Quando a música rock apareceu em toda a pujança no final dos
anos sessenta, já o jazz tinha dado voltas e reviravoltas no seu estilo
original e evidentemente influenciado o novo rebento musical.
A revista americana DownBeat, aparecida em cena em
meados dos anos trinta do séc. XX em que
surgiram as “big bands” de Benny Goodman, Duke Ellington e outros Count Basie,
fez em Setembro de 1989, um número de aniversário em que contou a história toda
do jazz em modo resumido, desde os anos trinta até à actualidade de então.
Aqui se reproduzem os artigos dos 50 em frente.
Aqui se reproduzem os artigos dos 50 em frente.
Para mim, o jazz enquanto música com identidade própria começou apenas nos anos setenta.
Até então era música de separadores radiofónicos ou de fundo
em filmes passados na tv. E irritante porque era muitas vezes essa música bebop que passava enquanto se lia no écran de fósforo, "pedimos desculpa por esta interrupção; o programa segue dentro de momentos". O alívio chegava com a retoma das imagens e para trás ficava aquela música soprada e repetida sempre no mesmo tom.
Era música de beleza negligenciável e até esquecida porque
raramente cativa pela melodia fácil ou pelo tema reconhecível. Para gostar de
jazz é preciso escutar com algum atenção e inicialmente fazer o esforço
necessário por gostar e sem melodias de cançoneta não vai lá.
Talvez para cultivar esse gosto havia no rádio, primeiro na
Rádio Renascença, desde 1966 até 1975 e depois noutras emissoras, até chegar à
Antena Um, até hoje, um programa de cinco minutos, apresentado por José Duarte,
um dos cultores do género, como “1,2,3,4,5 minutos de jazz”, seguido de algumas
notas sopradas no saxofone de…quem? José Duarte explicou em 22.1.2011 ao JN:
“ Mas o êxito do indicativo abertura de
"cinco" é devido à habilidade, ao meu sentido rítmico. Escolhi num
tema de um LP agora CD gravado por um quinteto de músicos negros
norte-americanos e um saxofonista alto Lou Donaldson. O tema chama-se
"Lou"s Blues" - tem percussão no princípio e depois entram os
sopros. E eu marquei o tempo de entrada "um, dois, um, dois, três, quatro,
cinco minutos de jazz" e logo a seguir entram os sopros. Nunca ninguém
tinha ouvido isto. Ainda hoje...”
Para José Duarte, o jazz, inventado pelos negros americanos
é uma “forma de luta”. Pois…e foi descoberto por aquele em 1958, no Instituto
Superior Técnico, pela orientação de Raul Calado que apresentou esse estilo
musical em sessão fonográfica.
José Duarte divide o jazz em várias fases: a dos anos vinte,
o começo, com Luis Armstrong; a dos 40, com o aparecimento do bebop de Charlie
Parker; a das swing bands e nos anos 50 o fenómeno Miles Davies e
posteriormente o surgimento do free jazz, até hoje.
Portanto nos anos setenta já os subgéneros se misturavam, em
improviso e surgiu até um outro que misturava sonoridades rock e de guitarra, com
sopros, cordas e sintetizadores. O jazz-rock ou fusão foi a minha primeira
abordagem ao jazz.
As revistas de música rock que comprava também se referiam
ao fenómeno que terá começado com Miles Davies e sido ampliado pelo guitarrista
John McLaughlin mais a série de imitadores Return to Forever, que se seguiram.
Inner Mountain Flame, dos Mahavishnu Orchestra de McLaughlin é de 1971.
Mesmo hoje, a audição é penosa para quem não tiver boa
vontade em escutar. Melhor será ouvir Bitche´s Brew de Miles Davies, uma caixa
de surpresas sonoras, do ano de 1970 e um dos poucos discos que gosto de ouvir,
do artista. Também lá está McLaughlin como guitarrista, mais Wayne Shorter no
sax soprano e Chick Corea e ainda Joe Zawinul que haveria de formar ao Weather
Report, outro grupo cujos discos aprecio.
Tal disco poderá ter sido o ponto de partida para esses
músicos depois encetarem carreiras próprias, alguns com muito sucesso.
