quinta-feira, junho 22, 2017

O Ministério Público e a investigação do incêndio em que morreram 64 pessoas

Observador:
 
A procuradora-geral da República (PGR), Joana Marques Vidal, afirmou, esta quinta-feira, que o Ministério Público está, desde o início, “no teatro de operações” para investigar as causas do incêndio que começou em Pedrógão Grande no sábado, no distrito de Leiria.
“O Ministério Público (MP) esteve presente, no teatro das operações, desde o início na perspectiva de exercer com rapidez as suas competências. Todos os elementos da Polícia Judiciária, Instituto de Medicina Legal e demais instituições presentes tinham contacto, directo, com os magistrados do MP que estiveram, aliás, desde domingo e segunda-feira, não só contactáveis como mesmo presentes em alguns desses sítios”, disse Joana Marques Vidal à margem VII Congresso dos Solicitadores e dos Agentes de Execução que decorre até sábado, em Viana do Castelo.
A PGR adiantou que o inquérito crime, em segredo de justiça, “foi levantado nos primeiros momentos em que o fogo deflagrou e que houve conhecimento de que havia vítimas mortais e danos” e que “irá investigar tudo aquilo que for necessário ser investigado”.
Nunca se pode arredar a necessidade de investigação em toda a sua vertente, designadamente a possibilidade de existir indício criminal, ou não”, sustentou.
Joana Marques Vidal adiantou que “o inquérito está a correr os seus termos no Ministério Público do Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) da Comarca de Leiria”.
“O inquérito foi avocado pela magistrada do Ministério Público, coordenadora do DIAP da Comarca de Leiria e que, claramente, como, aliás, decorre da lei, tem como órgãos de polícia criminal que coadjuva, a Polícia Judiciária, sem prejuízo da colaboração de todas as outras instituições que têm competências nessa matéria. Tudo aquilo que diz respeito ao incêndio, às suas causas, às suas consequências irá, naturalmente, ser objecto desse inquérito”, destacou.
Lusa


"Desde domingo, dia 18 de Junho, que uma equipa de três magistrados estava em Pedrógão Grande a acompanhar no terreno as operações de socorro e, acima de tudo, o trabalho que a Polícia Judiciária (PJ) e o Instituto de Medicina Legal realizaram de localização e sinalização dos 64 corpos das vítimas.
Essa equipa foi enviada por Euclides Dâmaso, líder do MP no distrito judicial de Coimbra que inclui a comarca de Figueiró dos Vinhos e que esteve em contacto com Almeida Rodrigues, director nacional da Polícia Judiciária (PJ), desde a noite de sábado.
Tendo em conta a trágica morte de 64 pessoas e os mais de 250 feridos, os crimes de negligência em causa podem ser os seguintes:
  • Homicídio por Neligência – art. 137.º do Código Penal com pena de prisão máxima até aos 3 anos ou 5 anos em caso de negligência grosseira
  • Ofensa à Integridade Física por Negligência – art. 148.º do Código Penal com pena de prisão até 1 ano ou 2 anos se resultar da negligência ofensa à integridade física grave 

Há três situações que têm sido noticiadas nos últimos dias que vão ser investigadas:
  • O não encerramento atempado da Estrada Nacional 236-1 (a chamada ‘Estrada da Morte’ onde morreram mais de 40 pessoas) por parte da GNR. Há mesmo testemunhos que têm sido publicados na comunicação social que indiciam que os militares da Guarda terão conduzido viaturas para EN 236-1, depois de terem encerrado o IC 8.
  • O sistema de comunicações SIRESP voltou a falhar no sábado dia 17, tendo afectado as comunicações de socorro. O semanário Expresso noticiou que o sistema de comunicações de emergência esteve ‘em baixo’ na zona de Pedrógão Grande entre o meio da tarde sábado e as 8 da manhã de domingo — altura em que a cobertura do SIRESP foi reactivada com uma antena móvel. Já não é a primeira vez que o SIRESP falha. Entre as diversas situações que já ocorreram, salienta-se outro fogo florestal em 2016 no Sardoal em que morreram dois bombeiros.
  • O Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), responsável pela previsão das condições meteorológicas, terá alertado a Autoridade Nacional da Protecção Cívil sobre a possibilidade de ocorrência de trovoadas secas a norte do Distrito de Leiria e o risco de incêndio. Leiria estava catalogada pelo IPMA com o risco laranja (o segundo mais grave) em termos de risco de incêndio.

