segunda-feira, novembro 20, 2023

Uma magistrada do MºPº contra magistrados: como chegamos aqui?!

 Este artigo da magistrada do MºPº Maria José Fernandes ( para além do mais, inspectora do MºPº e com cerca de 36 anos de carreira, sem ondas), suscita sérias reservas e parece-me até lamentável, vindo de quem vem. 

Vou dizer porquê e com nomes que não aparecem citados no artigo, escondidos nas entrelinhas mas com rabo felpudo de fora, num exercício também ele lamentável de atirar pedras sem designar alvos.

O duplo lamento resulta da circunstância de se atirarem vários magistrados, colegas de profissão,  à geena mediática, acompanhando a moda de dar pontapés e socos avulsos num MºPº que precisaria de tudo menos isso. 

Lamentável vindo de uma magistrada que conhece algum MºPº, por força de trabalho em inspecção de serviço e aqui a criticar algo que a transcende, bem como aos magistrados que critica aberta e encapotadamente, omitindo os nomes. Melhor seria não o fazer, em modo tão explicitamente omisso.


Começa por dizer que foi convidada para ir às tv´s e recusou porque "não posso falar com total liberdade". Bem...e escrever, já pode mais um pouco? Será?! E seria isto que diria nas tv´s, se lhe assistisse a tal liberdade de cuja falta se queixa? 

Os sindicalistas, ou seja, o presidente do SMPP,  Adão Carvalho. A mesma não o nomeia,  invocando um plural equívoco, pois nenhum outro apareceu a dar a cara pelo MºPº subitamente transformado num saco de boxe, à semelhança de outras ocasiões ao longo das últimas décadas,  como deixei aqui explicadinho num postal recente, e em muitos outros mais antigos. 

O que tem dito Adão Carvalho? O que a lei permite dizer e mais ninguém do MºPº aparece para dizer.

Disse disparate algum? Que eu tenha dado conta, não. Não explicou o que mais ninguém explicou, dizendo desde cedo que não compreendia a insistência num inquérito autónomo a correr no STJ contra um primeiro-ministro quando a lei processual o não prevê claramente? Alguém se preocupou em esclarecer tal coisa, até hoje?!

Tudo isto, para a articulista, magistrada do MºPª é um exercício de cinismo apodando as afirmações de controversas, embora não se dê sequer ao cuidado em explicar porquê e nem sequer o quê. Cinismo haverá então, mas não do presidente do SMMP.

No segundo parágrafo do escrito vem a dor exposta, de fractura equívoca, porventura no cotovelo, ao mencionar as "tomadas de decisões que provocaram uma monumental crise política". Dores alheias? Próprias? Tenho para mim que ambas doem e pelos vistos bastante dolorosas, o que é também lamentável numa magistrada. 

Principalmente quando atira logo a seguir André Ventura- que não nomeia porque o estilo é assim- para lhe chamar "populista de extrema-direita", seguindo por isso uma cartilha de esquerda e extrema-esquerda que toma como mãe adoptiva da sua perspectiva ideológica, repetidamente lamentável. 

Um magistrado, identificado como tal,  não se pronuncia assim, ponto. Final, para mim. Fica marcado por isso e a dita só arriscou tal posição política porque sabe de ginjeira que a esquerda em Portugal domina e nunca será incomodada por apodar outros políticos que não lhe agradam com os epítetos mediáticos correntes, particularmente o André Ventura, outro saco de boxe. Não é necessário fazer nenhum esforço de isenção porque um André Ventura é um proscrito, neste caso para a magistratura que se identifica com a esquerda ou extrema-esquerda. Quem não quiser passar por lobo não deve vestir-lhe a pele...

Sobre o artigo de António Cluny seria importante dizer que apareceu no Observador, indicando a fonte e a citação, Sendo correcta no geral, falha o particularismo de Cluny lamentar um MºPº cujo perfil nunca vi ser diferente do que é. 

Cluny, no escrito apenas tenta descrever o MºPº tal como foi gizado e funciona. Parece querer dizer que gostaria que fosse diferente, mas é esquisito tal desejo, porque o primeiro magistrado a desejar que o MºPº fosse como é, foi...o próprio Cluny, em 1992 ao pugnar enquanto sindicalista pela autonomia constitucional do MºPº. E foi então que vários magistrados foram ao Parlamento incomodar um Pacheco Pereira então estranhamente eufeudado a um PSD e a defendê-lo com as unhas e dentes com que agora o ataca. 

 O Ministério Público que temos começou assim, como a magistrada em causa deveria saber. E nunca foi diferente daquilo que é, na essência. Nem sequer na altura em que se discutiu o poder de intervenção arbitrário da PGR...e que Cluny parece querer inaugurar, não se percebe bem para quê. 

O Conselheiro Bernardo Colaço já em tempos disse o que havia a dizer do MºPº que temos: 


Portanto o que Cluny pretende e esta magistrada sequencia é algo espúrio e constitucionalmente proibido. Não estão contentes com este MºPº porquê? Só vimos este clamor quando o PS foi incomodade nos diversos escândalos judiciários que passaram nas últimas décadas. Aquando do Casa Pia o mesmo Cluny também ficou muito incomodade com certas coisas que nunca se perceberam bem o que foram, embora me pareça que estavam todas ligadas aos interesses partidários de um PS a quem Cluny provavelmente se ligou afectivamente, depois de ter sido um elo do PCP da UEC. Lamentável, como no caso anterior. 

A autonomia que estes magistrados agora contestam e permite que cada magistrado titular de um processo- e note-se que neste caso Influencer nem sequer é apenas um magistrado, mas três- é coisa assente desde há décadas. 

A circunstância de virem agora tomar as dores dos entalados político-partidários, aliás sempre do mesmo lado deste PS, não dignifica a magistratura. Melhor estivessem calados. 

