domingo, junho 10, 2018

Salão de jazz, a música estranha que aos poucos se entranha.


 Quando a música rock apareceu em toda a pujança no final dos anos sessenta, já o jazz tinha dado voltas e reviravoltas no seu estilo original e evidentemente influenciado o novo rebento musical.

A revista americana DownBeat, aparecida em cena em meados dos anos trinta do séc. XX em que surgiram as “big bands” de Benny Goodman, Duke Ellington e outros Count Basie, fez em Setembro de 1989, um número de aniversário em que contou a história toda do jazz em modo resumido, desde os anos trinta até à actualidade de então.
Aqui se reproduzem os artigos dos 50 em frente. 



Para mim, o jazz enquanto música com identidade própria começou apenas nos anos setenta.
Até então era música de separadores radiofónicos ou de fundo em filmes passados na tv. E irritante porque era muitas vezes essa música bebop que passava enquanto se lia no écran de fósforo, "pedimos desculpa por esta interrupção; o programa segue dentro de momentos". O alívio chegava com a retoma das imagens e para trás ficava aquela música soprada e repetida sempre no mesmo tom.

Era música de beleza negligenciável e até esquecida porque raramente cativa pela melodia fácil ou pelo tema reconhecível. Para gostar de jazz é preciso escutar com algum atenção e inicialmente fazer o esforço necessário por gostar e sem melodias de cançoneta não vai lá.
Talvez para cultivar esse gosto havia no rádio, primeiro na Rádio Renascença, desde 1966 até 1975 e depois noutras emissoras, até chegar à Antena Um, até hoje, um programa de cinco minutos, apresentado por José Duarte, um dos cultores do género, como “1,2,3,4,5 minutos de jazz”, seguido de algumas notas sopradas no saxofone de…quem? José Duarte explicou em 22.1.2011 ao JN 

 Mas o êxito do indicativo abertura de "cinco" é devido à habilidade, ao meu sentido rítmico. Escolhi num tema de um LP agora CD gravado por um quinteto de músicos negros norte-americanos e um saxofonista alto Lou Donaldson. O tema chama-se "Lou"s Blues" - tem percussão no princípio e depois entram os sopros. E eu marquei o tempo de entrada "um, dois, um, dois, três, quatro, cinco minutos de jazz" e logo a seguir entram os sopros. Nunca ninguém tinha ouvido isto. Ainda hoje...

Para José Duarte, o jazz, inventado pelos negros americanos é uma “forma de luta”. Pois…e foi descoberto por aquele em 1958, no Instituto Superior Técnico, pela orientação de Raul Calado que apresentou esse estilo musical em sessão fonográfica.
José Duarte divide o jazz em várias fases: a dos anos vinte, o começo, com Luis Armstrong; a dos 40, com o aparecimento do bebop de Charlie Parker; a das swing bands e nos anos 50 o fenómeno Miles Davies e posteriormente o surgimento do free jazz, até hoje.
Portanto nos anos setenta já os subgéneros se misturavam, em improviso e surgiu até um outro que misturava sonoridades rock e de guitarra, com sopros, cordas e sintetizadores. O jazz-rock ou fusão foi a minha primeira abordagem ao jazz.

