Um dos elementos do nosso subdesenvolvimento pode resumir-se no uso do “eles”. “Foram “eles”, é por causa “deles”, “eles” é que têm a culpa. Ninguém se considera também responsável pelos seus próprios actos e ainda menos pelo destino do país ou por comportamentos que contribuem para o analfabetismo, a iliteracia ou ainda para aspectos tão simples como manter a sua rua limpa.
É uma pesada e profunda herança do Estado Novo. Que, para nos ter em ditadura, nos manteve analfabetos, desresponsabilizou-nos enquanto indivíduos e fez de nós iletrados cultural, social, económica e financeiramente. Com o apoio e cumplicidade das elites, elas própria também viciadas neste perfil de “povo”. Algumas dos raciocínios a que assistimos hoje e que são atribuídos à esquerda recordam dolorosamente essa política de infantilização, uma das receitas para dominar os povos.
O texto é de Helena Garrido, no Observador e pergunto-me que formação e cultura tem a autora para produzir tiradas deste calibre. Formada em Economia pela Nova é jornalista de assuntos económicos. Desde há muito que tenho ideia que os economistas fazem parte da espécie dos sabe-tudo que abundam nos media e este pode ser mais um exemplo. Mas pode ter razão...
É uma pesada e profunda herança do Estado Novo. Que, para nos ter em ditadura, nos manteve analfabetos, desresponsabilizou-nos enquanto indivíduos e fez de nós iletrados cultural, social, económica e financeiramente- escreve a autora.
Será assim? O tempo de Salazar foi assim? Havia esse analfabetismo endémico e incultura atávica? Que infantilização é essa de que fala a autora?
Sabemos que o discurso de acusação ao salazarismo e do que apelidam obscurantismo radica numa falácia: o que o salazarismo impediu com a Censura foi a propaganda da esquerda comunista e pró-comunista. Proibiu livros, revistas e jornais e mesmo notícias que poderiam ter esclarecido a opinião pública em geral sobre os malefícios reais do comunismo. Nisso, os comunistas até deveriam agradecer. Por dois motivos: fariam bem pior se mandassem e aproveitaram a ignorância generalizada, em 1974, sobre o que eram na realidade, para edulcorarem o discurso e captarem a atenção de quem adoptou a democracia como regime.
Por causa dessa censura as pessoas em geral não foram informadas devidamente da real natureza do comunismo, nos países de Leste e quando desapareceu a Censura do antigo regime, os partidos comunistas apareceram como sendo amigos do povo, dos trabalhadores em geral e afinal adeptos da democracia. Por exemplo, ninguém informava os crédulos que o comunismo proibiu as greves nos países de Leste e na Hungria, após 1956, até com pena de morte. O Expresso não apareceu em 1973 para cumprir tal papel informativo, mas precisamente para abrir caminho para o comunismo português do PCP e socialismo do PS que entendiam ser partidos essenciais a uma democracia.
Em Junho de 1975 na entrevista a Oriana Falacci, Álvaro Cunhal assegurou que Portugal nunca seria uma democracia de tipo ocidental, mas desmentiu logo tal afirmação, sem que lhe mostrassem as provas da mentira. Ninguém se incomodou e o Expresso nem insistiu.
O PCP e extrema-esquerda em geral sempre tiveram boa imprensa em Portugal, depois do 25 de Abril 74, muito por causa da inexistência de notícias sobre os mesmos antes dessa data.
A Censura em Portugal resultava de uma espécie de paternalismo do regime para com o povo em geral. "O povo ainda não estava preparado para a liberdade", parece ser também a ideia que Marcello Caetano exprimiu a Alçada Baptista num livro de entrevistas publicado cerca de um ano antes do 25 de Abril 74.
Mas será isso o reflexo da tal infantilização do povo português? A mim parece-me outra coisa que já aqui sinalizei, a propósito da biografia recente de José Manuel de Mello, o herdeiro do grupo CUF.
Na primeira sondagem realizada após o 25 de Abril de 74, pela CEAD, em finais de 1974, em moldes científicos e representativos, os resultados foram surpreendentes e mostraram a meu ver duas coisas:
A primeira foi que a maioria esmagadora do povo votaria em partidos moderados, parecendo-lhe que o PS era um desses partidos, ao mesmo tempo que jurava defender os pobrezinhos, contra os ricos empresários latifundiários e exploradores. Este discurso passou com grande eficácia na meia dúzia de meses de propaganda revolucionária que se seguiu ao golpe militar de 25 de Abril.
Em segundo lugar a demonstração de uma grande ignorância, generalizada, sobre opções económicas fundamentais.