Tem de ser estabelecido um nexo de causalidade entre a negligência e as consequências da mesma.
Isto é, não basta provar a existência de uma situação de negligência. Tem de provar-se uma relação entre os erros cometidos por um agente de autoridade pública (ou privada) e as mortes que ocorreram, de forma a conseguir imputar a uma pessoa concreta a responsabilidade pela morte de alguém.
Peguemos no exemplo das 47 mortes que ocorreram na EN 236-1. Terão de ser recolhidas provas de que os militares da GNR tinham a informação de que aquela via rodoviária estaria em perigo ou ameaçada pelo fogo. Logo, teriam de que iriam colocar em perigo os cidadãos que seguiram as suas instruções.
O mesmo se diga sobre o não encerramento atempado daquela via rodoviária — quando o IC 8 foi encerrado às 18h50 de sábado. Teria de ser recolhida prova de que os elementos da cadeia de comando da hierarquia da GNR sabiam de que o fogo já estaria nas imediações da EN 236-1, o que acarretaria sempre perigo para as pessoas e bens.
O Comando Geral GNR, de acordo com o relatório preliminar que já enviou para o primeiro-ministro António Costa diz duas coisas:
  • Não havia, ao final da tarde/início da noite de sábado, “qualquer indicador ou informação que apontasse para a existência de risco potencial ou efectivo em seguir por esta estrada (EN 236-1) em qualquer dos sentidos”. Além disso, a GNR fala em “dificuldades operacionais na missão de cortar a EN 236-1”, pois são múltiplos os pontos de acesso.
  • “Foi num contexto de fenómeno invulgar que terão ocorrido os fatídicos acontecimentos da EN 236-1, uma vez que o fogo terá atingido esta estrada de forma totalmente inesperada, inusitada e assustadoramente repentina, surpreendendo todos”, lê-se no esclarecimento que foi enviado para o Governo a pedido do próprio primeiro-ministro."
                                                                 


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Comentário:

Ora bem. É raro encontrar nos media este tipo de explicações assim tão detalhadas e com objectividade jornalística qb. Quem também faz isto muito bem e com a colaboração prestimosa de um especialista que não diz bacoradas jurídicas e sabe do que fala ( o professor de direito penal Rui Pereira) é a CMTV e tem prestado um serviço inestimável ao país que mais ninguém faz, esclarecendo coisas que devem sê-lo.

Obviamente que este novo meio de informação que é o Observador ( e outros, noutras plataformas editoriais, na internet) é um acrescento valioso para uma melhor compreensão dos fenómenos e acontecimentos.

É também raro e de acrescento valioso saber que o MºPº local se encontra empenhado a fundo e  com a intervenção profissional dos mais altos escalões ( procurador-geral distrital de Coimbra, Euclides Dâmaso) e empenho pessoal e com provas dadas dos mesmos ( em situações concretas há muitos anos atrás) .

No caso do incêndio que começou no Sábado e se estendeu para os dias seguintes é primordial entender o que o Observador indica, a propósito dos crimes em causa e das dificuldades de prova que os mesmos objectivamente apresentam, na respectiva recolha no terreno, literalmente.

Há dois factos principais, com outros co-relacionados que importa reter como fundamentais. Retiro para já o relativo ao (não) funcionamento do SIRESP, durante a tarde de Sábado uma vez que haveria outros meios de comunicação disponíveis e portanto esse pormenor que é maior, fica à parte, neste caso. Restam estes dois:

 1. O Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), responsável pela previsão das condições meteorológicas, terá alertado a Autoridade Nacional da Protecção Cívil sobre a possibilidade de ocorrência de trovoadas secas a norte do Distrito de Leiria e o risco de incêndio. Leiria estava catalogada pelo IPMA com o risco laranja (o segundo mais grave) em termos de risco de incêndio.

 2. O não encerramento atempado da Estrada Nacional 236-1 (a chamada ‘Estrada da Morte’ onde morreram mais de 40 pessoas) por parte da GNR. Há mesmo testemunhos que têm sido publicados na comunicação social que indiciam que os militares da Guarda terão conduzido viaturas para EN 236-1, depois de terem encerrado o IC 8.

 Então se houve a indicação do IPMA à Autoridade Nacional de Protecção Civil ( ANPC) acerca das condições meteorológicas que pelos vistos foram únicas, excepcionais e com risco de incêndio a seguir ao máximo ( alerta laranja) a pergunta a fazer à ANPC é sobre o que fez para proteger as pessoas da região e evitar a tragédia que aconteceu.

Nestes casos de incêndio as tragédias estão sempre à porta da ANPC e por isso a obrigação de acção perante circunstâncias concretas não deixa margem de manobra suficiente para lavagem de mãos sempre que acontecem mortos às dezenas e estragos de bens de grande valor para as pessoas como sejam as próprias habitações.

Para grandes males, grandes remédios.  As condições meteorológicas para a tarde de Sábado, dia 17 de Junho, na região de Pedrógão Grande eram de tal forma assustadoras que a ANPC não pode vir dizer que não teve medo. Se o disser incorre na prática do crime, parece-me.