Quando a magistrada se interroga sobre "a desconfiança relativamente às hierarquias intermédias e superiores, a meu ver injusta e infundada", pergunta logo "porque há-de ser mais ´autónomo` e idóneo um procurador de base do que um de topo?", a resposta é simples: pela mesmíssima razão do contrário, com um acrescento: é o de base quem conhece melhor o processo e se a responsabilidade lhe é imputável deverá continuar assim. O contrário é abrir a porta a arbitrariedades decorrentes de "cada cabeça sua sentença", o que em direito é moeda corrente e conhecida. Normalmente fraca moeda que afasta a boa. 

Os casos que exemplifica podem mesmo servir de paradigma. Porque razão é que no caso Tancos foi boa a decisão do director do DCIAP, do Pinto, impedir a audição do primeiro-ministro ou do presidente da República, quando todos são iguais perante a lei e se tornou claríssimo que o primeiro-ministro tomou conhecimento do que se passava, através das declarações do próprio suspeito ( o inenarrável Azeredo Lopes que aliás pediu tal diligência, segundo julgo ou pelo menos um dos arguidos o fez para sua defesa) que veio a ser absolvido por razões que podem explicar tudo menos o acerto daquela decisão arbitrária e ilegal do director do DCIAP do Pinto?

Por outro lado, quem é que entende " A investigação criminal como uma extensão de poder sobre outros poderes"? A afirmação configura um grande disparate quando sabemos que o processo penal se destina a descobrir criminosos e só criminosos, mesmo e principalmente quando se sentam nas cadeiras de outros poderes. É daí que vem a expressão "ainda há juízes em Berlim" e quem não entende isto, falha o essencial do problema exposto. 

Discutir a utilidade ou inutilidade de buscas ou escutas telefónicas é espúrio no contexto aludido, sempre que as mesmas revistam a forma de estrita legalidade como sucedeu. O critério de oportunidade de tal nunca deve ficar dependente de decisão hierárquica, como pretende aparentemente a articulista. 

A menção encriptada ao juiz Carlos Alexandre como "juiz privativo" por ser durante muito tempo o único é não só lamentável como ridículo e só revela a animosidade, partilhada por gente da estirpe de um José Sócrates sobre o tema em causa. 

É caso para perguntar se a solução alternativa gizada afanosamente pelo presidente do sindicado dos juízes em ampliar o leque de magistrados, também necessariamente "privativos" resolveu algum problema e principalmente questionar claramente a magistrada que suspeita de Carlos Alexandre, acerca do acerto jurídico das suas decisões, porque só isso é que conta. 

Quantas decisões deste juiz foram sufragadas pelos tribunais superiores? E quantas foram anuladas ao outro juiz, alternativo e igualmente privativo? Será preciso melhor argumento para expôr a injustiça do comentário e lamentar ainda mais o mesmo?

O processo intencional que se segue envolvendo os media da Cofina, particularmente o Correio da Manhã e a Sábado, não mencionados mas explicitamente subentendidos, é ainda mais lamentável com esta passagem: 

" As personagens aludidas ( ou seja, o juiz Carlos Alexandre e alguns procuradores do DCIAP, como Rosário Teixeira e agora o Centeno ou o Niza ou outros que a magistrada não nomeia mas supõe como suspeitosos) granjearam a simpatia e até quase a camaradagem ( em congressos) de certo jornalismo que segue as peripécias da corrupção"

Esta frase assassina de carácter, oculta nas menções explícitas aos nomes pretende referenciar o conhecimento do juiz Carlos Alexandre com certos inspectores da PJ, como Teófilo Santiago ou jornalistas como Eduardo Dâmaso, o que não deixa de ser ainda mais lamentável pelo inuendo e pela desconfiança exibida. 

Portanto, "desta sorte, procuradores que não hesitem em meios de recolha de prova intrusivos, humilhantes, necessários ou não, são o top da competência!" 

São mesmo? É isso que lhe diz a experiência como inspectora, ao serviço prestado pelos magistrados? E então o que fez para modificar tal estado de coisas? Participou tais preocupações à entidade competente, o CSMP? Anotou nos relatórios tais enormidades ou ilegalidades? 

" Em todos os departamentos de investigação e acção penal, mas mormente no DCIAP, deveria privilegiar-se o pensamento crítico, a discussão interdisciplinar"...esta frase significa o quê, por exemplo em relação ao caso Influencer?

Que os titulares do inquérito deveriam perguntar aos superiores hierárquicos, supostamente imbuídos de um senso que àqueles suspeitosamente faltaria, se os indícios recolhidos e para já conhecidos através de um despacho de 131 páginas, seriam suficientes para organizar buscas e continuar escutas telefónicas que já evidenciavam tráfico de influência alargado e generalizado entre membros do governo? 

Só por se tratar de membros do governo, com ligações directas a um primeiro-ministro deveria haver o cuidado de respeitar tal poder, mais do que noutros casos em que estão em causa cidadãos comuns? É isso que se pretende,  ou seja, atender às costumeiras e corruptas raison d´état? Se for isso, como aliás me parece, é muito mau e nem sequer vale a pena elaborara muito mais. Aliás parece-me que é mesmo disto que se trata. 

Mau demais, na verdade. Como todo o escrito, aliás e cuja cereja no topo deste bolo já fora de prazo, reside na consideração jurídico-penal sobre o crime de vantagem patrimonial indevida. O simplismo de raciocínio, descontextualizando a repetição de almoçaradas e convívio promíscuo entre governantes instalados e interesses particulares que se instalaram por causa disso é sintoma de uma anomia preocupante e uma incompreensão do problema que se expôs no processo. 

E isso ainda é pior que o escrito. 


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