Quer dizer consigo ouvir muito bem este jazz misturado e
fundido com sonoridade rock mas torna-se difícil ouvir uma obra completa de
John Coltrane ou Charlie Parker o ícone do bebop, antes de aparecer a lula do
rock n roll.
Actualmente e após estas décadas já se ouve o jazz clássico,
ou seja anterior aos anos sessenta, num modo relativo e historicamento
colocado, como oldie.
Ouve-se “Boplicity”, de Miles Davies e Gil Evans, mas por
pouco tempo, mesmo com o swing da orquestra a compor o panorama musical do
trompete. A musiqueta não tem cançoneta. Quem escutar isso no YouTube ouvirá
logo a seguir o tema de Miles Davies On Green Dolphin Street, o que é uma
sessão de jazz com mais de dez minutos. Tempo demais, mesmo com o sax tenor de
John Coltrane e o piano de Bill Evans. A repetição do estilo fraseado
desmotiva-me.
Ponha-se a tocar Charles Mingus do Pithecanthropus Erectus e
o efeito é similar na dissonância que embeleza logo o primeiro tema de um disco
com mais de 60 anos. E Brilliant Corners de Thelonius Monk, da mesma época não
é diferente. John Coltrane de Giant Steps, a mesma coisa.
Era este o jazz tal como o entendia e fugia da sua exposição
prolongada por tédio: pouco me dizia musicalmente.
Com a audição breve de Free Jazz de Ornette Coleman, ainda
pior. Sopradelas instantâneas no sax alto, acompanhadas da rítmica e do
clarinete baixo não se suportam mais de dois minutos. E o piano de Oscar Peterson em Night Train também
afina no mesmo tom de improvisação algo estéril embora um pouco mais melodioso.
Melodia tem My Favourite Things de 1961 e de John Coltrane, com
o piano de McCoy Tyner, mas a versão pop de Julie Andrews no Música no Coração
vai mais directo ao sentimento e musicalidade do tema.
Melodia e muito relaxante também tem Goodbye Pork Pie Hat de
Charles Mingus, do final dos 50, com três sax tenores, mas é uma variação desse
estilo de música, muito marcada pelos sopros apesar do contrabaixo de Mingus.
Herbie Hancock e mais alguns ( Ron Carter, Tony Williams,
Freddy Hubbard) alinharam o disco Maiden Voyage em meados dos sessenta mas só na
década seguinte se deu curso a Headhunters e ao jazz cum funk.
Nestes exemplos se concentra a natureza de uma música de improvisação ritmada e que no
início dos setenta se aligeirou e de algum modo sofisticou.
Se Miles Davies e McLaughlin abriram portas do jazz ao rock, apareceram então
músicos como Frank Zappa ou Pat Methenny que mostraram outros caminhos musicais
e grupos como Chicago e Blood Sweat and Tears que integraram os estilos e
ultrapassaram a fronteira da improvisação estrita, misturando a melodia pop
acolitada pelos sopros do jazz.
Foi nesta fase que conheci o jazz e com a junção da música
rock progressiva, ainda mais sintetizadora de estilos musicais, quase tudo
passou a ser música em sentido amplo que engloba o ritmo musculado de Led
Zeppelin, a finura de tom das teclas de Keith Jarrett, no concerto em Colónia ou
o som eléctrico dos King Crimson no primeiro disco de 1969 e anos seguintes.
Entre Frank Zappa de The Grand Wazoo e o disco de 1976 de Chick
Corea, Herbie Hancock, Keith Jarrett e McCoy Tyner já só conta o tempo de duração
das músicas. Em Zappa é mais curto, variado
e interessante. Os outros tocam a mesma nota, em tom azul, com uma extensão improvisada que dura
largos minutos.
Por força desta evolução e mistura de géneros, agora já nem
sei se ao escutar Pat Metheny ouço jazz
ou apenas uma variação de música instrumental que dantes se aproveitava para
bandas sonoras de filmes.
Sobre o jazz, Frank Zappa costuma ser citado por ter dito
que o jazz ainda não morrera mas apenas tinha um cheiro esquisito.
É isso.
E aqui fica a capa inteira da versão original de Bitches Brew que deu o corpo ao manifesto dessa fusão salvadora e inspirou os seus músicos a tomarem esse caminho.