quinta-feira, abril 07, 2022

Proença de Carvalho, o situacionista do poder

 O advogado retirado, Proença de Carvalho, associado desde 1998 à firma Uría Menéndez, publicou um livro que intitulou "Justiça, Política e Comunicação Social". 

O título prometia e o sumário é este:



Começa por relatar a sua experiência de vida dos primórdios profissionais, no MºPº e Judiciária, de um modo que aparentemente nunca ultrapassou. 

O MºP, para ele era um pouco isto que por aqui conta: uma magistratura fortemente hierarquizada em que o superior hierárquico tinha tempo para acompanhar o trabalho diário dos subordinados, dando instruções a preceito, a eito e segundo o próprio jeito. Era assim que Proença ainda queria que fosse:


 Portanto, uma magistratura isenta, ora para acusar ora para arquivar. Ainda hoje o é, mas Proença acha que não. E porquê? A razão vai encontrá-la em ódios de estimação, no caso Cunha Rodrigues, o PGR dos anos oitenta e noventa. 

Segundo Proença foi ele quem pessoalmente alterou o destino do MºPº e que "num acto de voluntarismo", conduziu a assumir directamente a investigação criminal relevante, com a criação dos DIAP e depois o DCIAP, relegando a PJ para um papel subalterno. 



Já desconfiava que a percepção jurídica de Proença não era das melhores, mas afinal ainda é pior que isso. 
Não foi Cunha Rodrigues quem inventou o novo MºPº que Proença detesta. Coitado de Cunha Rodrigues que dignificou a magistratura quase tanto quanto alguns sucessores a vilipendiaram, incluindo particularmente um amigo de Proença, colega de curso e quase da mesma terra. 
A culpa da alteração do modelo do MºPº não é por isso de Cunha Rodrigues mas do legislador dos anos oitenta, designadamente na área de poder político que Proença sempre frequentou. 
O MºPº assumiu a direcção da investigação criminal desde pelo menos 1988, com a entrada em vigor do Código de Processo Penal, fruto de uma pequena revolução legislativa, vinda já do início dos anos oitenta, com o novo Código Penal. A PJ não poderia ficar institucionalmente independente porque passou a ser um órgão de polícia criminal, entre outros. Logo, a Proença falta cultura geral para entender isto. 
Quem ler o livrito agora publicado, aliás com três centenas de páginas que se folheiam num ápice, há-de reparar na pobreza de argumentos substanciais e de tomo, sobre as leis, o processo legislativo ou mesmo as orientações gerais de um país.
Proença excede-se a contar casos e casinhos da sua vidinha profissional e que revelam mais mesquinhez que outra coisa, porque nesses casos que relata faltam pormenores que são determinantes para se perceber se tem a razão de que se arroga. 

Em todos os casos que enuncia e que se podem ler no sumário, bastaria dar o contraditório aos visados para se entender o logro. E quem ler pode mesmo verificar que não há isenção nos relatos. Portanto, tornam-se inúteis, tanto para exemplificarem o que pretende como para esclarecer os factos. 
Todos os males do sistema actual são elencados neste par de páginas: 



O requisitório é o habitual nas catilinárias recorrentes de Proença contra as magistraturas: violações de segredo de justiça apresentadas como forma do MºPº fazer valer posições processuais perante a opinião pública; reforço da noção de que os "poderosos" aproveitam as leis permissivas e que até conseguiu ter durante anos "um juiz único" que "aceita todas as suas pretensões, quando não as acicata", para concluir que afinal os poderosos são os magistrados e não os pobres coitados dos arguidos excelentíssimos que o probo advogado defende. 
Enfim, o livro não merece mais que isto como crítica recenseadora porque pouco mais vale. 

Mas talvez valha a pena lembrar o percurso pessoal, político e profissional do seu autor, para quem não o conheça e o queira comprar...

Tem tudo a ver com o poder que está e vai estando. Proença é o verdadeiro situacionista desse poder. Foi sempre de uma esquerda situacionista, simpatizando com o  PS, o PSD, o PS, mandatário de candidatos presidenciais de tais áreas e ministro de governo condizente. Agora pelos vistos aprecia o liberalismo da IL. 
Porém, nunca se comprometeu verdadeiramente a não ser com cargos de poder apaniguado, providos por tais poderes e que lhe renderam o estatuto de administrador repetente de empresas do sistema político institucionalizado. 

Em 1974 foi a Santa Apolónia dar vivas à nova cristina da política que chegava de França, ainda modesto,  num combóio. 


Estava lançado! Até na incoerência. O mesmo MºPº que elogia como sendo modelo de isenção, e que lamenta ter sido abandonado, em prol de uma autonomia que não compreende nem aceita, afinal actuava assim, naquele tempo: 


A verdadeira carreira de apaniguado do poder começou em 1976 com a sua escolha para dirigir o Jornal Novo, já no rescaldo do PREC. 



