sexta-feira, junho 16, 2017

O tempo, os costumes e o povo

Quando Álvaro Cunhal morreu, há cerca de uma dúzia de anos, o panorama do funeral, segundo o Google ( com as palavras "Álvaro Cunhal funeral") foi este:


Quando Mário Soares morreu, há uns meses atrás, o mesmo panorama, segundo o Google, com as mesmas palavras, foi este:



Quando Salazar morreu, em Julho de 1970, o panorama segundo o Google e as mesmas palavras:



As diferenças são óbvias, mas a maior delas reside na circunstância de o cadáver dos mortos não ser mostrado sequer, no seu leito de morte, no caso daqueles dois defuntos, enquanto o de Salazar não só foi mostrado, como ficou em câmara ardente, velado como dantes se fazia com o ritual do Portugal antigo e que muitos ainda reconhecem.

A revista Século Ilustrado de 1 de Agosto de 1970 mostrava estas imagens que nos dias de 2005 e 2017 são já impossíveis de encontrar em funerais de figuras públicas como a daqueles referidos. A pergunta que resulta gritante é por isso esta: qual a razão verdadeira para se esconder relativamente àquelas duas figuras públicas o que se mostrou antes, em 1970?



Que semiótica para estas imagens? Sabendo que no tempo de 1970 o respeito às figuras do regime, mormente Salazar era obrigatório sob pena de Censura efectiva ( daí os casos apontados no livrinho do docente de Comunicação da Uni.Católica, abaixo mostrados)  a publicação destas imagens só pode compreender-se no contexto social, cultural e de costumes de 1970. Era mesmo assim que os mortos se velavam e era assim que o povo português fazia. Salazar era uma pessoa do povo comum e parece-me tal coisa inegável. Os outros dois, simplesmente, não eram. Ou então o povo é outro...

Em menos de duas décadas Portugal modificou-se radicalmente nesse aspecto, mas não tenho a certeza que tenha sido para melhor, quanto a isso.
Porém, o que importa realçar, neste caso é mais simples e prosaico e poucos se dão conta: para interpretar o que se passava em 1970, do modo o faz o tal autor, Rosa, no livrinho apontado e com prefácio do Francisquinho do Expresso,( como dizia Marcello Caetano) é preciso compreender os factos e os fenómenos aferidos ao tempo em que ocorreram e não segundo os costumes, regras ou contextos de hoje.
Esquecer ou ignorar tal método é  caminho directo para o erro, a desinformação e a manipulação ideológica. Ensinar do mesmo modo perverso é criminoso porque falsifica a História.


10 comentários:

lusitânea disse...

Agora o que interessa não é descolonizar mas colonizar-nos e todos os motivos são bons.A raça mista agora só cá dentro vencerá!Mas obviamente por nossa conta!

Floribundus disse...

com o entertainer e o monhé
vamos ter um lindo enterro

a divida aumenta
idem e ibidem a falta de vontade de tralhar

Floribundus disse...

trabalhar
'é bom para o preto'

zazie disse...

Uma boa parte do povo é mesmo outro.

Ricciardi disse...

Que boa confusão.

O facto de não mostrarem o cadáver (e bem) não quer dizer que não tenham sido velados em câmara ardente.

Fotografar um cadáver pode ter justificação cultural. Nalguns países, onde o culto aos líderes ainda era maior, até os embalsamavam. Rússia, angola etc.

Eu acho perfeitamente horrível a urna aberta. Um profundo mau gosto, embora respeite quem o faça. Eu cá nem entro na igreja se a urna estiver aberta. Prefiro recordar a imagem da pessoa com alma do que o corpo encarconhado, pálido com a cera, com cheiro a podre misturado com o cheiro das flores.

Da-me vómitos, em suma. Literalmente.

Os povos mais atrasados até lambem os cadáveres. Valha-me Deus. Pelo oriente médio pegam neles, abracam-no e beijam-nos como se estivesse viva a carne morta.

Infelizmente o povo português não mudou assim tanto no que esse assunto diz respeito. São ainda raros os funerais com urna fechada. Soares e Cunhal estava aberta, como a de Salazar.

Estamos em transição cultural, digamos assim. Mas os catanos dos agentes funerários nem perguntam aos familiares como querem a coisa. Abrem logo. Eu mandei-os fechar no funeral do meu pai. E que deitassem a puta da chave fora. Para que quereremos a chave dum caixão?