As revistas de música rock que comprava também se referiam ao fenómeno que terá começado com Miles Davies e sido ampliado pelo guitarrista John McLaughlin mais a série de imitadores Return to Forever, que se seguiram. Inner Mountain Flame, dos Mahavishnu Orchestra de McLaughlin é de 1971.
Mesmo hoje, a audição é penosa para quem não tiver boa vontade em escutar. Melhor será ouvir Bitche´s Brew de Miles Davies, uma caixa de surpresas sonoras, do ano de 1970 e um dos poucos discos que gosto de ouvir, do artista. Também lá está McLaughlin como guitarrista, mais Wayne Shorter no sax soprano e Chick Corea e ainda Joe Zawinul que haveria de formar ao Weather Report, outro grupo cujos discos aprecio.
Tal disco poderá ter sido o ponto de partida para esses músicos depois encetarem carreiras próprias, alguns com muito sucesso.
Quer dizer consigo ouvir muito bem este jazz misturado e fundido com sonoridade rock mas torna-se difícil ouvir uma obra completa de John Coltrane ou Charlie Parker o ícone do bebop, antes de aparecer a lula do rock n roll.
Actualmente e após estas décadas já se ouve o jazz clássico, ou seja anterior aos anos sessenta, num modo relativo e historicamento colocado, como oldie.
Ouve-se “Boplicity”, de Miles Davies e Gil Evans, mas por pouco tempo, mesmo com o swing da orquestra a compor o panorama musical do trompete. A musiqueta não tem cançoneta. Quem escutar isso no YouTube ouvirá logo a seguir o tema de Miles Davies On Green Dolphin Street, o que é uma sessão de jazz com mais de dez minutos. Tempo demais, mesmo com o sax tenor de John Coltrane e o piano de Bill Evans. A repetição do estilo fraseado desmotiva-me.
Ponha-se a tocar Charles Mingus do Pithecanthropus Erectus e o efeito é similar na dissonância que embeleza logo o primeiro tema de um disco com mais de 60 anos. E Brilliant Corners de Thelonius Monk, da mesma época não é diferente. John Coltrane de Giant Steps, a mesma coisa.
Era este o jazz tal como o entendia e fugia da sua exposição prolongada por tédio: pouco me dizia musicalmente. 
Com a audição breve de Free Jazz de Ornette Coleman, ainda pior. Sopradelas instantâneas no sax alto, acompanhadas da rítmica e do clarinete baixo não se suportam mais de dois minutos.  E o piano de Oscar Peterson em Night Train também afina no mesmo tom de improvisação algo estéril embora um pouco mais melodioso.
Melodia tem My Favourite Things de 1961 e de John Coltrane, com o piano de McCoy Tyner, mas a versão pop de Julie Andrews no Música no Coração vai mais directo ao sentimento e musicalidade do tema.
Melodia e muito relaxante também tem Goodbye Pork Pie Hat de Charles Mingus, do final dos 50, com três sax tenores, mas é uma variação desse estilo de música, muito marcada pelos sopros apesar do contrabaixo de Mingus.
Herbie Hancock e mais alguns ( Ron Carter, Tony Williams, Freddy Hubbard) alinharam o disco Maiden Voyage em meados dos sessenta mas só na década seguinte se deu curso a Headhunters e ao jazz cum funk.
Nestes exemplos se concentra a natureza  de uma música de improvisação ritmada e que no início dos setenta se aligeirou e de algum modo sofisticou.
Se Miles Davies e McLaughlin abriram  portas do jazz ao rock, apareceram então músicos como Frank Zappa ou Pat Methenny que mostraram outros caminhos musicais e grupos como Chicago e Blood Sweat and Tears que integraram os estilos e ultrapassaram a fronteira da improvisação estrita, misturando a melodia pop acolitada pelos sopros do jazz.
Foi nesta fase que conheci o jazz e com a junção da música rock progressiva, ainda mais sintetizadora de estilos musicais, quase tudo passou a ser música em sentido amplo que engloba o ritmo musculado de Led Zeppelin, a finura de tom das teclas de Keith Jarrett, no concerto em Colónia ou o som eléctrico dos King Crimson no primeiro disco de 1969 e anos  seguintes.
Entre Frank Zappa de The Grand Wazoo e o disco de 1976 de Chick Corea, Herbie Hancock, Keith Jarrett e McCoy Tyner já só conta o tempo de duração das músicas.  Em Zappa é mais curto, variado e interessante. Os outros tocam a mesma nota, em tom  azul, com uma extensão improvisada que dura largos minutos.
Por força desta evolução e mistura de géneros, agora já nem sei se ao escutar Pat Metheny  ouço jazz ou apenas uma variação de música instrumental que dantes se aproveitava para bandas sonoras de filmes.
Sobre o jazz, Frank Zappa costuma ser citado por ter dito que o jazz ainda não morrera mas apenas tinha um cheiro esquisito.
É isso.

E aqui fica a capa inteira da versão original de Bitches Brew que deu o corpo ao manifesto dessa fusão salvadora e inspirou os seus músicos a tomarem esse caminho.

Questuber! Mais um escândalo!