Ainda hoje me parece existir o mesmo estado de coisas, na sociedade portuguesa. Mas se é assim, havendo liberdade de expressão e informação que antes, no regime anterior não existia, das duas uma:
Ou as pessoas continuam tão condicionadas pelo que (não) lêem, (não) ouvem e (não) vêem, como dantes, continuando por isso mesmo analfabetas nessa acepção; ou foram suficientemente doutrinadas e preferem sempre quem lhes promete mundos e fundos e acaba sempre por lhes oferecer bancarrotas, numa improvável verificação do dito "à primeira quem quer cai...".
Tendo mais para esta última opção. Afinal a infantilização da sociedade portuguesa será fruto dos mesmíssimos factores que a condicionam há décadas, vindos do tempo anterior ao 25 de Abril de 74.
Logo não será apanágio da ditadura, tal estado de coisas. É sinal de que as elites que governam actualmente também não têm interesse premente que as pessoas sejam mais cultas e informadas.
Tal como refere Eduardo Dâmaso na crónica de hoje da Sábado, as elites que governam ( PS, PSD, CDS e quem os apoia, mesmo parlamentarmente) querem um Estado bem gordinho para o irem chuchando e darem a melhor parte a interesses de grande porte ( empresas de que fazem parte, escritórios de advogados de que participam, bancos que os apoiam, etc). A função pública, no seu todo, deve apoiar um regime destes que se implantou em 25 de Abril de 1974 e se solidificou ao longo destas décadas. É por isso que um Paulo Pedroso pode ir para um Banco Mundial...e há uns milhares de outros a poderem ganhar o que ganha um deputado. Quanto à elite, tem sempre uma Mota-Engil ou outra parecida que lhe oferece centenas de milhar por ano. Nenhum político ganha isso mas depois passa ganhar. O Jorge Coelho ensina como é, num intervalo de visita à fábrica de queijo em Contenças, para entreter o tempo.
Conhecem algum caso semelhante no tempo de Salazar? Tenreiro? Pois sim. Vão saber a história e terão vergonha de o mencionar sequer.
A "infantilização" actual é isto:
O sistema de ensino não melhorou com o acesso das pessoas a informação mais fácil. No fim de contas quem não sabe, não faz perguntas e não obtém respostas. Os professores tornaram-se uma classe sem classe. Sem prestígio e sem rendimento.
Assim, a tal infantilização permanece porque continuam a vicejar na sociedade portuguesa as mesmíssimas condicionantes que existiam antes de 25 de Abril de 1974: a Censura agora não é prévia nem há comissão específica para tal, mas existe ainda mais eficaz e permanente em todas as redacções, mesmo no Observador. Está na mente de quem escreve, o que é mais insidioso do que antes, quando se reduzia a um punhado de censores com um código de boas maneiras escrito por eles.
Portugal continua infantilizado porque a Educação não melhorou, o ensino tornou-se um meio de chegar a um fim que é um emprego bom. A informação também não melhorou, apenas se modificou assumindo agora aspectos ainda mais preocupantes derivados de uma tendência para o politicamente correcto orientado por uma Esquerda que é quem manda intelectualmente no país.
Ora aí está a conclusão: Portugal piorou porque é um país maioritariamente de esquerda. Esquerda e Inveja caracterizam bem a maioria do povo que temos.
Em Abril de 1974 já era assim...
Aditamento:
Um comentário colocado por Jorge Marques no artigo de Helena Garrido no Observador, sobre o analfabetismo e o tempo de Salazar:
1900 - 73%
1911 - 69%
1920 - 65%
1930 - 60%
1940 - 52%
1950 - 42%
1960 - 33%
1970 - 26%
1981 - 21%
1991 - 11%
2001 - 9%
[Fonte:
António Candeias et al. (2007): Alfabetização e Escola em Portugal nos
Séculos XIX e XX. Os Censos e as Estatísticas, Fund. C. Gulbenkian,
p.40]
O que significa que a taxa foi
reduzida em cerca de 35% durante o Estado Novo (era de 25% em 1975), e
desde então, em pouco menos de 20% pois actualmente é de 5,2%.
Aliás,
as estatísticas dizem o que toda a gente que viveu nessa altura sabe: o
Estado Novo mandou construir escolas por Portugal inteiro, até nas
aldeias mais remotas que hoje estão abandonadas.
E
este problema não existiria, se a 1ª República tivesse feito alguma
coisa neste capítulo, como se vê pelos números no início da tabela!!!
Esta gente da Esquerda velha e da nova direita que dela saiu não sentem vergonha pelo que escrevem ao perceber isto?