terça-feira, junho 03, 2014

Jardim Gonçalves, o banqueiro que afrontou a maçonaria

A entrevista é de Jardim Gonçalves e com excertos como estes que mostram uma identidade diferente do nosso país e que desapareceu completamente destes media que herdamos daqueloutros que surgiram há trinta anos. Como curiosidade aparece o nome do famigerado "tenente Rosário Dias", o aparatchick de Vasco Gonçalves relatado no livro O ataque aos milionários e que andava sempre de pasta com um pistolão lá dentro, para o que desse e viesse:

Porque escolheu o general Eanes para prefaciar o livro?
Conheci-o na sua primeira visita de Estado como Presidente da República, que foi a Espanha, mas que podia ter sido às ex-colónias independentes, mas não foi. O chefe de gabinete, o Granadeiro [Henrique], preparou-lhe uma lista com nomes de bons profissionais que tinham saído do país. Eu estava, então, em Espanha, para onde fui a seguir ao 25 de Abril.
Não ficou em Portugal porquê?
Tive vários convites de empresas para trabalhar, mas não havia liberdade de admitir quadros pois todas as comissões de trabalhadores vetavam o meu nome por, embora não sendo capitalista, ser “o lacaio do capitalismo”. Eu tinha então cinco filhos e não tinha emprego e fui pedir ao tenente Rosário Dias, que era comunista e assessor do general Vasco Gonçalves, e que trabalhava à frente da minha casa, na Rua da Imprensa, para sair do país.

(...)
   
A sua vida dava um filme?
Todas as vidas davam um filme. Mas sim... eu vivi um século inteiro e o início de outro. Pouco depois de ter nascido, em 1935, aos 7 e aos 8 anos, tomei consciência do que foi a crise dos anos 30. O meu pai teve dificuldades económicas, pois era um grande empresário e um grande comerciante e deixou de o ser. A minha mãe, que tinha fechado o colégio por o meu pai ter uma boa situação económica, reabre-o para viver. E lembro-me de conversas sobre a I Grande Guerra e vivo em pleno a II Grande Guerra e depois há a guerra colonial. Tive uma vida académica muito agradável. Li muito.
O que lia?
Li de tudo. Aos 17 anos adoeci e fui para o Norte da Madeira, onde vivia o senhor Carlos Santos, casado com uma senhora muito rica, para a escala da Madeira, e que tinha uma excelente biblioteca. Li muito o Camus [Albert]. E tenho voltado sempre a Camus.
Porquê o Camus?
Camus viveu na Argélia, na altura uma colónia francesa, e viveu os problemas da autodeterminação que eu também vivi. E, mais recentemente, todo o clima de tribunal, por que tenho passado nos últimos anos. E no livro O Estrangeiro [passado na Argélia] ele [o narrador Meursault comete um assassinato e é julgado] dá o tiro e vê a faca a brilhar com o sol, mas está cansado, pois foi ao enterro da mãe e encontra justificação para o que fez. Por isso, retratou bem a dificuldade de transferir para um quadro de tribunal o ambiente que se vive quando se efectivam as acções e que o tribunal lê com um espírito diferente daquele que presidiu aos acontecimentos.

(...)
 
