sexta-feira, junho 09, 2017

O Professor Jorge Miranda chegou e disse...e o Público tirou-lhe o chapéu e foi-se.




O professor de Direito Constitucional Jorge Miranda, um dos supostos "pais" da Constituição que temos ( e já em 1977 lhe fez um elogio politicamente indecoroso) escreveu agora um artigo no Público a dizer que "os juízes não têm direito à greve". A ideia é peregrina e já traz bordões antigos e de passagem de nível e por isso reproduzo um texto publicado em 16 de Agosto de 2010, quando aquele Professor passava férias em Moledo, Caminha, cuja foto o mostra numa passagem de nível...



O texto foi publicado no seguimento de declaração ao Expresso no sentido de que "os sindicatos de juízes deviam ter extinção imediata." :

Quando se procura o fundamento para este terrorismo constitucional, deparamos com afirmações deste género: " Descredibilizam, claramente, a Justiça. Em dois aspectos: por um lado, criam na opinião pública a ideia de que os juízes têm interesses profissionais e corporativos, em vez de se voltarem para a missão de justiça; em segundo lugar, quer o sindicato dos juízes quer o sindicado dos magistrados do MP entram num protagonismo em que aspectos de ordem política são patentes."

São estas as razões de fundo do constitucionalista Jorge Miranda para a extinção imediata dos sindicatos nas magistraturas.

A primeira, sobre descredibilização "clara", é tão clara como os motivos de fundo que levam Jorge Miranda a pronunciar este discurso do método de administrar justiça em nome do povo.
Em primeiro lugar porque os magistrados têm mesmo interesses corporativos e profissionais, inseparáveis do modo como exercem material e funcionalmente o seu múnus. São interesses que foram reconhecidos internacionalmente, pelas Nações Unidas ( que Jorge Miranda cita frequentemente sempre que lhe convém) e outras instituições. Os sindicatos da magistratura não são de modo algum as aberrações democráticas que Jorge Miranda pretende impingir como ideia corrente. Foram aberrações, sim, mas noutro tempo que Jorge Miranda também conheceu bem: antes de 25 de Abril de 74. Será o regresso a esse tempo de juizes virtuosos e caladinhos de respeito que Jorge Miranda pretende e prefere? Que o diga!

Para além disso e para provar essa vertente corporativista e profissional que não contende com o exercício da justiça em modo de julgar, foram os sindicatos que reivindicaram melhores condições de trabalho e remuneração, comparando logicamente o poder judicial com o político-governamental, no final dos anos oitenta do séc. que passou: se assim não fora, os magistrados estariam hoje ao nível das polícias de giro ( como antes estavam), sendo no entanto parte de um poder do Estado que no caso dos juízes é o poder soberano judicial. A par do legislativo e executivo.
É sabido que antes de 25 de Abril de 74, os juizes ganhavam mal. Muito mal mesmo porque tinham precisamente o estatuto sócio-profissional que não admitia os sindicalismos num modelo que Jorge Miranda parece apreciar, tendo em conta um perfil que em tempos deu da magistratura, citando o exemplo algo pitoresco de um juiz do seu tempo. O artigo ( que pode ser lido aqui) publicado no D.N de 26.10.2009, começava assim: Um tio-avô meu foi colocado no início da carreira numa comarca do Alentejo bastante descristianizada. Na missa em que participou no primeiro domingo após a sua chegada eram pouquíssimos os fiéis. Já no domingo seguinte a igreja encheu-se. Percebeu: era o respeito que todos tinham para com o "Senhor Doutor Juiz".
Esta ideia algo retrógrada ( haveria quem lhe chamasse reaccionária...) sobre o perfil do "juiz" pode dar a explicação para a idiossincrasia de Jorge Miranda sobre este assunto.
Mas não basta porque como professor de Direito, Provedor frustrado pelos partidos do Parlamento por causas insindicáveis, Jorge Miranda tem ainda um ponto fraco e de razão sindicável que lhe retira alguma credibilidade argumentativa naquele tipo de razões: é sogro da "mestra Alexandra Leitão (casada com o mestre João Miranda, que é vogal da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos), a qual é uma das vogais do CSM que, tendo sido eleita para esse cargo pela maioria parlamentar do PS, foi co-autora da iniciativa e decisão de suspender o processo de classificação do Dr. Rui Teixeira", tal como se refere num comentário naquela revista digital.