A partir daí foi sempre a subir: Mota Pinto, Bloco Central, AD, RTP, Semanário e pelo meio processos a defender certos "notáveis" ( Edmundo Pedro, Álvaro Barreto, Melancia, Rui Nabeiro, Leonor Beleza e outros da nossa fina flor ), sempre com parti-pris contra a magistratura e contados de modo parcial e atentatório da inteligência comum, mas sempre a vituperar comportamentos pessoais e profissionais dos magistrados. 




Aliás, por mencionar tal inteligência é curioso como o autor não percebe que aqueles que elogia como os autores das "reformas de cariz progressista do direito penal", a saber a escola de Coimbra, são exactamente aqueles que gizaram o modelo de magistraturas que temos e de que Proença não gosta, particularmente o MºPº e a sua autonomia interna e externa. Até ficou amigo de Eduardo Correia...

Como exemplo da mediocridade do livro pode apontar-se um caso que conta em dez páginas, apresentando mesmo uma peça processual, a propósito de um requerimento de abertura de instrução que teria dado entrada fora de prazo e que insinua ter sido alvo de falsificação do MºPº, imputando comportamentos desonrosos a magistrados. Nessas dez páginas colocou todos os argumentos menos um: a que hora tinha efectivamente dado entrada o requerimento em causa! Esse pormaior, passou-lhe...porque só lhe interessava o dia. E queixa-se depois de ter sido processado por ofensas a magistrado, devido ao teor ofensivo dos requerimentos que elaborou. 
O livrinho fica por ali, pela ofensa ao perfil do magistrado Cunha Rodrigues a quem são imputados todos os males que afligem o MºPº, na perspectiva do autor, cuja perspicácia afinal deixa muito a desejar e se expõe claramente neste livro. 
Esperava melhor. Já tinha experimentado tal sensação ao ler um livro antigo a propósito do caso de Champalimaud, mas enfim, já foi há muitos anos. Proença de Carvalho é um bluff! E isso é uma novidade, para mim. E por isso é que posso concluir que só um país de medíocres tem destes apaniguados do sistema. 

A propósito deste livro, Proença foi entrevistado pelo órgão oficioso da situação subsidiada por alguém ( Global Media) , o Diário de Notícias. 
Na entrevista continua as catilinárias contra o poder judicial, o MºPº e tutti quanti lhe não aparam o jogo de defesa de entalados excelentíssimos, com a verdade sempre relativizada aos interesses.

Duas páginas de tal entrevista, onde se nota o azedume e ressentimento e que continua a martelada na tecla da organização político-legislativa do sistema judiciário. Aparentemente sem topar as verdadeiras causas de um mal que aliás é real mas tem outros contornos, diversos daqueles que lhe aponta:




Perante isto, talvez valha a pena repescar um postal antigo, sobre o respetivo perfil, um pouco menos lisonjeiro mas talvez mais aproximado a uma realidade visível a quem busca para além dos reposteiros do poder onde Proença se acolhe há décadas. 

O postal em causa tinha como título "O pomba branca do regime, toca baixo" e já é de 2013: 


Imagem de Proença, numa das suas interpretações com o célebre " trio los dos"...
 

A história de Proença de Carvalho confunde-se com a história das nossas três bancarrotas. Poderia mesmo ser um pequeno roteiro das suas causas, a meu ver.

Em 1974, com 33 anos,  era um modesto advogado, depois de ter sido delegado de procurador da República e inspector de polícia, no Estado Novo de Salazar. Segundo um biógrado improvável ( Afonso Praça de O Jornal) Proença tinha um lema: "os fins justificam os meios". Maquiavel no seu melhor, portanto. Proença vinha da Soalheira, no Fundão, pobre como se era na época. Em 1968 passou a funcionário de Champallimaud, no contencioso da empresa Cimentos de Leiria.
Foi nesse tempo que começou o julgamento da herança Sommer de que Champallimaud era interessado. Proença, segundo Praça, teria participado, enquanto inspector da Judiciária na instrução de um processo crime relacionado mas tal não o impediu de tomar a defesa da causa do patrão. Eticamente, estava bem preparado...e quando aparece o 25 de Abril, sendo amigo de José Niza, inscreve-se no...PS, pois claro. Partido que abandonou logo que os ventos começaram a mudar, ou seja por altura da primeira bancarrota ( 1976-77) Proença já era de "direita", no Jornal Novo que então dirigia. Uma direita sui generis, entenda-se.
A história conta-se melhor aqui, no O Jornal de 7 2 1986:


Proença foi então ministro da propaganda ( Sá Carneiro dixit) do VI governo de bloco central, de Mota Pinto, em 1978, quando se preparava já a segunda bancarrota, dali a uns anos. Sá Carneiro no entanto, nomeou-o presidente da propaganda na RTP, em 1980. Em 1983, Vítor Cunha Rego terá mesmo escrito no jornal A Tarde, que " há muito que o sistema político deste País teria desabado se Proença de Carvalho não estivesse onde estava." Em 1983 estávamos noutra bancarrota...