E teve uma conversa com o Presidente Craveiro Lopes...
 ... que me disse: "Não vá para civil, que há muitos, mas para minas, pois temos de gerir bem o ultramar onde estão os recursos.”
Falaram em que contexto?
Eu era o tesoureiro da comissão central da Queima das Fitas de Coimbra, onde estavam os melhores alunos, e viemos convidar o Presidente... A praxe em Coimbra era uma coisa muito bonita, vinha dos calouros até à Sala dos  Chapéus, dos doutoramentos. E quando foi do doutoramento honoris causa do Presidente brasileiro Juscelino Kubitschek (08-08-1960) pela Universidade de Coimbra, o Presidente da República ficou em cima do varandim, e no outro varandim estava o bispo de Coimbra. Era a força da academia. E era tão praxe quanto o calouro entrar de gatas no quarto do doutor…
Hoje não o chocam as praxes?
Não sei muito bem se é aquilo que se escreve. Mas isso não tem nada a ver com a praxe académica. A comissão central da Queima, antes da Queima, vinha a Lisboa convidar pelo menos quatro pessoas: o Presidente, onde íamos de capa e batina e colarinhos engomados e dobrados, o d.r Salazar, onde íamos de camisa branca, gravata e capa e batina, e depois o ministro da Educação, Francisco de Paula Leite Pinto, muito contestado, e também íamos cumprimentar sempre o senhor director do Diário de Notícias, que se chamava Augusto de Castro.
E porquê?
Por que era uma pessoa muito importante no país. Que jornais havia: O Século, que tinha uma folha internacional muito boa, O Primeiro de Janeiro, que era mais aberto, O Comércio do Porto, do grupo Borges, o jornal da Igreja, o Novidades, o Diário da Manhã, o do regime, e havia os vespertinos, o [Diário de] Lisboa e o [Diário] Popular. E o DN, que era muito importante por não dar notícias, mas o que lá vinha escrito estava consagrado.
Mas se não dava notícias...
 ... as pessoas sabiam que aquilo que lá vinha estava certo, normalmente era com uma diferença de 24 horas.
Era um jornal oficial?
Não, não. Era da confiança do regime. Mas todos estavam submetidos à censura.
O encontro com o Salazar marcou-o?
Ele cumprimentou-nos um a um e quando chegou a mim disse: “Então os senhores vão contratar uma orquestra do estrangeiro? No meu tempo a Queima das Fitas era uns tambores, umas gaitas-de-foles… Os senhores não deixem a Academia de Coimbra ficar mal. As contas têm de ficar certas." A conversa foi praticamente comigo, que era o tesoureiro.
Ele estava preocupado era com as contas?
Sim. Porque realmente foi um atrevimento nosso querer fazer uma Queima à grande. E fizemos. E, por isso, é que nesse ano apareceu um relatório das contas da comissão que nunca se tinha feito.
Por sugestão de Salazar?
Foi resposta minha à intervenção do dr. Salazar. Eu disse ao Nuno Pimenta, presidente da Queima: “Ele pode não ler, mas vai receber o relatório.” Houve lucro e criámos cinco bolsas.
Apesar de terem contratado uma orquestra estrangeira?
Que estava a actuar muito bem. Na véspera tínhamos estado no cabaret Maxime, na Praça das Flores, onde a orquestra actuava, e aproveitámos bem a noite.
Qual era a sua relação com o regime?
Era a relação que o povo português tinha. Havia lucidez.
Nunca pôs em questão o regime?
É preciso ver que eu fui estudante de 1954 a 1959. E o que é que deu oportunidade a que nos pudéssemos manifestar? A candidatura do Humberto Delgado. E aí tomámos posição. Mas nem era bem contra o regime, era para uma alteração do regime. Por que o general era um senhor que tinha crescido e desenvolvido a sua carreira no regime, era da alta confiança, e que depois teve aquela saída no Rossio: “O que se faz ao dr. Salazar? Demito-o.” E houve ainda a atitude de apoio ao bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, que saiu do país com o propósito de não votar. Ora, nós pertencíamos ao grupo deste bispo. O dr. Salazar enviou-lhe então uma mensagem para regressar a Portugal e votar, a que ele respondeu: “Recebe-me?” O Salazar disse que sim. Mas o D. António Ferreira Gomes, sabendo como ele era, escreveu-lhe a informar que estaria em Portugal num determinado dia e explicou-lhe o que lhe ia dizer: defender a autodeterminação das colónias e a questão da mudança do regime. Não houve encontro.
O bispo personificava uma voz contra ao regime?
E diferente da hierarquia da Igreja, em que a maior parte das pessoas ainda vivia na memória de que depois dos republicanos tinha vindo o dr. Salazar e devolvido à Igreja um certo estatuto e a possibilidade de haver seminários. De tal modo que, quando o seminário dos Olivais abriu, o Cerejeira foi buscar sacerdotes holandeses para professores por não haver em Portugal. O Estado Novo devolveu uma certa dignidade à Igreja. Houve uma evolução que o D. António quebrou e que era preciso ir mais longe.
 (...)
O jornal on line não publica mais nada da entrevista, mas vale a pena ler o resto, para se perceber o que andou a fazer o senhor Ricardo do BES e porque é que Roma não devia pagar a traidores, além do mais, e porque é que nem tudo se paga neste mundo.