Estas relações e ligações familiares não são suficientes para desqualificar Jorge Miranda, do nível em que se encontra que é o do catedrático com essas ideias que nem são peregrinas porque sempre tiveram residência nos seus escritos.
Mas já serão ligações suficientes para o desqualificar no plano em que pretende colocar os magistrados: o de fazerem um jogo político. Jorge Miranda também faz um jogo político e em termos de relações familiares e profissionais não parece ser dos mais claros e transparentes.
Que jogo político é imputado e vituperado aos magistrados ? O partidário ou o simples jogo que qualquer cidadão, mesmo magistrado, associado e em democracia, pode e deve fazer? Jorge Miranda pretende denegar o direito de associação aos magistrados por aquelas duas razões de fundo? Será possível?!

E que jogo político faz Jorge Miranda com estas ideias expostas neste nível de passagem da democracia? O jogo político que os adeptos do Estado Novo faziam e que era iniludivelmente o de silenciar magistrados por razões espúrias e difusas de uma respeitabilidade associada à figura do juiz das beiras, cuja eira era só e apenas o tribunal. Um juiz à imagem e semelhança daquela figura pitoresca que numa aldeia inóspita do Alentejo ia à missa e só por isso, levou os paroquianos à mesma prática.

Para Jorge Miranda o único sindicalismo admitido aos juizes, é apenas esse: o do proselitismo pelo exemplo. Sem palavras à mistura nem discurso em jornal. Mas, como é bom de ver, um sindicalismo atípico, serôdio e duvidoso. Mesmo nas suas razões de fundo.

PS. O sindicalista do MP, João Palma também escreve no Correio da Manhã de hoje, sobre este mesmo tema da entrevista de Jorge Miranda.
Para dizer que "O ilustre Professor não questiona, por exemplo, o actual modelo de escolha do PGR pelo primeiro-ministro ou o reforço da legitimação democrática do MP. Não é a independência da Justiça, ou a isenção do MP que lhe tiram o sono."

E tem razão João Palma. Naquele episódio tristíssimo co-protagonizado pela sua nora, Alexandra Leitão, o que esteve notoriamente em causa foi uma intromissão indirecta do poder político que está, ligado ao PS, com o poder judicial protagonizado nas decisões do juiz Rui Teixeira. Se há melhor exemplo de interferência do poder político no judicial, não consigo encontrar...e isso, pelos vistos, nada incomodou Jorge Miranda.
O sindicalismo que a tempo e horas denunciou essa manobra, esse já o incomoda soberanamente, tal como incomodou o próprio presidente do STJ, Noronha do Nascinento.
Vá-se lá compreender...

Para além deste texto já quase com sete anos o que mostra de algum modo que as ideias de Jorge Miranda estiolaram, esperava-se que os juízes portugueses dissessem logo das suas razões de discordância perante estes juízes peregrinos do Professor. Dizem que vão dizer, mas já é muito tarde porque nestas coisas a resposta tem que ser pronta para ser eficaz. O Público já tirou o chapéu ao Professor, na primeira página e percebe-se de algum modo porquê...
 Assim e encurtando razões, o Professor Jorge Miranda diz que os juízes enquanto órgãos de soberania não deveriam poder fazer greve nem ter sindicatos ( disse-o há sete anos). Admite que os juízes são uma classe híbrida entre os órgãos de soberania mas não aceita que essa característica lhes dê tal direito, cortando-lhes o que as Nações Unidas já admitiram para todo o mundo.

Os juízes dependem de outros órgãos de soberania para terem o salário a que se consideram com direito. Os demais dependem apenas de si mesmos e o que se passa a este respeito na AR é indecoroso porque ganham o dobro do que oficialmente se reconhece, como escreveu o antigo deputado José Magalhães. Não exercem soberania alguma quando participam em procedimentos administrativos, como é o caso das assembleias eleitorais. Não se equiparam a forças de segurança porque não depende deles a segurança interna ou externa do país, no estrito aspecto logístico e de funcionamento do Estado, sendo abstruza a comparação com as polícias e militares a quem se nega o direito à greve por essas razões.

Por outro lado, os juízes só tem o seu salário para pagar as contas. E não consta que fiquem a dever pequenas contas de mercearia...como outros que são conhecidos por isso nos lugares por onde passam, mesmo em vilegiatura.

Questuber! Mais um escândalo!