Logo, se teve medo, o que fez para esconjurar esse demónio que se soltou, segundo todos os depoimentos das testemunhas que viveram essas horas naquele local?
Mandou cem bombeiros, 33 carros e um heli para combater o Demónio à solta nas primeiras horas? E acrescentou mais 50 bombeiros, uma dúzia de carros e dois helis, dali a duas horas? E depois de se consumarem as mortes de dezenas e dezenas de pessoas, acrescentou mais 100 bombeiros, mais 40 carros, tirando  um heli, ficando com dois?
Se foi assim, a negligência consciente é grosseira e aproxima-se do dolo eventual ou seja, da previsão de um efeito como provável e a  desconsideração como realizável.
Não pensaram que as poucas centenas de pessoas isoladas em algumas aldeias, velhos, sobretudo, não estavam preparados para enfrentar o Demónio? Deviam ter pensado e actuado em conformidade, como o fizeram agora, à outrance, como acontece sempre que algo corre mal. Teriam poupado algumas vidas para além das 47 que morreram na EN236-1.

O mesmíssimo raciocínio se deve aplicar ao controlo das vias terrestres durante a tarde de Sábado. Quando o Comando Geral da GNR, refere que 
  • Não havia, ao final da tarde/início da noite de sábado, “qualquer indicador ou informação que apontasse para a existência de risco potencial ou efectivo em seguir por esta estrada (EN 236-1) em qualquer dos sentidos”. Além disso, a GNR fala em “dificuldades operacionais na missão de cortar a EN 236-1”, pois são múltiplos os pontos de acesso.
  • “Foi num contexto de fenómeno invulgar que terão ocorrido os fatídicos acontecimentos da EN 236-1, uma vez que o fogo terá atingido esta estrada de forma totalmente inesperada, inusitada e assustadoramente repentina, surpreendendo todos”, lê-se no esclarecimento que foi enviado para o Governo a pedido do próprio primeiro-ministro."
É preciso também raciocinar e incluir aquela entidade- INPC - na equação. Competindo-lhe proteger as pessoas e bens era obrigatório avaliar no momento o risco de circulação naquelas estradas quase florestais, naquelas circunstâncias meteorológicas  e já com um incêndio a lavrar que não conseguiram controlar nas primeiras horas ( e seria importante saber porquê).  Se as condições meteorológicas eram excepcionais também deveriam sê-lo as medidas tomadas e a tomar. Ora não o foram de todo e o resultado está à vista.

Não há desculpa civil para erros deste tamanho. A Autoridade que devia proteger os cidadãos pouco ou nada fez para tal, uma vez que aquilo que fez se resumiu, segundo tudo indica, ao trivial e burocrático e a que eventualmente estão habituados em incêndios naquela zona.

No Sábado não foi apenas um incêndio que ocorreu: foi um incêndio demoníaco provocado por condições climatéricas infernais. Que fez a  ANPC para combater este Mal? Parece que confiou nos procedimentos de rotina...

Para avaliar correctamente o que aconteceu e estabelecer parâmetros de responsabilidade criminal ( a política já é absoluta e vergonhosa mas ninguém assume nada de nada) importa indagar factos e mais factos e recolher os mesmos no terreno, literalmente. Daí a importância daquela actuação do MºPº que desta vez não se senta apenas na burocracia do delegar nas polícias a incumbência da investigação.

A mim parece-me essencial perguntar a quem viu, na tarde de Sábado, o que se passou no terreno, entre as 14 horas e as 21horas, pelo menos e atendendo a esse período mais mortífero do incêndio.

Ora quem é que viu melhor o que se passou entre as 17:00 e as 20:00? Quem andava no ar, literalmente e quem observou de postos de vigia adequados a propagação do lume, das chamas e do vento que as acompanhava e a extensão que percorriam.

E quem viu reportou a alguém da ANPC ou do Comando Geral da GNR ou do cabo que estava na patrulha da BT?

E se reportou que fizeram essas pessoas?

Se ninguém viu, ninguém reportou e ninguém actuou a conclusão é lógica: para que servem?

4 comentários:

Floribundus disse...

basta-nos ter
o António das mortes
sentado no gabinete com ar condicionado

António Maria disse...

Uma pergunta: qual foi a pressa de destruir eventuais provas de crime na Estrada da Morte, mandando (quem mandou) remover todo o material calcinado, e mandando (quem mandou?) Colocar novo manto de asfalto sobre a estrada da desgraça?

josé disse...

Foi a obra continuada do desleixo de quem manda.

Maria disse...

Uma pergunta: qual foi a pressa de destruir eventuais provas de crime na Estrada da Morte, mandando (quem mandou) remover todo o material calcinado, e mandando (quem mandou?) Colocar novo manto de asfalto sobre a estrada da desgraça? (António Cerveira Pinto)

Perguntas oportunas e excepcionalmente bem colocadas.
Eis mais um crime monstro e indesculpável praticado perante todo um povo para que todas as provas incriminatórias sejam ràpidamente apagadas e o poder que está se rebole de contente e continue a 'governar' como se nada se tivesse passado nem 54 pessoas não tivessem sido atiradas para uma morte provocada e tudo isto é feito com um único propósito: para que as culpas gravíssimas, que indubitàvelmente lhe cabem, não lhe sejam assacadas.

O Público activista e relapso