terça-feira, junho 19, 2018

A droga em Portugal apareceu nos anos setenta

Na sequência deste artigo de Helena Matos no Observador,  sobre o fenómeno da droga em Portugal parece-me ter algum interesse acrescentar algo sobre o assunto, com os recortes da praxe.

A droga, seja haxixe, lsd, heroína  e mais tarde cocaína, foi sempre um atributo ligado à música popular. Antes dos anos sessenta houve casos de droga e  abuso dessas substâncias na música popular, designadamente o jazz. Charlie Parker é o melhor exemplo.

Porém, a droga tornou-se visível e até escandalosa durante os anos sessenta, com os Beatles, os Rolling Stones e muitos outros .John Lennon teve problemas com drogas. Paul McCartney, idem. Keith Richards, nem se fala.

Em Portugal os media deram conta do fenómeno ligando-o aos "hippies", mesmo quando esta fauna já tinha desaparecido há anos das ruas de certas cidades americanas.

Como mostrava o Século Ilustrado, em 9 de Março de 1968,  estudantes da Escola António Arroio celebraram o carnaval assim, com um arremedo folclórico dos hippies de S. Francisco quando a ária da cançoneta pop San Francisco ( be sure to wear some flowers in your hair) de Scott McKenzie ainda soava em discos riscados.


Esta imagem da mesma revista de 13.7.1970 mostra um cenário muito semelhante ao que ocorreu no ano seguinte em Vilar de Mouros, ressalvadas as diferenças entre a ilha de Wight ( Wight is Wight, Dylan is Dylan, cantava Michel Delpech numa cantiguinha que adorava ouvir)  e o ambiente bucólico da aldeia do Alto Minho.


O espírito, porém, era o mesmo, ligado à música popular e inevitavelmente as drogas entravam nesse cenário, embora nos bastidores e em modo restrito.

A primeira vez que dei conta do problema como assunto sério e de saúde pública, como aliás se veio a tornar anos mais tarde, foi nas páginas da revista francesa Paris Match que comprei em Junho de 1970 por causa da capa e do assunto: trazia alguns jogadores do Brasil ( Tostão, Rivelino e Pelé)  no campeonato do Mundo de futebol desse ano, sempre empolgante e ainda mais porque se seguiu ao de 1966, embora Portugal ficasse de fora. O Brasil era então a nossa equipa e ganhou o Tri.

A revista que guardei já não tem capa há muitos anos, nem sequer a meia dúzia de páginas sobre o futebol desse ano, mas estas duas páginas impressionaram-me porque mostravam um mundo que em 1970 ainda era estranho em Portugal:

Em finais desse ano morreram, quase em seguida uns aos outros, Jimi Hendrix, Janis Joplin e em 1971, Jim Morrison, dos Doors, todos relacionadas com abuso de substâncias, drogas e álcool. Todos na casa dos vintes.

A produção musical da pop/rock, nessa época, era tão rica que o desaparecimento desses  ícones da melhor música popular não teve o relevo, por cá, como poderia ter.

Nos EUA foram capa da Rolling Stone, em dois números seguidos de Outubro de 1970 e depois em Agosto de 1971:


Em Portugal isto foi conhecido, porque a imprensa falava no assunto. Não em parangonas por causa de outros assuntos que as ocupavam mas em referências, inclusivé às drogas.

Em 6 de Novembro de 1970, o Diário Popular tinha uma pequena nota sobre o assunto na página dedicada à música pop, semanal:


A revista mensal Mundo da Canção, surgida no final de 1969 publicou estas notinhas no número 11 de Outubro de 1970 e no número seguinte: "Janis Joplin não morreu drogada", informava a revista. Morreu por causa do álcool...e Jimi Hendrix foi o "inventor do pop psicadélico". Sobre as drogas, moita carrasco.



 Em 4.12.1970 a revista Flama publicitou um disco que fazia uma resenha dos anos sessenta e que muito me impressionou na época, pelo modernismo gráfico da ilustração. Já lá aparecia o LSD e outra droga fatal que agarrou alguns que agora escrevem no Observador depois de terem feito uma desintoxicação: o "livrinho vermelho" de Mao


Aquando da morte de Jim Morrison, em Paris ( está sepultado no Père Lachaise, numa campa apertada, junta a outras que já vi e fotografei) a Mundo da Canção de Setembro de 1971  apresentou um artigo perfeitamente cripto-comunista ( cita profusamente Marcuse, um relapso de Maio de 68)  que a Censura deixou passar:


A revista Rock&Folk francesa fazia melhor com esses obituários, em Janeiro de 1971:

No Verão de 1971 houve o festival de Vilar de Mouros e a droga já era assunto conhecido. Porém, só no ano seguinte assumiu a feição de problema público com os tais cartazes da "Droga, loucura, morte", estúpidos porque demasiado alarmistas e portanto contra-producentes.

A revista Século Ilustrado publicou na mesma altura um número especial dedicado às drogas e informativo qb, com ilustração e que já foi aqui mostrada.

Em 27 de Maio de 1972 o Século Ilustrado publicou uma reportagem não assinada sobre a droga...em Goa!
Não entendi e continuo a não entender...


 Em 1975, surgiu nos escaparates um livro estranhíssimo, escrito com os pés por um sujeito que já morreu e se dedicava o jazz de vanguarda e música electrónica, no Porto: Jorge Lima Barreto. O livro era integralmente uma apologia da droga e comprei-o em Outubro de 1975.

Cheguei-o a emprestar  a um amigo de infância que se tinha tornado drogado, vindo de Moçambique na onda de retornados. Já morreu há uns anos e apesar de não ter sido por causa da droga, mas de acidente de viação,  esteve preso durante vários anos por tráfico. Hoje nunca cumpriria pena de prisão efectiva porque era um simples traficante-consumidor.  Dizia que em Moçambique, nesse tempo dos anos setenta, a "liamba" era de consumo livre.
Mas em 1977 a lei da droga não era idêntica à que surgiu em 1993 e que é a que ainda hoje se aplica, com resultados salteados. Quem a conhece bem são os ciganos e os seus advogados...



Questuber! Mais um escândalo!