O agente insistiu com a chave. Peguei nela e atirei-a para a valeta e disse-lhe: a alma já saiu e nao precisaria da chave de ainda lá estivesse.
.
Rb


adelinoferreira disse...

Será tudo inferno

De longe a longe ocupam-me as visões de Swedenborg (1688-1772). Esse famoso sueco, competente em Engenharia Militar, Hidráulica, Teologia, Química, Anatomia e outras ciências, foi um dia visitado por ninguém menos que Jesus Cristo, relatando que várias vezes subiu ao Céu na companhia do Redentor.
Na ocasião em que a entrevistei, também a Santa da Ladeira me disse ter feito duas dessas ascensões, confirmando as palavras do sueco: lá em cima é a réplica exacta do que existe e se passa cá em baixo.
Por razões várias desagrada-me a possibilidade. Então dentro em pouco - na minha idade o tempo voa – dou o último suspiro, chego ao destino e encontro lá o que aqui me afligiu? Ouvir o senhor Marques Mendes? Ver telenovelas e programas de cozinha? O Primeiro Ministro a garantir prosperidade para o ano que vem? Suportar relatos de futebol? Discursos? Intervenções parlamentares? O senhor Matias da farmácia, que começava sempre as frases com um “Ó meu grande amigo!”? Haverá filas de trânsito? Cartazes? Máfia? Políticos corruptos? Banqueiros DDT?
Será que o Céu não existe e é tudo Inferno?

J.Rentes de Carvalho

Floribundus disse...

'o polvo unido'
gosta de ser rico e poderoso

mas como dizia Mariano de Carvalho
'o povo quer albarda '

muja disse...

Aí tem o porquê nas palavras do fala-barato. Dá-lhe nojo. Vómitos literais.

É assim. Faz-lhes impressão... Preferem não ver. Vai daí e entre morto e quase morto a diferença será pouca em termos de vómitos literais, de maneira que, se é para esconder, não vale a pena esperar que morra...

Sociologicamente, isto há-de ter que ver com o culto do aspecto da juventude, com o mercadejar da imagem ou de uma certa ideia de juventude. Imagens de velhos mortos - como, aliás, de velhos vivos cada vez mais - não seduzem, não atraem, não excitam; em suma, não vendem... Não se vendem nem vendem nada, pois que é que fica com vontade de ir comprar sapatos ou telemóveis depois de ver imagens de um velório?

É a censura dos costumes, agora ao modo dos fala-baratos. Dantes censuravam-se coisas chocantes, imorais, soezes. Agora censuram tudo aquilo que convide à reflexão profunda, que confronte a pessoa com os aspectos da sua própria natureza que não são agradáveis - o sofrimento ou a morte naturais - mas são inevitáveis e parte, pode dizer-se, da essência da vida.

E isto há-de ligado à sofisticação - o sofisma do valor da novidade - também, porque tem todo o ar de ser coisa sofística este esconder dos aspectos da vida que marcam os limites desta.

O Dragão é que teria arte de lhe pegar no assunto.

josé disse...

O Dragão teria se os sarcamos em demasia não o tivessem engolido.

Apache disse...

Salazar, como o José refere, era um homem do povo, genuíno. Os políticos pós abrilada (Soares mais que Cunhal) são produtos mediáticos. A sua vida pública é uma representação permanente, da qual a “modernidade” bacoca (inerente ao socialismo que defendem) não se pode ausentar. A não apresentação da imagem do morto insere-se no “culto” da eterna juventude, da excessiva preocupação com a imagem (o primado da forma sobre o conteúdo) que começa no excesso de maquilhagem das senhoras (por vezes ainda meninas), passa pelo horror dos corpos híper-tatuados, e outras futilidades e, depois de muitos cremes, muitos suplementos vitamínicos, algumas plásticas, branqueamentos e implantes, tem como epílogo macabro a Eutanásia.
A celebre frase - “Ó Luís veja lá se eu fico melhor deste lado” – é o cartão de visita do “regime”.

Quanto ao povo, é outro, de facto: socialista, laico, subsídio dependente e com a ignorância superiormente certificada.

A obscenidade do jornalismo televisivo