Pedro Calazans.
Depois foram os brasileiros que traziam o LSD em gotas no papel de carta. Os retornados era mais liamba.
O eusamento da droga sempre me pareceu estúpido, porque aquilo apenas potencia o que já lá está dentro- na maior parte dos casos está estupidez que fica ainda em doses mais elevadas.
A utopia liberal do Huxley parece que conseguiu descer ao proletariado. Agora os drogados são financiados com RSI, mais patrociínios da Santa Casa e usam telemóvel. Chamam-lhes "sem-abrigo".
José,
o que é que não entende a propósito da reportagem de Goa
?
Não entendo que se dê importância ao tráfico e consumo de droga, em Goa, em 1972.
O que há mais a entender?
" Rés, editora do Porto com sede na praça do Marquês, do Sr. Reinaldo Carvalho, um conservador daqueles e homem de grande rigor cultural. Deve ter sido por, no tempo, os ventos não estarem de feição e precisar de viver como todos nós, imagino o que lhe tenha custado. "
Isso também não sabia e faz-me bem saber. Na época, em Outubro de 1975, quando comprei o livro andava a pensar se a música popular precisava da droga. Como eu não consumia ficava a pensar se me faltava alguma coisa para apreciar o Scarlett Begonias dos Grateful Dead, por exemplo, música que só vim a conhecer nos anos oitenta, aliás. Paradoxal? Não, apenas transversal a todo o género de música psico.
O livro levava a pensar que sim. No entanto, depois de ler o depoimento de alguns drogados da música, na Rock & Folk,nos anos a seguir, como por exemplo um que agora não me lembro, fiquei mais sossegado. Não era preciso droga para compor. Aliás, nem compunham nesse estado. E muito menos tocavam como devia ser.
Ora quem foi o tipo que disse isso?
Ando às voltas com a memória e não surge o nome. Talvez mais tarde, quando exterminar mais uns percevejos.
Mais uma seringadela no percevejo. É uma praga.
Não sei se não terá sido mesmo o Keith Richards, um dos agarrados à heroína que se safou por milagre.
as rotas ou vias de transporte de droga dos locais de origem para os de consumo 'vareiam' conforme as substâncias e as épocas
na década de 70 os opiáceos vinham do sudeste asiático via Goa, da Turquia e Jugoslãvia
o haxe de Marrocos, Angola e Moçambique
o LSD e os novos produtos sintéticos têm sido produzidos na UE
podia fabricar muitos deles no 'interior' e ninguém dava por isso
se quisesse viver com um nababo já o teria feito.
é fácil adquirir os produtos de partida
tal como qualquer um pode adquirir matéria-prima para a síntese de material explosivo que não deixa rasto.
a net fornece o receituário
O percevejo não tem tempo para mais nada...senão levar com Sheltox.
Eu acho interessante e, sobretudo, relevante.
Goa é hoje uma meca desse género de vida, agora associado com outro tipo de música - e que se tornou um produto de consumo de massas.
Por exemplo:
https://en.wikipedia.org/wiki/Goa_trance
The music has its roots in the popularity of Goa in the late 1960s and early 1970s as a hippie capital.
By 1990–91, Goa had become a hot destination for partying and was no longer under the radar: the scene grew bigger. Goa-style parties spread like a diaspora all over the world from 1993
The original goal of the music was to assist the dancers in experiencing a collective state of bodily transcendence, similar to that of ancient shamanic dancing rituals, through hypnotic, pulsing melodies and rhythms.
Portanto, acho que a Século Ilustrado não esteve mal - havia ali motivo de reportagem. Eram os começos de um fenómeno mundial.
Goa...capital hippie? Não me tinha dado conta. Sempre ouvi falar em Katmandu e noutras paragens onde os Beatles e os Beach Boys, particularmente Mike Love, foram. Rishikesh, na Índia.
Goa é novidade mas fico a saber.
Acerca do efeito das substâncias, o fenómeno não é exclusivo do rock, shubert, por exemplo, compôs o "Ave Maria" sob efeito de uma grande bebedeira, registando a música na ementa de um restaurante, Berlioz compôs a "Sinfonia Fantástica" durante uma viagem de ópera, ao ponto de haver quem a considere a primeira sinfonia psicadélica da história, e muitos mais exemplos hão.
Independentemente do que se toma, o génio está la, nao são as drogas ou o álcool que criam.
corrijo: durante uma viagem de ópio e não ópera.
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