Dali em diante foi sempre somar e encher o bolso, para Proença. Vejam-se os recortes que nos contam tudo ou quase...a partir de 1981 e depois da AD de Sá Carneiro.
Expresso de 3 Janeiro de 1981:


O Jornal de 5 de Junho de 1981:

O Jornal de 11 de Abril de 1986 em que Fernando Dacosta escrevia sobre a "direita" portuguesa a propósito de Freitas do Amaral (!) e de Proença de Carvalho (!!!) supostos representantes da dita cuja...

Em 1986 Proença, foi, naturalmente, mandatário de Freitas do Amaral na corrida presidencial que este perdeu para Mário Soares. Como o Expresso escreveu na época...ficou às portas da terra prometida...

Em 1991, o governador de Macau, Carlos Melancia, indicado pelo vencedor das presidenciais, teve problemas com a Justiça. Corrupção. Quem foi o advogado? O representante da "direita", voilà!

Em 1995 a antiga ministra do PSD, Leonor Beleza, designada futura líder sabe-se lá de quê, foi pronunciada por um juiz de instrução da prática de crimes de homicídio doloso. Quem foi o advogado de defesa da dita? O nosso homem do trio de los dos, voilà! 
Expresso revista de 1 de Novembro de 1996:


Aproveitou entretanto todas as entrevistas generosamente concedidas pelos media do sistema da bancarrota, para destilar o ódio particular às instituições judiciárias, particularmente ao MºPº. Proença, nunca o escondeu, preferia um MºPº à maneira do Estado Novo. Era bem mais seguro para os interesses que representa, como se vê agora no caso de Angola...

E por isso mesmo, em 1999 já destilava as habituais catilinárias, desta vez contra o então PGR Cunha Rodrigues ( houve apenas um PGR que agradou a Proença: o seu amigo Pinto Monteiro...).
Expresso de 27 Março 1999:

E actualmente, por onde anda Proença? Ora, ora. Depois de defender José Sócrates dos ataques soezes que lhe fizeram, a esse paladino da transparência pessoal e governativa, anda agora a acompanhar o presidente do BES, Salgado de sua graça, nas deambulações angolanas por causa da maldita Escom que ainda os vai desgraçar...
Como já se escreveu por aqui, citanto o abruti:

Proença de Carvalho é um exemplo típico: advogado de José Sócrates, presidente do Conselho de Curadores da Fundação Champalimaud, presidente do Conselho de Administração da Zon Multimedia, membro da Comissão de Vencimentos do BES – um interessante cargo -, “chairman” da Cimpor, ao todo, só no mundo empresarial, 27 cargos. Proença de Carvalho, como muitos outros neste universo de “sempre os mesmos”, não é “dono”, mas amigo dos “donos”.
Competência? Nalguns casos sim, noutros não. Mas não é a competência o critério fundamental. É a confiança. Estes são confiáveis, são dos “nossos”, são dos “mesmos”. Já foram testados mil e uma vezes, no governo, na banca, na advocacia de negócios, no comentário político nos media, e mostraram que estão lá para defender sem hesitações, os “nossos” interesses. Confiança é a palavra chave nos “sempre os mesmos”.


Proença de Carvalho pode dizer-se que será um dos indivíduos mais qualificados em Portugal para explicar como é que sofremos três bancarrotas em menos de 40 anos. Por uma razão simples: esteve em todas elas, como figura proeminente, parda por vezes, mas sempre presente. E aproveitou bem o regime que as produziu. Seria interessante que alguém revelasse o seu património...

CODA: Este indivíduo mai-lo seu apoderado da época, candidato a presidente da República,  seriam os putativos representantes da "direita". Havia outro, ainda. Um certo José Miguel Júdice que até teria sido de extrema-direita, cultor de um tal Primo de Rivera.  Veja-se bem a pinderiquice intelectual desta gente. Bastou que os ventos de mudança de regime passassem a soprar um pouco mais a levante, para se postarem a jeito de aproveitarem a maré.
Cedo mudaram para o centro e daí para a esquerda e até se aproximaram do PS, o tal que se diz de esquerda e que teve um esquerdista notório como Sócrates, que todos aqueles louvaram como um grande estadista português.

Lembrar isto é tão deprimente quanto lembrar as bancarrotas que nos provocaram. Até quando esta gente mandará em Portugal?

Para além deste postal há outros neste blog, sobre tal personagem que me desiludiu no retrato que faz de si próprio e dos outros. 
O mundo de Proença, há meia dúzia de anos, era este. E não deve ter mudado muito, a não ser a idade que não perdoa. 


Nada disto vem no livro. Não é "Política" nem "Justiça", embora seja "Comunicação Social". 


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