8 comentários:

Floribundus disse...

pertenci à comissão do parque em 55, tivemos lucro e apresentámos contas.

não convidámos ninguém.

conheci D. António no combóio quande deixou o bispado de Portalegre-C. Branco
conversou com alguns de nós com a maior abertura. depois da grande seca do Alentejo em 49 (só não faliram 2 rendeiros) escreveu 'miséria imerecida' que sofreu cortes

não tenho a mesma opinião de Eanes e de Granadeiro

conheci o Pe Doutor Jardim, seu irmão

com os tribunais JG está fudido

Floribundus disse...

quem lixou JG foi o 'animal feroz' por intermédio do comendadador

resultado as acções valem 40 vezes menos e o banco esta na dependura

mas esses gajos não são julgados porque a rataria tem muita força

em 55 baile de gala no ginásio do D. João iii tocou a grande orquestra cubana de Perez Prado

alguns bebiam mais aguardente do que eu bebia água
o 'Japão' era aos montes. por ser um magrizelas cheio de acne arrisquei o menos possível

numa das noite não me deitei. atirei-me para cima da cama com capa e tudo ao nascer do sol por causa dos disparates do amigo que abriu uma garrafa de espumante rasca junto do GNR de guarda ao BdP e foi de cana. conseguimos sacá-lo da esquadra da baixa

entreguei o meu album de fotos (sem as minhas) ao museu Académico como documentação duma época

Floribundus disse...

quem lixou JG foi o 'animal feroz' por intermédio do comendadador

resultado as acções valem 40 vezes menos e o banco esta na dependura

mas esses gajos não são julgados porque a rataria tem muita força

em 55 baile de gala no ginásio do D. João iii tocou a grande orquestra cubana de Perez Prado

alguns bebiam mais aguardente do que eu bebia água
o 'Japão' era aos montes. por ser um magrizelas cheio de acne arrisquei o menos possível

numa das noite não me deitei. atirei-me para cima da cama com capa e tudo ao nascer do sol por causa dos disparates do amigo que abriu uma garrafa de espumante rasca junto do GNR de guarda ao BdP e foi de cana. conseguimos sacá-lo da esquadra da baixa

entreguei o meu album de fotos (sem as minhas) ao museu Académico como documentação duma época

Maria disse...

Excelente entrevista. E muito esclarecedora. Parabéns José por tê-la publicado.

Amélia Saavedra disse...

Na versão online... se não estou em erro, o título da entrevista era o seguinte...
“Não sendo capitalista, era lacaio do capitalismo”.

josé disse...

Na versão online em papel. Mas nem comentei esse aspecto que é verdadeiramente incrível da natureza da directora do Público, porque retiraria o foco do assunto principal que é mesmo o teor da entrevista.

Floribundus disse...

conheci o Dr. Augusto de Castro em 60 numa pensão da rua Castilho no prédio onde mataram um Champalimaud

ia visitar a irmã,senhora que gostava de falar comigo e com minha irmã

em 55 as fotos da queima das fitas foram adjudicadas pelo futuro pintor Mário Silva, filho do Prof que,

conjuntamente com Manuel Valadares, passavam pela fama de ser 'comidos' em Paris pela polaca Marie Curie

a mãe do pintor tinha uma herdade em Tolosa, de modo que em certas férias grandes nos encontrávamos nas festas das várias aldeias altoalentejanas

o pessoal despedia-se com um 'até à próxima'

gostava de ouvir a 'orquestra Ferrugem' de Portalegre, sobretudo no dia em que o cantor assobiava em simultâneo por numa briga ter perdido uns dentes da frente

o outro conjunto famoso eram os 'canários' do Pego

tempos do namoro, flirt para os citadinos,
« mão na mão / mão na coisa / coiso na mão / coiso na coisa é que não »

Lucas disse...

"Controlar as contas" é o tipo de discurso que seria totalmente estranho para 99% da classe política lusitana.

O Público activista e relapso